Com o progresso na tecnologia das vacinas, futuro do famoso personagem “Zé Gotinha”, que marcou gerações, está em jogo
Zé Gotinha, verdadeiro herói das campanhas de vacinação, é um símbolo cultural para a história brasileira. Criado nos anos 80, o simpático personagem tornou-se uma marca de confiança e segurança no programa de imunização do Sistema Único de Saúde (SUS). Ele foi responsável por inúmeras campanhas de vacinação, ajudando a conscientizar a população sobre a importância de vacinas e prevenções contra doenças graves.
No entanto, o avanço da tecnologia e a mudança nos formatos de aplicação das vacinas podem significar o fim do mascote tão querido.
O Legado do Zé Gotinha
Zé Gotinha nasceu em 1986, pelo artista plástico e publicitário Darlan Rosa, com a missão de promover a vacina contra a poliomielite, uma das doenças mais temidas da época. No começo, não foi totalmente aceito por parte do público, pois se tratava de um assunto científico retratado por um personagem fantasioso.
Então, um grupo formado por educadores e comunicadores sociais, teve o objetivo de atrelar a imagem descontraída do personagem com um assunto sério, que nem toda criança gosta: as vacinas.
Logo após essa iniciativa, o mascote começou a ganhar força em todas as regiões brasileiras. Desde então, o personagem esteve presente em diversas campanhas, filmes, programas de TV da época, sempre acompanhando a evolução das vacinas no Brasil. Seu rosto estampado em folhetos, cartazes e até brinquedos ajudou a criar uma relação de confiança entre a população e o SUS.
Com seu chapéu, roupinha colorida e a gotinha sempre à vista, o Zé Gotinha conquistou gerações, principalmente as mais novas, que o viam como um verdadeiro herói da saúde pública.
Em entrevista com a publicitária Nivea Beyrute (44), foi perguntado sobre quais elementos da campanha foram cruciais para engajar o público, especialmente crianças e pais.
“Sua aparência amigável e alegre ajudava a diminuir o medo e a ansiedade em torno da vacinação. Com seu rosto sorridente e uma atitude positiva, ele remetia a um amigo que está lá para ajudar e não assustar. Isso foi importante para o sucesso da campanha, pois as crianças muitas vezes se sentiam intimidadas por agulhas e médicos. Esses elementos combinados não só tornaram o “Zé Gotinha” um personagem cativante, mas também eficaz em promover a vacinação e tranquilizar os pais de que seus filhos estavam sendo bem cuidados.”
Beyrute também comentou os pontos fortes do personagem como símbolo da vacinação. Ela explica que “o impacto cultural do Zé Gotinha foi enorme”, e que ele não foi apenas um símbolo de saúde, mas parte da vida e lembrança da infância de muitas crianças, criando a consciência de que a vacinação é algo muito importante, forte e isso foi enraizado na sociedade.
Isso fez do “Zé Gotinha” um símbolo poderoso, que promoveu a saúde de uma maneira acolhedora, divertida e eficaz.
“Ele foi muito mais que um personagem, foi um amigo de confiança que está ali para garantir que as crianças cresçam saudáveis e protegidas”, relata a publicitária.
Por cinco décadas, o formato da vacina era predominantemente oral, ou seja, a “gotinha” que se coloca diretamente na boca da criança. Era uma aplicação simples, que se tornou a marca registrada das campanhas de imunização. Mas, com os avanços da medicina, as vacinas passaram a ser desenvolvidas em formatos diferentes, como a versão injetável, que já é utilizada em boa parte das vacinas que fazem parte do calendário de imunização.
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Era das Vacinas Injetáveis
A poliomielite foi uma das principais doenças combatidas pelo Brasil com a vacina oral, simbolizada pelo Zé Gotinha. Com o avanço da medicina, a vacina injetável contra a poliomielite (VIP) começou a ser mais utilizada, especialmente a partir dos anos 2000. Segundo a pediatra, Doutora Simildeci (72), a vacina injetável oferece uma proteção mais eficaz e segura.
“A gotinha chamada VOP é feita com vírus vivos atenuados e a VIP que é injetável é feita com vírus mortos. Essa segunda vacina já está sendo usada à algum tempo e a substituição está sendo paliativa. Ela se mostra mais eficiente e é 100 % eficaz, o que justifica a substituição definitiva”, explica a doutora.
A transição da VOP para injetável visa garantir maior eficácia na prevenção, considerando a erradicação global da doença. Embora o Zé Gotinha tenha sido essencial para o combate à poliomielite, com o aumento do uso da vacina injetável, o vínculo do personagem com a doença começa a enfraquecer, marcando o possível fim de uma era nas campanhas de imunização contra a poliomielite no Brasil.
Fim do Zé Gotinha?
O tema, que vem sendo bastante discutido, deixa uma dúvida na população brasileira. Será mesmo que o Zé Gotinha vai acabar? A resposta é não! O Zé gotinha não vai desaparecer, apesar da mudança no esquema de vacinação. Em 2023, o Ministério da Saúde estabeleceu essa alteração, na qual a vacina oral poliomielite (VOP), conhecida como gotinha, foi substituída pela vacina inativada poliomielite (VIP) no país a partir do dia 4 de novembro de 2024.
Mas é desde 2016 que a tecnologia vem mostrando indícios de mudanças. Há oito anos, o esquema vacinal sofreu sua primeira mudança “brusca”. Ela passou a ter três doses da vacina injetável acompanhadas de duas doses via oral- gotinha- adicionais. Essa alteração foi feita para garantir que o Brasil continuasse livre da doença, que não é registrada no país desde 1989, tendo seu último caso em Souza-Pernambuco.
A famosa gotinha, que antes eram duas doses, agora vai ser substituída por doses da vacina inativada poliomielite, ou seja, todo o esquema será feito por meio da injeção. Porém, para a felicidade das crianças, Zé Gotinha continuará aparecendo em campanhas de conscientização sobre a imunização no país, mesmo que não seja mais o personagem associado à vacina contra a pólio.
Sobre o futuro do Zé Gotinha na campanha vacinal, a enfermeira Carla Rossetto (36), acredita que o personagem ainda estará presente no imaginário popular.
“Ele acolhe e traz a criança para dentro do posto. Mesmo sem ela saber o que realmente significa a vacinação. Na minha geração quando ele [Zé Gotinha] aparecia já sabíamos que era a gotinha que tínhamos que tomar. Hoje, a geração é mais tecnológica, fica complicado de chamar e manter a atenção.”
Assim como a troca do modelo de vacina, novas estratégias de comunicação poderão ser adotadas para manter a proximidade do SUS com a população. Embora isso não signifique o fim do Zé Gotinha, poderá ser uma “passagem de bastão” para um novo personagem que também marcará gerações, assim como o atual mascote.