O jogo mudou: A reinvenção da cobertura esportiva

O jogo mudou: A reinvenção da cobertura esportiva

Por Giulianna Behrens : julho 29, 2025

Imagem de imprensa, jornalista e fotógrafo. (Foto: Alexa/Pixabay)

O equilíbrio entre agilidade e credibilidade em tempos de notícias instantâneas, e a adaptação às novas demandas do público esportivo

Por décadas, o universo do jornalismo esportivo brasileiro foi sinônimo de emissoras como ESPN, TV Bandeirantes e Globo. Essas gigantes da televisão moldaram a forma como o torcedor consumia esporte: confortavelmente no sofá, em horários predefinidos, acompanhando transmissões ao vivo de jogos e os debates pós-partida. Era a era da centralização televisiva, com poucos veículos controlando as imagens, as vozes e as narrativas.

No entanto, o cenário mudou radicalmente. Hoje, plataformas como a CazéTV no YouTube se consolidaram como verdadeiras potências de audiência, atraindo milhões de visualizações e transmitindo eventos de grande porte como a Copa do Mundo Feminina, o Campeonato Carioca e até mesmo os Jogos Olímpicos de Paris 2024. A acessibilidade é um diferencial: o conteúdo pode ser consumido a qualquer hora, em qualquer lugar, e não se limita a um cronograma fixo.

O público no centro da transformação

Caio Cappato, repórter da TV Bandeirantes, destaca que o público é o verdadeiro motor dessa transformação: “Eu acho que quem define a forma como a gente vai exercer o jornalismo, não é o jornalista nem a empresa. Quem define é o público que está acompanhando o jornalismo e quer consumir aquele produto.”

As plataformas digitais romperam as barreiras, disputando espaço com as redes tradicionais. Elas oferecem conteúdos dinâmicos, uma linguagem mais próxima do público e alta capacidade de engajamento, especialmente com as novas gerações. Cappato observa a mudança no comportamento do consumidor:

As pessoas mais novas, não são consumidores de televisão de forma simples. A gente tem números que comprovam isso, o consumo total de audiência que é dividido entre as televisões, com a introdução dos streamings, da internet e do celular, principalmente, alterou muito a quantidade de pessoas que estão assistindo televisão.

Paralelamente, os serviços de streaming consolidaram sua presença no esporte. Amazon Prime Video, Paramount+, Star+ e Disney+ passaram a transmitir uma vasta gama de jogos nacionais e internacionais. O “monopólio” que antes era da Globo foi fragmentado, dando ao torcedor a liberdade de escolher onde e como assistir: no celular, tablet, computador ou smart TV, em casa ou no transporte público, ao vivo ou em compactos, com narração tradicional ou alternativa.

Essas mudanças não apenas alteraram a forma de transmissão, mas também transformaram a maneira de fazer jornalismo esportivo. A ESPN, por exemplo, que antes focava em análises táticas, se adaptou às redes sociais, produzindo cortes rápidos, vídeos verticais, podcasts e conteúdos exclusivos para o ambiente digital.

João Felippe França, jornalista da ESPN, celebrou o sucesso da emissora no digital, que se tornou um pilar fundamental: “A nossa área do digital aqui, ela não é uma área tão grande em comparação com outras áreas. Mas hoje, pelo menos na última medição que a gente teve acesso, já consolidada como abril, é o digital mais consumido do Brasil se você chamar todas as plataformas. Então já foi um passo gigante pra gente de ter conseguido concorrer com a Globo. Concorrer ou ganhar da Globo foi algo absurdo!

Essa performance da ESPN no digital demonstra a capacidade de reinvenção das grandes emissoras em um cenário pulverizado. A colaboração entre as diferentes plataformas é vital, como França explica:

Na questão da apuração, a gente consegue trabalhar de algumas formas mais setorizadas aqui dentro. Mas é bastante integrado. Uma apuração que o pessoal do site faz, vira um conteúdo de TikTok, com alguém explicando ou até mesmo um vídeo de vertical para várias frentes como o TikTok ou News. Inclusive, esse ano a gente conseguiu avançar mais nessa organização.

Cappato também detalha a mudança de mentalidade nas redações tradicionais, como a Band, para abraçar a produção de conteúdo digital:

O que eu posso falar da Band é que hoje nós não somos exigidos, mas somos muito incentivados a produzir conteúdo digital. Então,  já faz parte da minha rotina. Estar em uma entrevista coletiva, aqui ou numa zona mista, entrevistando o cara e ao mesmo tempo fazendo o celular, sem prejudicar a imagem da televisão, mas conseguindo pegar a entrevista ao mesmo tempo no digital.

Bianca Molina, repórter da TNT Sports, aponta a linguagem como o ponto mais marcante dessa transformação. “Eu acho que a maior diferença mesmo é a linguagem. É bem gritante, na verdade. A TNT, que tinha tudo para ser uma TV das chamadas tradicionais, hoje ela é uma TV acima de tudo digital.”

Molina ressalta que os repórteres agora compartilham bastidores e momentos “off-notícia” que antes ficavam restritos às redes sociais pessoais. A forma de se comunicar transcende a linguagem verbal, incorporando música, artes e videografia que ressoam com o público jovem e o dinamismo das redes sociais, que estão em constante evolução.

O desafio da agilidade na notícia

A velocidade na veiculação da notícia também é um fator crucial. Enquanto as televisões tradicionais seguem um processo mais cuidadoso de checagem e edição para se encaixar em formatos e grades fixas, o digital oferece agilidade. “Se ‘caiu’ o técnico do Corinthians, eu vou gravar um vídeo, a TNT vai editar em minutos e vai estar no ar.”

Bianca compartilha sua própria experiência de adaptação, destacando a importância de se conectar com o público de forma leve, algo que difere da rigidez do jornalismo tradicional:

A Band foi uma escola muito legal, muito boa, mas, realmente, era uma coisa muito quadrada. É uma coisa que, às vezes, a gente tem até dificuldade de acessar algumas pessoas por ser mais quadradinha.

A proximidade com o público no YouTube, onde os comentários são lidos em tempo real, permite uma interação inédita, humanizando a figura do jornalista e criando laços com a audiência.

Nesse novo ecossistema, o jornalista não é mais o único emissor de informação, competindo pela atenção com influenciadores, comentaristas independentes e algoritmos. A autoridade é compartilhada com a audiência, que comenta, compartilha, questiona e viraliza conteúdos em tempo real.

Sobre a coexistência com novos formatos e produtores de conteúdo, Caio Cappato destaca a necessidade de respeito e reconhecimento do trabalho de cada um, independentemente do veículo:

Mesmo influencers, ou enfim, qualquer tipo de trabalho que tenha sido feito, tem o mesmo direito que a gente, né? Eu não sou desse time de achar porque eu sou Band, porque eu sou Globo, porque eu sou TNT, porque eu sou ESPN, que eu tenho mais direito do que o fulano que tá ali do portal Juquinha da Esquina. Cada um tem direito de fazer, se credenciado.

Apesar das diferenças nas abordagens, a ética jornalística e a busca pela verdade continuam sendo pilares. A concorrência com veículos que, por vezes, não compartilham do mesmo “compromisso com a verdade” é um desafio, como aponta João Felippe França:

Quando você publica uma coisa que é uma apuração, é seu nome que está ali. Não dá pra ser tratado como qualquer coisa. Se eles fazem algo extremamente apelativo ou antiético, eu tenho que seguir acreditando no que eu faço. E torcendo pra que a audiência entenda ou consiga separar o que é informação e o que é clickbait.

 

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Boas apurações, bons resultados

A agilidade da informação no digital, entretanto, não pode comprometer a precisão. Caio Cappato enfatiza a importância da apuração e da checagem, mesmo diante da pressão por rapidez:

O Tiago Salazar, um grande amigo meu da Gazeta, sempre fala que ele prefere postar depois, mas postar correto. E eu acho que o bom jornalismo deve seguir essa prática.

Bianca Molina reforça essa responsabilidade, especialmente com declarações diretas: “Essa coisa de apurar, quando está na boca da pessoa, nós estamos muito isentos.”

Para se manterem relevantes e competitivas, as emissoras precisam se diferenciar e se adaptar constantemente. Molina destaca como a TNT Sports mantém sua soberania no digital:

Eu acho que as emissoras, pra elas se assegurarem disso, elas tentam ter o próprio perfil. Quanto menos você imitar a outra, menor a chance de alguém chegar e gostar de te trocar.

A TNT Sports, com sua base de profissionais experientes e um perfil de programa mais leve, consegue atrair um público que busca debates que vão além da tática pura. A capacidade de se atualizar rapidamente com as tendências digitais e fazer com que os programas “conversem” com o digital é fundamental.

A TV não tem medo de mudar, sabe? Quando eu cheguei, a gente gravava reels de certa forma, rapidinho eles falaram: “meu, isso não funciona”, e assim paramos. Daí a gente começou a fazer aqueles vídeos de perguntas para torcedores […] Em algum momento saturou, eles se reuniram com a gente, paramos. Então, começamos a fazer aqueles vídeos tiktokizados […] E esse deu um monte, mas parou. E aí eles começaram a dividir a tela […] E esse é o formato que mais funciona agora. E daqui a pouco eles vão mudar de novo.

Essa agilidade na adaptação, de acordo com Molina, é o que garante a liderança da TNT Sports nas redes sociais, mesmo não ganhando em todas as frentes com as grades fixas.

O jornalismo esportivo vive uma era de constante reinvenção, onde a capacidade de ouvir o público e se adaptar às novas linguagens e plataformas é o grande diferencial.

Editado por Giovanna Moretti

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