Como a tradicional técnica do bordado passa a ser ferramenta de empoderamento e forma de expressão de jovens mulheres
O bordado é vinculado tradicionalmente a avós ou tias mais velhas que bordam aquela toalhinha com nome, o enxoval do bebê da família ou então panos de prato. Nos últimos anos, no entanto, o bordado deixou de ser apenas isso ao passo que cada vez mais pessoas têm se interessado pela atividade. E a linha e agulha, antes símbolos de uma tradição milenar feminina ligada a diversos estereótipos, hoje se tornaram ferramentas de luta e resistência.
Desde os primórdios da história da arte, o que se vê são homens produzindo para homens, sob o olhar masculino. Mostrou-se pouco receptiva às mulheres, mas o bordado sempre esteve ali. Atualmente, elas desejam quebrar o machismo bordando frases, vaginas, mamilos e outros símbolos que representam a liberdade pela qual lutam, a resistência ao sexismo e a luta pelo direito de exercer sua sexualidade.
Laura Carvalho, de 19 anos e estudante de Artes Visuais, conheceu a arte do bordado quando tinha 15 anos por meio de sua avó materna, de quem ganhou o primeiro conjunto de agulhas e linhas. A jovem relata que possui mais amigos que praticam o bordado com ela e diz bordar especialmente presentes, como camisetas personalizadas – o que faz com que a técnica funcione também como uma maneira de estreitar amizades.
A estudante conta que, além dos utensílios que herdou da avó, quando precisa de algo a mais procura em armarinhos na Rua 25 de Março. Gosta de comprar pela internet também, “em sites da China, como AliExpress, porque vendem pacotes com cem linhas, o que sai bem mais barato”.
Camila Motta, de 17 anos, começou a bordar quando notou que precisava de distração para fugir de todo o estresse que os vestibulares lhe causavam durante o ensino médio. Diz ter escolhido o bordado pelos benefícios que ele traz, como o relaxamento do corpo e a paz proporcionada pela prática, apesar da concentração que a técnica demanda. Ela aponta que produzir algo com suas próprias mãos promove uma satisfação imensa. “É algo que todos deveriam praticar”, recomenda.
O bordado, além de ser uma atividade de lazer, pode ser também trabalho de muitas pessoas. O prazer e o relaxamento proporcionados se tornam uma fonte de renda. Diversas lojas vendem produtos bordados, como é o caso da PontoJoy e do ateliê da Tallita Ramos, voltados especialmente para a técnica.
Tallita Ramos, dona da loja online que leva seu nome e possui menos de um ano de vida, fazia bordados para si mesma ou para presentear amigos quando iniciaram as encomendas do negócio. Alguém via um chaveiro ou um quadro que ela havia feito e logo queria um para chamar de seu. “Vi que as pessoas gostavam e que eu poderia ganhar dinheiro com isso”, conta. O bordado pode permanecer, ainda, no imaginário de muitos como “coisa de vovó”, porém, na opinião de Ramos, muitas jovens têm redescoberto e criado trabalhos modernos, empoderados e autorais.
“The future is female” e “Lugar de mulher é onde ela quiser” são algumas das frases que ilustram as camisas da loja PontoJoy, outro empreendimento focado nos bordados e que se hospeda no Instagram e Facebook, sem site próprio por enquanto. A marca possui tamanhos desde bodies para bebês até camisetas tamanho G3 e produz roupas bordadas sob encomenda, predominantemente com dizeres feministas. A criadora da loja, Joice Barreto, de 18 anos, conta que foi um vídeo curto no Facebook que a estimulou a começar a bordar. Depois de algumas dificuldades iniciais com a agulha, veio a primeira camiseta, decorada com uma pequena Frida Kahlo costurada com linhas coloridas. A peça fez sucesso num grupo do Facebook e a garota viu no trabalho manual uma oportunidade. “Desde pequena sempre gostei de ser independente e ter meu próprio dinheiro”, ela afirma.
A designer Tallita Ramos confidencia não se sustenta apenas do ganho dos bordados, mas para ela a técnica abre uma janela para quem tem o desejo de empreender, ter sua própria empresa. O bordado tem sido, de fato, uma possibilidade para que várias jovens mulheres adquiram sua independência financeira.
O interesse pela técnica tem aumentado, e este fenômeno pode ser observado em redes sociais como o Instagram, em que é crescente a quantidade de vídeos e fotos com trabalhos em bordado, ou o YouTube, com canais como O Clube do Bordado, um coletivo formado por seis mulheres que pretende abranger a criação e produtos exclusivos, oficinas, cursos e eventos e que já conquistou quase 43 mil inscritos. Segundo o site do grupo, a “intenção é usar as redes sociais para compartilhar conhecimento e experiências, abrindo caminhos para a educação e o empoderamento por meio do fazer com as mãos”. Cada vez mais bordar vem se mostrando como uma ferramenta de luta feminista. Pode significar a libertação financeira para algumas e também expressão dessa luta, manifestada nos dizeres bordados. Algo que antes era visto como algo tradicional da vovó que ficava em casa e se dedicava a esse tipo de trabalho manual, é hoje um conceito que vem sendo desconstruído. Nas palavras da estudante Laura Carvalho, “não bordaremos só o que é colocado como ‘feminino’, o rosa, o enxoval do casamento e do bebê” – um importante fator na relação entre a agulha, a linha e o feminismo.