Thalles Cabral aborda temas tabus, como o suicídio, em seu novo filme Yonlu
Ator de teatro, cinema e novelas, cantor e compositor, o artista Thalles Cabral, em muitos de seus trabalhos retrata questões tidas como polêmicas pela sociedade. Com a peça Vincent River, em cartaz durante os meses de agosto e setembro, Thalles atua em um drama sobre homofobia. Já nos cinemas, o filme Yonlu estreou na última semana de agosto e conta a história verídica de Vinícius Gageiro Marques (Yonlu), um jovem talentoso que se suicida, aos 16 anos, com a ajuda de uma plataforma na internet voltada a potenciais suicidas. Não por mera coincidência, o filme se relaciona com a campanha de prevenção ao suicídio Setembro Amarelo. Em entrevista para ESQUINAS, Thalles Cabral conta um pouco de sua vivência, seus trabalhos e a relação entre eles.
ESQUINAS QUAL A MAIOR DIFICULDADE DE SER MÚSICO, ATOR DE CINEMA E DE TEATRO?
É como se eu estivesse falando da mesma coisa em todos, é quase uma extensão um do outro. E às vezes me perguntam se eu consigo escolher algum, se eu prefiro e é muito difícil, porque é isso, está tudo muito relacionado, né?
ESQUINAS AS SUAS PEÇA, O FILME E SUAS MÚSICAS FALAM DE ASSUNTOS POLÊMICOS E QUE MUITAS VEZES SÃO TIDOS COMO TABU NA SOCIEDADE. VOCÊ ACREDITA QUE ISSO FAÇA PARTE DO SEU PROPÓSITO COMO ARTISTA?
Pois é, saiu uma matéria em algum site falando que o filme era polêmico, o clipe era polêmico, “Thalles lança clipe e filme polêmicos”, algo assim. Achei engraçado, mas o papel cai no meu colo, sabe? E eu escolho o que eu quero fazer, têm algumas coisas que não me interessam, ou que eu acho que têm uma visão um pouco estereotipada, preconceituosa, então eu falo “obrigado, mas não faz sentido com o que estou buscando” e acho que tem um pouco a ver com isso. Acho que não tem coisa mais triste do que ir ao teatro ou ao cinema assistir algo que não tem nada a dizer, nada, que é só bonito ou só um bando de egocêntricos. E acaba que Yonlu não tem isso, tem algo pulsando ali, que precisa ser discutido urgentemente, que é muito pouco falado no cinema, na TV. Tem também a peça Vincent River, que fala sobre homofobia, violência e é um assunto muito atual, isso acontece o tempo todo. Então, a gente precisa falar do que importa e acho que a arte tem um pouco esse papel também.
ESQUINAS O YONLU, POR EXEMPLO, TINHA MUITO EM COMUM COM VOCÊ, PRINCIPALMENTE PELA RELAÇÃO COM A MÚSICA. VOCÊ ACREDITA QUE ESCOLHEU O PAPEL OU FOI ESCOLHIDO PARA INTERPRETAR O PAPEL?
Nossa, acho que foi junção. Porque antes de fazer o filme, eu já conhecia a história e o trabalho musical dele e tinha gostado bastante e, na época em que ouvi, eu já estava produzindo minhas músicas e tudo mais. Mas, sabe quando você encontra e fala, cara, eu sei do que você está falando. Teve uma identificação imediata e quando teve o filme eu e o diretor começamos a conversar, a gente estava em contato há um ano e pouco antes das filmagens e eu não sabia se eu iria fazer ele, não tinha essa pretensão, até porque somos diferentes fisicamente, e eu imaginei que ele queria um ator muito semelhante. Aí ele falou que esse não era o principal, eram outras coisas, como a sensibilidade, a música, aí eu vi que realmente tínhamos bastante coisas em comum.
ESQUINAS ALÉM DE SE IDENTIFICAR COM O YONLU, É UM PAPEL EXTREMAMENTE DELICADO, VOCÊ ACHA QUE SEUS PREPAROS TÉCNICO E PSICOLÓGICO FORAM DIFERENTES EM RELAÇÃO A OUTROS PERSONAGENS?
Foi um pouco, foi com um grau de atenção maior. Quando eu estava indo para Porto Alegre rodar o filme, eu lembro que tinha essa preocupação, da equipe, da família, mas uma preocupação no bom sentido. “Olha, você está prestes a ir para lá para filmar um personagem que talvez seja o mais delicado de todos e que mexe com muitas questões”, diziam, e é uma história muito triste, muito triste. Não é um filme que tem momentos divertidos nem nada, não tem nenhum momento que é mais leve. Então, eu já fui preparado mentalmente.
ESQUINAS DEPOIS DESSE PAPEL, QUE RELAÇÃO VOCÊ VÊ COM AS ORGANIZAÇÕES E AÇÕES ESPECÍFICAS DO SETEMBRO AMARELO?
O filme estreou praticamente em setembro e ele fala sobre isso, estamos falando sobre suicídio. Apesar de se tratar da trajetória artística do Yonlu, é um filme que não separa uma coisa da outra e eu quero muito me envolver com isso, então eu tenho conversado com profissionais para entender esse lado e aprender como pessoa. Primeiro foi o Thalles artista que puxou essa demanda e agora é o Thalles pessoa física, que quer entender isso.
ESQUINAS YONLU FALA NO FILME: “ONDAS DE SOLUÇÃO NO MEIO DE UM MAR DE DESTRUIÇÃO”. A NOSSA SITUAÇÃO, TANTO NO MUNDO QUANTO NO BRASIL, ESTÁ MUITO PESADA. VOCÊ CONSEGUE ENXERGAR ESSE TIPO DE ONDA?
Acho que sim, vejo sim e, às vezes, quando tudo parece muito difícil, sempre tento ver esse lado. Está muito assustador o que estamos vivendo, eu fico bem apavorado com as possibilidades de um futuro bem breve. A gente está vivendo um momento difícil politicamente… O bom é que muita gente que não falava de política passou a falar e começou a buscar mais informações e tentar se inteirar, mas, ao mesmo tempo, tem muita bobagem, tem muita gente que não busca fonte, que vê uma manchete e sai compartilhando. Então, esse período está trazendo o pior do ser humano. Mas, sempre tem esperança, eu sempre tento ver esse lado.
ESQUINAS EM RECIFE, OS FÃS PEDIRAM E O FILME CHEGOU NO CINEMA. COMO TEM E DADO A REPERCUSSÃO DE YONLU?
Tinha uma coisa com a minha música já, eu recebo muitas mensagens de pessoas falando que se identificam e é engraçado porque chega para você de uma maneira e para outra pessoa pode chegar de outra forma. Tem gente que fala “meu, sua música me ajuda muito, me salva em alguns momentos”, mas também tem outras que dizem “nossa, eu fico bem mal escutando isso”. E é uma coisa que você não tem controle. Com o filme, acontece a mesma coisa, tem gente que fala que sai de lá super bem e pensando “poxa, é um filme sobre a vida” e outras pessoas que não se identificam tanto. A repercussão está muito legal, quando você estreia um filme no cinema, você não sabe quanto tempo ele vai ficar em cartaz, muita gente pergunta até quando fica, mas eu não sei, depende das pessoas. E as pessoas estão indo, está fazendo bilheteria, e vai ficando. E em Recife, um grupo de fãs se mobilizou e foi para o cinema, a ideia é chegar em cada vez mais cidades.
ESQUINAS COMO ATOR E MÚSICO, COMUNICADOR E INFLUENCIADOR POR NATUREZA, EXISTEM BENEFÍCIOS PARA SEREM LEVADOS À SOCIEDADE?
Ah, acho que isso é incrível, né? Como a arte chega nas pessoas, cada um é tocado de maneira completamente diferente. Mas eu não tento pensar muito nisso, porque acho que se você começar a pensar só nisso e inteiramente nisso, pode vir uma prepotência ou esquece o real objetivo e valor daquilo. Quando não soa natural, fica meio “por que você está fazendo isso?”. É para aproveitar o momento ou é uma questão de marketing, sabe? Fazer as pessoas refletirem e questionarem é muito legal, mas também tem o lado negativo da coisa: se você se pronuncia, metade pode concordar e outra vem apedrejar você sem respeitar sua opinião sobre aquilo. Tem o outro lado péssimo, eu acho, que é como a mídia gosta de focar na vida pessoal dos artistas, sabe? Tem gente que gosta e tudo bem. Se para você faz sentido, ou se você se sente à vontade, mas eu não gosto de falar muito sobre o lado pessoal, às vezes tentam entrar sobre assuntos de família e não faz muito sentido.
ESQUINAS NA SUA OPINIÃO, O QUE LEVA PEÇAS E FILMES A RETRATAR ASSUNTOS DELICADOS, COMO HOMOFOBIA E SUICÍDIO?
O papel da arte é questionar, é trazer assuntos que a gente vai jogando para baixo do tapete, que não queremos falar sobre, ou não nos sentimos à vontade, mas precisamos falar disso. Nesse caso, tem gente que está morrendo por ser o que é, por amar, e isso é terrível. É o que acontece em Yonlu, um menino de 16 anos se matou com a ajuda de outras pessoas, elas estavam incentivando, motivando aquele menino a se matar. Então, a arte vai encontrando meios de falar sobre um assunto que ninguém quer falar.