Novo documentário de Silvio Tendler mostra domínio dos agentes financeiros na política mundial, mas não extrapola a revolta momentânea
A política está na mão de gigantescas corporações financeiras transnacionais, como as 28 SIFIs (instituições financeiras sistematicamente importantes, na tradução para o português), que concentram 50 trilhões de dólares, sendo que a soma das dívidas externas de todos os países do mundo soma 49 trilhões de dólares. Se uma delas quebrar, é crise fatal na certa. São megaempresas como essas que concentram as decisões sobre as medidas políticas de todo o mundo, transformando a democracia não mais em um espaço de luta de interesses, mas em um lutador contra a ideologia do neoliberalismo. E são essas e outras as afirmações, poucas vezes com fontes devidamente citadas, que Silvio Tendler prega em seu último documentário, Dedo na Ferida. Seu discurso é criado por meio do suporte intelectual de uma dezena de professores, sindicalistas, profissionais da área econômica, até do cineasta Costa-Gavras, símbolo de resistência — tudo embalado por uma espécie da narrativa paralela da longa viagem de trem do podólogo Anderson, que sai todo dia de Japeri, periferia do Rio de Janeiro, para o seu trabalho em Copacabana.
É difícil, porém, encarar os 90 minutos desse filme, com aspecto de tese acadêmica animada, em que Tendler pragueja sobre os malefícios da globalização com uma amargura característica das febres do século passado. Quer dizer, de tão ultrapassada, tal postura parece se mostrar cada vez mais atual. Não que seja alguma novidade no cinema dele, caracterizado justamente pela vaidade nostálgica e da falta de embate. Quando se aproxima de fazer isso — vide Encontro com Milton Santos ou O Mundo Global Visto do Lado de Cá —, arquiteta uma batalha em que um, com a montagem, se atraca ao discurso do outro como instrumento.
Porém, criticar esse cinema-arma-da-revolução, de diretores de esquerda que saem em busca de personagens que corroborem suas teses, coloca o espectador automaticamente sentado à direita do capital mundial. É preciso lembrar que esse não é o espaço para dar prolongamento à experiência “tendlerciosa” de Dedo na Ferida, pois ela é autossustentável tal como um monstro que devora lentamente o próprio rabo.
Anderson, o cidadão que o filme acompanha como uma espécie de testemunha cabal dos malefícios do neoliberalismo, é encaixado naquilo que Tendler quer que o espectador ouça, para depois aplaudir sua investigação. O pior é que o cineasta, com tantos anos de carreira, nem se dá ao trabalho de estabelecer uma pedagogia própria. É aula expositiva em um sentido só. Sequer vislumbra um interesse em revelar algo além da sua verdade, como a verdade da filmagem e seus processos. À moda dos textões de Facebook que buscam curtidas e corações, a aprovação acadêmica, das premiações e dos festivais de cinema, é suficiente para comprovar um método conservador. Em seu fluxo de imagens, o diretor aproveita a falta de silêncio da TV para concatenar argumentos e a enxurrada de gráficos e animações para expor dados — enfim, das técnicas mais baratas de narrativa.
Se há alguma ferida que Tendler deixa aberta é a ferida do documentário brasileiro, que ele realmente nunca se preocupou em fechar e a que, hoje, com a exceção de alguns nomes, poucos parecem dispostos. Não à toa, nesta segunda década dos anos 2000, a ficção tem parido representantes bem melhores do nosso cinema.