Música como prioridade - Revista Esquinas

Música como prioridade

Por Dandara Bianca e Isabella Vieira : dezembro 21, 2018

Foto: Divulgação

Conheça Tony Aiex, o criador do Tenho mais discos que amigos!, um dos maiores sites de música do país

“Estamos em uma época na qual achamos que tudo que não nos interessa não é prioridade para outras pessoas”. Este pensamento representa muito do que é a personalidade de Tony Aiex, de 33 anos. Nascido em Cascavel, no Paraná, Aiex cresceu ouvindo e pesquisando sobre bandas de punk rock. Ao se ver infeliz cursando Ciências da Computação, o então estudante resolve iniciar um projeto paralelo, unindo a sua paixão pela música ao prazer de escrever.

Foi dessa forma que, em 2009, surge o blog Tenho mais discos que amigos!. Hoje, hospedado no portal R7, é um dos maiores sites de música do País. Aiex, que atua como editor-chefe, atribui o sucesso do blog a principalmente duas características: a abrangência do seu conteúdo, que fala desde o underground até o mainstream, e o comprometimento e integridade da informação, que é apurada de modo a criar uma relação de confiança com o leitor. Além do material presente online, o veículo também organiza eventos musicais em parceria com bandas da cena independente brasileira.

Mesmo com a rotina atarefada, devido a sua mudança para São Paulo, Tony Aiex respondeu por Skype algumas perguntas de ESQUINAS sobre seu trabalho e trajetória de vida. O fundador do Tenho Mais Discos Que Amigos! conversou sobre temas relevantes, como a romantização do jornalismo musical e a liberdade de imprensa em portais de entretenimento. Falou também da postura do jornalista musical e sua importância para a sociedade.

O site Tenho mais discos que amigos! foi fundado por Tony Aiex e é um dos maiores portais sobre música no Brasil
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ESQUINAS Como você decidiu que iria trabalhar com jornalismo musical?

Bom, a primeira notícia é que eu não sou jornalista [ revela entre risos]. Eu comecei na área como um hobby, sou formado em informática e era programador. Desde muito cedo, quando eu era moleque, eu comprava CDs – e agora, mais recentemente, por incrível que pareça, discos de vinil – e ficava lendo nos encartes os créditos: quem produziu, quem mixou, quem escreveu a música. Depois de um tempo, eu vi que me formei em algo que eu não gostava. Tinha feito a faculdade porque precisava fazer uma faculdade. Foi aí que decidi fazer algo que realmente me dava prazer e comecei a escrever sobre música, já que sempre gostei de escrever e de falar sobre o assunto, então uni as duas coisas.

ESQUINAS E como surgiu a ideia do Tenho Mais Discos Que Amigos?

Foi muito uma coisa de acaso, do timing ser bom, sabe? Aqui no Brasil não tinha muitos sites sobre música. Era muito específico, falando sobre punk ou sobre indie, por exemplo, ou era muito abrangente, como as áreas de música dos grandes portais como o Terra e o Uol.  Ou você falava sobre coisas grandes ou sobre coisas muito específicas. Portanto, eu fiz questão de fazer uma ponte, que é falar sobre o underground do mesmo jeito que a gente fala sobre os grandes, do mesmo jeito que a gente fala sobre tudo que tem no meio do caminho.

ESQUINAS Quando se deu o início do site?

Eu comecei em 2009. Até 2013 foi pura e completamente um hobby, pura e completamente, e de lá para cá eu vivo profissionalmente do site.

ESQUINAS Como foi a sua inserção nesse cenário, sabendo da existência da grande mídia, que também fala sobre música e bandas?

Foi muito doido, porque eu comecei literalmente do zero. Eu não conhecia ninguém, eu nem estou em um grande centro. Na verdade, eu tinha duas motivações principais. A primeira era pessoal, de fazer o que eu gostava, e a segunda era realmente o fato de ver tanta coisa boa sendo lançada lá fora e aqui dentro as pessoas falando que não tinha nada, não tinham bandas boas. Eu queria fazer essa ligação e falar: “Não, olha aqui, tem um monte de coisa boa saindo”.

ESQUINAS E como foi esse período onde o site era só um hobby?

Foi na cara e na coragem de fazer [risos]. Esse período de 2009 a 2013, que foi o principal período que eu me dediquei para fazer dar certo, eu dormia quatro horas por noite, porque eu fazia faculdade, trabalhava, e todo tempo que me sobrava eu investia no site.

ESQUINAS E o que você considera que foi mais importante para o sucesso do site?

Eu sempre prezei por ir atrás das fontes, revisar, principalmente hoje, com o crescimento no número de fake news. Podia ser o detalhe mais bobo, porém eu procurava sempre saber se estava certo. O site fez nove anos em junho e, desde o início, ele vem construindo esse respaldo, que é extremamente importante, pois na hora que a notícia for publicada, as pessoas vão confiar.

No portal Tenho Mais Discos Que Amigos! há uma pluralidade de gêneros musicais
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ESQUINAS Para você, ainda existe a percepção de que falar sobre entretenimento não é algo sério? E que por isso não é preciso muita checagem e apuração? 

Acredito que hoje vivemos em uma época que parece que qualquer ramo não precisa de nenhuma checagem de fatos. Mas, realmente, o entretenimento tem esse viés de parecer algo simples, de ser só fofoca. Mas é aí que você constrói o veículo da forma que você quer.

ESQUINAS Você enxerga uma romantização no jornalismo musical?

Existe e é muito perigosa, pois como eu falei antes, eu me formei em algo que eu não gostava. Quando eu tinha dezessete anos de idade, eu passava o dia inteiro na internet, e por isso fiz ciência da computação. Às vezes o estudante de jornalismo gosta muito de ir em shows, mas na hora que for trabalhar cobrindo e escrevendo, percebe que não é aquilo que gosta. O que eu digo sempre é que antes de você sair cobrindo show, trabalhando com isso, comece a escrever a respeito, vá a um show pagando mesmo o ingresso, faça uma resenha e veja se você realmente gosta. Eu acho maravilhoso, porém é muito cansativo, nem sempre é possível aproveitar os festivais, você se decepciona com alguns artistas, entre outras coisas.

ESQUINAS Qual o impacto do jornalismo na divulgação das bandas na mídia? Qual influência você acredita que exerce?

Eu acredito que já influenciou mais, mas aí é algo geral por conta da internet. Antigamente, por exemplo, a MTV Brasil era praticamente a única formadora de opinião sobre bandas no país. Revistas como a Bizz também eram muito importantes, uma resenha na Bizz poderia destruir ou construir a carreira de uma banda. Hoje em dia são vários veículos, várias opiniões e várias pessoas. Ainda sim impacta e faz diferença, a partir do momento que você começa a ajudar aquela banda surgem várias oportunidades. Não é apenas uma resenha que vai fazer a fama daquela banda, pois existem várias opiniões, mas a partir do momento que você fala do clipe, fala do disco, faz um stories, tem muita relevância.

ESQUINAS Você se considera livre para publicar tudo o que considera relevante no seu blog?

Sim. Não diria que é exceção, mas meu formato é um pouco diferente. Eu estou no R7, mas editorialmente eles não têm participação nenhuma. É uma parceria que não é de conteúdo, mas sim de hospedagem. Eu sou editor-chefe, publico 60% dos textos e 100% deles passam por mim. Sinto que tenho completa liberdade de escrever o que eu quiser e postar o que quiser no site e isso é fundamental, não só por conta da liberdade mas também porque eu entendo meu público, eu sei o que vão gostar e onde arriscar. Você tem várias possibilidades e formatos para mídia hoje, e no meu caso sim, tenho liberdade completa. Nunca tive um problema do tipo “apaga isso aí”, até porque não faria sentido, não tem alguém que chegaria para mim e falaria algo assim.

ESQUINAS Por ter essa liberdade, outros temas além de música podem ser abordados no site?

Há um ano e meio, a gente passou a falar sobre TV e cinema. Eu percebi que tinha um público muito afim, então comecei a falar sobre. Não tive que perguntar pra ninguém e, se desse super errado, só eu iria me cobrar e iria aguentar as consequências. Como eu comecei como um blog, um hobby, uma coisa pessoal, eu tenho essa liberdade hoje em dia, e não é a mesma liberdade que alguém dentro de um portal geral teria.

ESQUINAS Em relação às bandas, como funciona a filtragem para divulgação?

Eu recebo cerca de 10 e-mails de banda por dia. Se você parar para pensar, no mês dá mais de 300 e-mails. É muita coisa, é muito material. Eu leio tudo, filtro o que eu acho que cabe e faz sentido na minha base de público e publico de maneiras diferentes; tem banda que eu falo a respeito em conjunto com outras 4 ou 5 bandas, tem outras que eu faço entrevistas por Skype porque eu acho que tem um potencial maior, e assim vai.

De acordo com Tony Aiex, o jornalismo musical pode impactar na carreira de uma banda com a divulgação ou uma boa crítica
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ESQUINAS Vocês aceitam falar sobre bandas de todos os gêneros e cenas?

Não há limitação de banda por gênero musical e cena. A única coisa que a gente não fala muito sobre hoje é música eletrônica, já que esse gênero nunca reverberou entre nosso público. Já tentamos, a gente até tinha uma coluna, mas não deu certo.

ESQUINAS Falar sobre todos os gêneros musicais sempre foi uma característica do blog?

Nos dois primeiros anos do site eu ouvia muito punk rock. Cresci ouvindo punk rock, então a tendência natural era que eu escrevesse mais sobre bandas desse gênero. No começo do site, teve um cara que deixou um comentário assim: “nossa, eu nem gosto de punk rock e adoro o site de vocês”. Foi aí que me deu um estalo. Eu não quero ficar conhecido como um veículo disso ou daquilo e jamais quero falar só sobre as bandas que eu gosto. Acho que, nessa hora, ter a cabeça aberta e entender o gosto do público é fundamental.

ESQUINAS Qual a postura ideal que um jornalista musical deve ter?

Devemos ter a relação mais honesta possível com as bandas com que trabalhamos. Eu sou amigo de muita banda, assim, de estar no backstage e em cima do palco e uma coisa importantíssima é saber separar as coisas, tanto a gente quanto a pessoa. Se a pessoa não recebe bem, você também não consegue estabelecer um contato. Eu já cansei de sair com bandas amigas que eu nunca tinha postado no site, que eu postei ou que ficaram numa posição na nossa lista de melhores do ano que não era a melhor do mundo, mas os integrantes não vieram me xingar por causa disso. Então, saber separar bem as coisas, ser profissional, conversar com quem você vai abordar. Se

ESQUINAS Na sua opinião, qual é o papel do jornalista musical para a sociedade?

Essa é a pergunta de um milhão de dólares [risos]. No jornalismo esportivo, tem muita gente que fala: “os caras tão só falando de futebol o dia inteiro”. Com a gente também é parecido, as pessoas ficam “é só música, não precisa de tanta atenção”, mas acho que o entretenimento é fundamental. Acho que hoje em dia, principalmente no tempo em que a gente vive, as bandas e artistas e todo mundo que faz parte desse mundo, não apenas têm papel como formador de opinião, não apenas têm papel quando resolvem colocar o seu posicionamento político social. Acho que um hit, uma música pop, é uma forma de você escapar de tudo que você está passando a semana inteira, já que os dias não tão mais tão fáceis. Às vezes, por mais bobo que isso pareça, tem um impacto gigantesco na sociedade. Basta olhar em volta para ver que o entretenimento tá aí, a música tá aí, e que, além de tudo, movimentam mercados gigantescos e bilionários, né? Então esse discurso de que “ah, isso não é tão importante assim” é retórica.

Acho que o trabalho faz muito sentido, por exemplo, em situações como a do Lollapalooza. A gente tava com a camiseta do site e vinha gente falar “descobri um monte de banda por causa de vocês”. Pra mim, a pessoa descobrir um monte de banda é maravilhoso, ainda mais nessa fase dos 17 aos 20 anos. Ele provavelmente vai levar essas bandas pela vida inteira, vai passar por momento difícil e por momento bom ouvindo essa banda e terá a memória afetiva de que ele descobriu a banda com a gente, que foi um trabalho que a gente fez. Deu para perceber bem de perto que o impacto na sociedade é imenso e, quando dizem que não é, é porque a gente tá numa época em que tudo que não importa pra gente não é prioridade pra outras pessoas.

O fundador do Tenho Mais Discos Que Amigos!, Tony Aiex, começou na área do jornalismo como um hobby
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