Reconhecida por rimas raras e ácidas, artista acaba de lançar álbum com músicas sobre machismo, transfobia e resistência
No país que lidera o ranking do número de pessoas trans assassinadas – segundo monitoramento realizado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), o Brasil matou 163 no ano passado –, ser uma rapper trans é brigar por visibilidade em uma cena musical predominantemente ocupada por homens héteros. Ao mesmo tempo, a luta por respeito e segurança na esfera social continua. Mas, à luz de novas possibilidades criadas pela ascensão de artistas como Gloria Groove, Linn da Quebrada e Triz, fica mais fácil crer na mudança e ruptura desse cenário artístico.
Monna Brutal, rapper trans da periferia de Guarulhos, tem 21 anos e se envolveu com o hip hop desde muito cedo. Participou de inúmeras batalhas de rima e organizou, por dois anos, a Batalha de Jaçanã, experiência que lhe rendeu uma habilidade de desenvolver-se no freestyle, estilo caracterizado pela construção de letras improvisadas. O talento para construir rimas raras e incisivas em suas músicas dá destaque à sua produção artística.
Recentemente, lançou o primeiro álbum, intitulado 9/11, no qual discorre rimas em torno do machismo, transfobia, empoderamento e a periferia. A música que encerra o álbum, Bixa Papão (Putos Não Fodem), foi a selecionada para o primeiro videoclipe de Monna, lançado na última terça-feira (29). A data de estreia foi escolhida em alusão ao Dia da Visibilidade Trans, como o grito de protesto que inspirou o clipe.
“Putos Não Fodem foi o último som a ser feito no processo de criação e é inspirado em situações que eu e minhas irmãs vivemos para tentar sobreviver”, conta a rapper sobre o hit. “É ter que lidar com a prepotência e com a hipocrisia nas avenidas, nas redes, na vida. Veio numa tentativa de denúncia”. Com produção e direção de arte independentes, feitas pelo coletivo de audiovisual Quebramundo, do Grajaú, na zona sul de São Paulo, o clipe é resultado de um processo imersivo de dois dias inteiros de gravação, realizada no extremo sul da capital.
Bixa Papão, assim como as demais músicas do álbum, enfatiza a necessidade dos corpos dissidentes de resistir. Em referência à lenda griot do Bixo Papão, encena um revide distópico das travestis, que reivindicam respeito diante de todo o ódio depositado na comunidade LGBT. Cheio de artifícios, o clipe abusa das cores verde e roxo – em alusão ao veneno, ácido e mortal. Em contraste com as cenas noturnas das ruas paulistas, fazem referência ao cotidiano dos transexuais e travestis que trabalham na vida noturna. O figurino, feito majoritariamente de papel reciclado, e as luzes em meio à mata produzem uma amálgama de natural e sintético. O resultado é um clipe intencionalmente agressivo e explícito, deixando claro a que veio.
O coletivo Quebramundo surgiu em janeiro de 2016, a partir da necessidade de compartilhar com o mundo as movimentações culturais e os talentos oriundos das periferias. Atualmente formado por Higor Sahara, Gustavo Dias, Rodrigo Santos, Victor Rodrigues, Gabriela Ferreira, Neto Lopes e Saara Cerastes, o grupo já produziu clipes em parceira com outros sete artistas e planeja lançar mais cinco até o fim deste ano.