As políticas da 91ª cerimônia do Oscar que estranham cinéfilos, críticos e fãs
Acompanhando a tendência que chacoalhou as últimas edições da premiação, a 91ª cerimônia do Oscar, evento televisivo da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas que ocorre no próximo domingo, trouxe uma lista de indicados com forte teor político oposicionista ao governo do presidente norte-americano Donald Trump. Desta vez, parece que o feminismo que aqueceu as discussões em 2018 dará lugar à questão da representatividade negra e hispânica, bastante evidente entre os eleitos.
A começar por uma tríade encabeçada, do lado do cinema autoral, por Spike Lee com seu Infiltrado na Klan; Pantera Negra, de Ryan Coogler, estandarte dos blockbusters que não costumavam ter prestígio na premiação; e Green Book: O Guia, em que Peter Farrelly, diretor de comédias como Debi & Lóide, narra a história real do pianista negro Don Shirley (Mahershala Ali) e sua relação com Tony Vallelonga (Viggo Mortensen), que o conduz pelo sul dos Estados Unidos durante os anos de segregação.
No caso da indicação de Lee, na medida do possível, é uma tentativa de redenção da Academia, que sempre o deixou de fora das indicações como diretor em suas melhores produções, como Faça a Coisa Certa (1989) e Malcolm X (1992). Se a Academia quiser seguir seus padrões, e no final ela acaba seguindo, é o momento oportuno para laurear um dos mais importantes nomes do cinema negro que tem em Infiltrado na Klan talvez não seu melhor trabalho, mas uma energia de protesto bem oportuna.
Outra indicação apropriada nesse sentido foi a de Roma, do diretor mexicano Alfonso Cuarón – aliás, já fartamente laureado por outros trabalhos no Oscar –, que chamou a atenção por dois aspectos. Primeiro, por ser um produto distribuído pela gigante do streaming Netflix, abrindo um precedente para acabar com a polêmica de que os produtos da plataforma não seriam “suficientemente cinematográficos”. Nada que a afetação de uma fotografia em preto e branco límpida e alguns movimentos de câmera elegantes não consigam fazer na mente dos membros da Academia.
Em segundo lugar, a indicação de Yalitza Aparicio ao prêmio de melhor atriz gerou manifestações vexaminosas entre artistas mexicanos inconformados com a nomeação. De origem indígena oaxaqueña, a atriz iniciante foi alvo de críticas como a de “falta de atuação”. Apesar de, friamente, a avaliação crítica não ter adorado o trabalho da novata, seria um prêmio inédito, não apenas pela representatividade indígena e hispânica (até mais discriminada que a presença negra, e em pauta graças à “emergência” do muro de Trump), mas por desconstruir, momentaneamente, o estigma da “grande atuação” inventada pelo cinema norte-americano.
Se lembrassem que o diretor francês Robert Bresson – que faz uma aparição neste Oscar por intermédio de Paul Schrader com seu Fé Corrompiada, injustamente indicado apenas ao prêmio de melhor roteiro original – escolhia seus atores apenas pela voz deles ao telefone, ou que os filmes do italiano Roberto Rossellini a partir da década de 1960 eram protagonizados por sujeitos anônimos…
Mas, ao mesmo tempo, não é de se ignorar certo oportunismo, vide o investimento pesado que Hollywood tem feito no mercado hispânico, que vai do México e se estende pela América Latina.
Na concorrência, já celebridade de marca maior, a queridinha é a cantora Lady Gaga em Nasce uma Estrela, que contracenou com Bradley Cooper, também diretor do longa. Outra, é Olivia Colman, no papel da rainha de (veja só) A Favorita, e que tem colecionado os principais prêmios recentes da categoria. Por fim, a veterana Glenn Close recebe uma sétima chance de conquistar o principal prêmio do cinema apesar de ser a única indicação para seu filme, A Esposa.
Além dessas, as indicações de Bohemian Rhapsody, mais conhecido por aqui como “o filme do Freddie Mercury”, parecem ter recaído em um movimento politizado contra a homofobia. Os méritos do filme, no geral, foram bem questionados pela crítica – inclusive pela atuação de Rami Malek, que chega à caricatura do vocalista do Queen no seu limite.
Por fim, esse 91º Oscar marca mais uma virada por ser o primeiro sem um apresentador definido. Ainda não se sabe definitivamente o que vai acontecer, mas a delegação de certos prêmios “menores” (fotografia, montagem, curta-metragem e maquiagem) durante o espaço dos intervalos comerciais parece signo suficiente de alguma decadência comercial. Afinal, não nos deixemos iludir: como evento televisivo de alarde mundial, é o marketing e as celebridades – e não o cinema – que fazem a roda do homenzinho de ouro girar.