Exposição do carioca Ernesto Neto na Pinacoteca trata dos invisíveis da vida
Antes de chegar às galerias e ao octógono da Pinacoteca, o visitante passa por uma ponte. Do lado direito está uma estrutura translúcida que lembra um cogumelo invertido, com gotas caindo da sua capa maior e pousando antes de chegar ao chão do piso inferior; do esquerdo está uma versão solitária, mais gorda e engrandecida dos pingos – cheios de gengibre, açafrão, cravo e cominho – que caem da escultura vizinha. Só que as duas são uma. E se o movimento mecânico de andar logo para o centro do museu for interrompido e o visitante olhar para cima, perceberá uma liga (do mesmo material que as recobre) que deixa pendentes as duas esculturas: uma sustenta muitas e vice-versa. Uma ideia de compensação entre o plano individual e o coletivo, que será vista à frente em uma quase retrospectiva das obras de vida do artista. Então entramos em Sopro, de Ernesto Neto.
Nascido no Rio de Janeiro em 1964, Neto expõe 60 obras – compostas ao longo de 40 anos – ocupando sete salas do primeiro andar da Pinacoteca do Estado de São Paulo e outros espaços do museu. Os responsáveis pela curadoria são o diretor da Pina, Jochen Volz, e a curadora-chefe, Valéria Puccoli. Seu trabalho é lembrado pelo público pelos estímulos sensoriais múltiplos (odores, cores, sons, tato), proporções massivas e a imersão. As obras nascem a partir de materiais como meias de poliamida, esferas de isopor e especiarias, com uma visão única do que foi deixado pelo movimento neoconcretista.
Cura Bra Cura Té, que foi montada no Espaço Mário Covas (conhecido como Octógono), é um trabalho inédito, uma arquitetura monumental de crochê em formato de árvore, cujos frutos descendem do fim dos pilares do lugar. A copa da árvore, que fica apenas abaixo do teto de vidro da Pinacoteca, é trançada em tons de verde, amarelo, lilás e cereja; do seu centro pende uma flor vermelha preenchida com folhas secas. Por fim, um tronco de madeira apoiado no chão é entulhado com punhados de quatro materiais – açúcar, café, ouro e soja –, que serviram como base da exportação brasileira ao longo dos séculos, contribuindo também para uma manutenção do trabalho escravo. Não à toa o pilar de madeira, com cordas presas a ele, é uma alusão direta às colunas nas quais os escravos negros eram presos e açoitados. Como diz o próprio nome, a escultura comunica que a “missão” da gigante célula vegetal é realizar um processo de cura desse passado. Durante três sábados, Ernesto Neto volta à Pinacoteca para realizar esse ritual de cura que envolve a remoção de cada uma das quatro partes do pilar, até sua sublimação pelo próprio criador.
Sopro não é uma exibição passiva, ela precisa de um elemento humano para funcionar. Ernesto Neto não dita, porém, como esse elemento se encaixa nessa cadeia. Em Circleprototemple…!, bater no tambor que fica dentro da raflésia vermelha em tamanho humano é uma opção, como também é entrar na flor e ficar em silêncio junto às outras pessoas. A interação talvez seja o fim dessas obras, mas como ela é alcançada é uma resposta abdicada pelo artista. Nessa decisão reside certa generosidade dele em abrir suas obras para a possibilidade de falha – ou mesmo destruição. Nem sempre o visitante entra na exposição junto com o gongo que bate na frente das galerias e só sai dela quando passa pelos sinos da Borda (Telepassagem). Às vezes o transe proposto é impedido pela falta de desconexão com o mundo virtual. Afinal não se vê nada em um microssegundo.
A atriz Tilda Swinton fala da arte como “um poder para dissolver as coisas: tempo, distância, indiferença, injustiça, alienação, desespero”. Penso que Ernesto Neto concordaria com a atriz quando ele estabelece uma ligação entre o pajé e o artista, que “lida com o subjetivo, com o inexplicável, com aquilo que acontece entre o céu e a terra, com o invisível”, como apresenta Ernesto Neto no texto feito para o evento. Sua arte além do alcance pela conexão humana traz algo desse invisível. Em um dia de movimento normal no museu, crianças e mães brincam nas folhas do Cura Bra Cura Té, casais deitam e tocam Romaria no violão e tamborim que também compõem a escultura, estudantes descansam cercados pelo cheiro de camomila e lavanda. Isso tudo é visível, documentável. O invisível é o desejo de alcançar um sentimento que encerra proteção e amor, como o arquétipo da Grande Mãe, de Nise da Silveira.
Serviço
Visitação: 30 de março a 15 de julho de 2019
De quarta a segunda, das 10h às 17h30 – com permanência até as 18h
Ativações Cura Bra Cura Té – Octógono: 13/04, 04/05, 01/06 e 13/07, das 11h às 16h
Pinacoteca: Praça da Luz 2, São Paulo, SP – Galeria temporária, Octógono, pátio e outros espaços
Ingressos: R$ 10,00 (inteira); R$ 5,00 (meia)
Menores de 10 anos e maiores de 60 não pagam
Aos sábados, a entrada da Pina é gratuita para todos