Virada Cultural 2019 leva diferentes gêneros musicais e atrações para a cidade
A Virada Cultural 2019 levou cinco milhões de espectadores – dois milhões a mais do que ano passado – para as ruas da capital, segunda a Prefeitura de São Paulo. Mesmo debaixo de chuva forte, o evento teve 1.200 atrações gratuitas, 504 shows e 35 palcos – dentre eles 23 com interpretação em Libras. Na 15ª edição, o festival 24 horas mais queridinho dos paulistanos realizado no último fim de semana começou às 18h do sábado e se encerrou no mesmo horário de domingo.
A proximidade entre os palcos foi um dos pontos que deram certo segundo público, já que os intervalos entre os shows eram curtos. O Metrô funcionou durante todo o período da festa para facilitar o deslocamento entre as atrações. Os repórteres de ESQUINAS foram pelo Centro de São Paulo para realizar a cobertura do evento.
Repertório da blasfêmia
O show de Odair José e Luiz Thunderbird apresentou uma ópera rock pouco usual. Sob os canhões de luzes coloridas do Palco Disco, na Alameda Barão de Limeira, os dois revisitaram um dos maiores clássicos da discografia de Odair: O Filho de José e Maria. O álbum, como descreve José, é uma operazinha que conta a história de uma pessoa do início ao fim de sua vida.
Excomungado pela Igreja Católica, o disco foi um fiasco comercial, como conta ao público Odair. O cantor, entretanto, diz que esse banimento foi necessário para que sua obra ganhasse importância e liberdade. Ao terminar de apresentar as sinas do disco, o público entoou em uníssono “Fora Bolsonaro”. Os fãs, poucos em número, cantavam grande parte das músicas, relembrando a importância também política do álbum.
Quando perguntada sobre o tom político do show, Mara Lígia Kiefer, de 55 anos, gerente de projetos para pessoas com deficiência, conta que a história do disco parece uma brincadeira de criança perto do que estamos vivendo hoje. A aposentada Maria Terezinha Santos, de 65 anos, comenta que só não gostou mais porque ele não cantou as músicas mais populares. Ao lado de seu filho de 44 anos, Claudio Santos, eles contam que a música Eu vou Tirar Você Desse Lugar marca as memórias da família. A canção fora usada como flerte pelo pai do homem para conquistar Terezinha. (Gabriel Cruz Lima)
Tributo ao Maldito da MPB
O Palco Copan – Itamar 70 prestou homenagem a um dos principais nomes da Vanguarda Paulista, Itamar Assumpção. Conhecido como um dos malditos, junto a artistas como Tom Zé, Jards Macalé e Sergio Sampaio, era conhecido por experimentações e provocações em suas músicas – pouco compreendidas pela indústria de massa e fonográfica. Uma de suas principais obras, que gerou reconhecimento, foi o conceitual álbum Beleléu, Leléu e Eu, que gravou com sua banda Isca de Polícia em 1980.
Morto há seis anos e em seu aniversário de 70 anos, o palco teve participação de sua filha Anelis Assumpção, também cantora, que se apresentou ao lado de Alzira e Maria Gadú. O show com um pequeno público muito entusiasmado foi repleto de críticas sociais. A hashtag #MariellePresente foi projetado no telão do palco, e Maria Gadú vestiu uma camiseta com os escritos “Democracia. Demarcação já” e um cocar. (Angela Caritá)
A noite dos mortos-vivos de Itamar
As gárgulas do Centro de São Paulo presenciaram outras homenagens ao cantor maldito da MPB no palco do Copan. A banda mineira Porcas Borboletas convidou o cantor BNegão – ex-integrante do Planet Hemp – para uma releitura do segundo disco da carreira do vanguardista paulistano Às Próprias Custas S.A.
O show era pontuado pelas imagens de fundo de Itamar e canhões de luzes amarelas. As imagens privilegiavam a eloquência de Itamar e seu contato com a Terra da Garoa. Disputando com outras atrações da meia-noite paulistana, o show contava com escasso e pouco conectado público ao projeto que era encenado no palco. O estudante William Moussa, de 21 anos, conta que apesar da qualidade dos músicos, “faltava alguma coisa”. BNegão ao entrar no palco, deu voz ao descontentamento do estudante. O ex-integrante do Planet Hemp lia as letras da vanguarda paulistana. (Gabriel Cruz Lima)
Primeiras vezes
Mesmo com a chuva que ameaçou diversas vezes o público durante os shows, o Palco Sertanejo, na Luz, continuou cheio e animado. Pela primeira vez, após 15 anos de evento, a Virada Cultural 2019 teve um palco inteiramente dedicado à música sertaneja. Às 12h de domingo, acontecia o show da dupla sertaneja Marcos & Belutti. A apresentação teve início com a música Aquele 1% e, logo em seguida, Domingo de Manhã, hits dos dois cantores.
Para alguns, esta também foi a primeira Virada Cultural 2019. “Eu adorei a Virada e principalmente os shows do Marcos e Belutti e do Vitor Kley. Ambos cantaram os seus sucessos, inclusive músicas novas e de outros artistas”, diz o estudante de 19 anos, Ian Fernandes. Diferentemente de Fernandes, a estudante de 17 anos Beatriz Souza foi em outras edições do evento e ficou surpresa com a ideia do palco de sertanejo. “Com certeza, este evento está melhorando a cada ano que vou. A ideia do Palco Sertanejo foi incrível. Eu curti muito todos os shows que rolaram lá”, comentou Souza. (Laura Lopes)
Pop romântico debaixo de chuva
O nome do Palco Plural vem da ideia de trazer a maior parte dos gêneros musicais da Virada para um só lugar. A dupla Anavitória foi uma das atrações da tarde de domingo e reflete essa mudança do evento. O Vale do Anhangabaú estava lotado – de pluralidade, inclusive: uma garota segurava com a bandeira da comunidade LGBT, um pedido de casamento homoafetivo e pessoas de diferentes classes sociais, na sua maioria jovens.
As duas cantoras, apesar da leveza de suas vozes e músicas, provocaram na plateia fortes sensações. O que se ouvia era um coro de vozes emocionadas. Sorrisos, lágrimas, abraços, declarações.
O duo de pop romântico levou uma multidão para o Anhangabaú mesmo debaixo de forte chuva. Um mar de guarda-chuvas causou brigas por atrapalhar a visão do público. As cantoras tocaram Trevo, Fica, Agora Eu Quero Ir e Singular, entre outras canções. Um pouco de paz interior para uma das cidades mais caóticas do país. (Angela Caritá)
Intimismo na madrugada paulistana
A apresentação da banda goiana Boogarins, que aconteceu à 1h no Palco Rock da Avenida Rio Branco, foi carregada da introspecção que tem marcado o grupo desde o lançamento de Lá Vem a Morte em 2017. Diferente de artistas que desejam o holofote à disposição do protagonismo, o Boogarins fez o exercício oposto. Ao apostar em uma iluminação arroxeada e distante dos integrantes, o ar da apresentação colaborou com o setlist montado.
Seguindo a temática do novo trabalho à risca, a banda focou nas músicas, com pouca interação com o público e poucas jams. A nova atitude do Boogarins no palco reflete a atual fase do conjunto, caracterizada por menos elementos experimentais e leves toques da psicodelia apresentada pelo grupo ao longo da carreira.
Apesar de privilegiar o novo trabalho, a banda também apresentou músicas dos outros discos da carreira. Hits como Foi Mal e Doce, de Lá Vem a Morte e As Plantas que Curam, respectivamente, foram cantadas em coro pelo público da Virada. Para o agrado dos fãs, músicas como Erre, do primeiro disco do quarteto, também compuseram o setlist do show. (Gabriel Cruz Lima e Isabella Vieira)