De fora da restrição imposta pelas quarentenas estaduais e municipais, serviços de portaria enfrentam acúmulo de serviço e reações que vão da irritação à gratidão
Sérgio Fernandes, 55 anos, é síndico profissional — cuida do dia a dia de seis condomínios na cidade de São Paulo. Em todos eles, a quarentena teve como efeito colateral o aumento do estresse dos moradores. “Como eles já estão em casa e entediados, reclamam de muita coisa, até do barulho da máquina que molha as plantas”, exemplifica. “Perguntam se não dá para fazer aquilo em outro momento.” A receita, diz ele, é manter a calma diante das queixas. ”Tem que ter paciência, não discutir. Corrigir o que tiver que ser corrigido sem ter de dar muitas justificativas”, afirma. Às vezes a irritação transborda e respinga na equipe de funcionários. Mais visíveis, os porteiros são o alvo preferencial.
José Elias de Souza, 54 anos, é porteiro do condomínio Vera Lúcia, no bairro Cerqueira César, na capital. Ele diz que já está acostumado com as mudanças no estado de espírito dos condôminos. O porteiro entende que neste momento em que ninguém quer contato físico o ideal é levar um dia de cada vez. Na linha de frente de um prédio com 48 apartamentos, ele usa o bom humor como escudo. “Só tenho reclamações do Corinthians”, brinca. “Desesperar, não dá. Comigo não tem tempo ruim”.
Desde o início da pandemia, sua rotina mudou. Máscaras e luvas passaram a ser itens obrigatórios dos porteiros e a limpeza das dependências aumentaram. “Eu limpo tudo de três a quatro vezes por dia: escada, corrimão etc. Antes, era uma vez, no máximo duas”, lembra. O elevador, apesar de limpo, é pouco utilizado. Na porta, há uma orientação para se evitar a utilização por duas pessoas ao mesmo tempo — exceto quando morarem juntas.
O pico de trabalho é o horário do almoço. Nessa hora, Elias não consegue parar na guarita. “Ninguém mais desce para pegar nada. Eu aviso pelo interfone e coloco no elevador. Às vezes estou entregando e já tem outro motoboy na porta esperando”, diz.
Para Sérgio Fernandes, o procedimento de delivery é o que mais tem demandado dos porteiros. É necessário evitar o contato com pessoas, higienizar todas as caixas e sacolas recebidas e, quando o morador não está em casa, o porteiro deve guardar a encomenda dentro da guarita. “Alguns condomínios recebem cerca de 30 encomendas por dia dos mais variados tipos. Há momentos em que não há espaço para o porteiro em meio a tantas entregas”, afirma.
A dois quilômetros do condomínio Vera Lúcia fica o edifício Teodoro Sampaio. em Pinheiros. Lá, no período da noite, quem cuida da portaria é Luiz Ricardo de Paulo Miguel, 26 anos. Morador do Campo Limpo, na zona Sul paulistana, ele pega dois ônibus para percorrer os 17 km que separam o trabalho de sua casa. No transporte público, Luiz Ricardo vê muita gente de máscara, mas diz que em seu bairro não há muita gente em quarentena. “A maior parte das pessoas tem de sair para trabalhar”, afirma.
Seu condomínio é colaborativo. Desde o início da pandemia, os moradores fizeram uma lista de voluntários para ir ao mercado ou farmácia. A ideia é auxiliar os idosos, que precisam ficar em casa. A solidariedade, porém, não é sinônimo de paz. O porteiro também nota um aumento no estresse dos moradores. “Algumas pessoas reclamam até do barulho quando a gente tira o lixo nos cestos de cada andar. Dizem que estão tentando trabalhar e não conseguem”, relata.
Mesmo com as reclamações, Luiz Ricardo diz que seu trabalho tem sido mais valorizado. O comportamento não é regra em outros prédios. Para Sérgio Fernandes, quem já reconhecia a atuação dos porteiros vai aumentar a admiração. Por outro lado, para quem nunca reconheceu, a avaliação pode até piorar durante o isolamento. “Não vai ser agora que os porteiros vão deixar de ouvir coisas como ‘só faz isso e faz mal feito’. Infelizmente, não vai ser agora que as pessoas vão deixar de olhar para o umbigo delas”, conclui.