“Queremos destacar a posição dos especialistas da saúde e protestar contra a postura do governo diante da pandemia”, relata criador da iniciativa Projetemos
A ausência de um espaço onde há interações, encontros e manifestações políticas, fez com que os ambientes coletivos ficassem vazios. “Podemos dizer que o espaço público é a primeira vítima fatal do confinamento”, comenta Giselle Beiguelman, professora de história da arte da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Diante desse cenário, o video mapping (projeções visuais em superfícies irregulares) se tornou uma prática mais comum, e iniciativas online como o projeto Projetemos acabaram viralizando nas redes sociais. A ideia é ser feito com projetores domésticos, usando equipamentos que estiverem à mão. Não são necessários aparelhos super caros ou computadores de última geração.
“Percebemos um aumento no número de projeções”, diz Giselle. “Na medida em que as pessoas não podem estar nas ruas, elas criam nas janelas um lugar para se reencontrarem.” A professora ainda comenta sobre o poema As Janelas, de Charles Baudelaire. “Para ele, deste pequeno buraco vivemos, sonhamos e sofremos a vida. Acho que estamos atualizando isso no atual contexto”, completa.
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Neste cenário, o produtor audiovisual VJ Spencer e a cientista política Bruna Rosa criaram o movimento Projetemos no Instagram. Dentro de uma comunidade virtual mais de 200 VJs — vídeo jokers — e artistas espalhados pelo Brasil estão trocando imagens, materiais e ideias que são projetadas pelas janelas de diversas cidades no país.
“Queremos destacar a posição dos especialistas da saúde e protestar contra a postura do governo diante da pandemia”, conta o produtor. Devido à crise do novo coronavírus, os assuntos projetados que tomam a paisagem urbana vão desde entretenimento até informações sobre saúde. O uso massivo dessa arte urbana como manifestação política é consequência do distanciamento social.
“Esse movimento de projeções também aconteceu em 2013 no Largo da Batata, em São Paulo”, relembra Giselle. Há 7 anos, diversos paulistas se reuniram em protestos opondo-se ao aumento no preço das passagens de ônibus, de R$ 3 para R$ 3,20.
Contudo, a Lei Cidade Limpa, que existe desde 2007, além de outras atribuições, proíbe projeções sem autorização, incluindo manifestações políticas, sob pena de multa. Para um período de exceção, a prefeitura junto da Comissão de Proteção à Paisagem Urbana criaram a Resolução SMDU.AOC.CPPU/001/2020, autorizando a divulgação de qualquer tipo de comunicação visual que dê informações sobre o COVID-19. A Resolução vigorará durante a situação de emergência em São Paulo.
Em cidades de outros estados, onde não há impedimento legal para essa atividade, as projeções também se difundiram. Em Salvador, na Bahia, as cineastas Jamile Coelho e Cíntia Maria, juntas do gestor cultural Chicco Assis, criaram o Cine Janela e todos os dias, às 19h, projetam filmes de gêneros variados. O músico e DJ, Yuri Fortuny, faz algo parecido em Niterói, Rio de Janeiro, dando continuação ao projeto Cinemok que teve início em 2012.
Os vídeos e imagens desses projetos podem não ser atos políticos em si, mas a professora Giselle Beiguelman ressalta. “Toda arte pública está pelo caminho, não é a pessoa quem está procurando. Faz parte dessas manifestações ocuparem os espaços públicos e surpreenderem as pessoas, dessa forma conseguem mobilizar quem passa por ali”, comenta.