Protestos contra os aplicativos surgem para revindicar mais repasse do lucro, mas tem pouca aderência
Pedro* é motoboy de aplicativos delivery e está presente em atos contra os aplicativos em que trabalha. Segundo ele, um dos principais motivos para protestar é a queda na remuneração. “As manifestações ocorrem, principalmente, para haver valores condizentes com a realidade do dia a dia dos motoboys, agravada agora pela pandemia”, diz.
Rodéric Tobler de Morais também é motoboy e justifica sua participação nos protestos concordando com as críticas de Pedro. “Faço parte do movimento por causa dos frequentes bloqueios indevidos e de um suporte indecente. Não merecemos ficar duas horas em um trabalho para ganhar 10 ou 8 reais”.
Segundo estimativas dos motoboys, houve um aumento de 10% a 15% no delivery, mas o número de cadastrados liberados pelo aplicativo também cresceu cerca de 30%. Por conta disso, o lucro dos trabalhadores diminui.
“Se a cinco anos atrás eu trabalhava oito horas para ganhar um valor, hoje preciso trabalhar 4/5 horas a mais para conseguir o mesmo valor, nunca houve um reajuste só uma baixa nos valores”, relata Rodéric. “Esse é o modo operante deles desde sempre. Eles estão se aproveitando da pandemia que deixou multidão de trabalhadores a disposição deles. Minha renda caiu pela metade”, completa.
De acordo com Pedro, as empresas usam da sua tecnologia para induzir os trabalhadores a não comparecerem nos atos. “… o aplicativo bloqueia vários motoboys através da geolocalização. Ele consegue saber quem está lá. Então o entregador diz que foi bloqueado [pelo aplicativo] e todos ficam com medo. Cada vez menos as manifestações têm aderência. Quando a empresa se sente ameaçada, o que é difícil, ela faz promessas e um acordo com os trabalhadores. Cada vez menos as paralisações atingem os aplicativos”, diz.
Medidas de prevenção
Após a pandemia, o risco à saúde dos motoboys aumentou. Pedro denuncia que o álcool gel e as máscaras não foram oferecidos por nenhum aplicativo até o dia 21 de março. Nesta data, o Ministério Público do Trabalho emitiu uma nota a respeito das obrigações sanitárias que os aplicativos têm com os trabalhadores. O documento afirma que é responsabilidade da empresa fornecer equipamentos de proteção individual (EPIs) para os colaboradores.
Mas, de acordo com uma estimativa de Pedro e outros motoboys, a quantidade de equipamentos distribuídos foi insuficiente, e não atendeu 5% da frota dos aplicativos. Ainda de acordo com os trabalhadores, não houve esforço ou planejamento dos aplicativos para distribuir esses materiais.
Questão jurídica
Sobre as reclamações, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho afirmou, em nota, que as está recebendo normalmente. Contudo, a advogada trabalhista, Michelle Dante Mosconi, diz que as medidas não são os suficientes. “Há pouca divulgação dos meios de denúncia em casos de fraude, além do enfraquecimento da fiscalização com a extinção do ministério do Trabalho.” Desde janeiro de 2019, a pasta é uma secretaria do ministério da Economia.
Em relação a postura dos aplicativos, Rodéric critica as empresas dizendo que somente “a martelada da lei” pode resolver o problema. Ampliando o cenário, Pedro fortalece as críticas. “[Os aplicativos] desprezam as paralisações porque não são afetados. São poucos os trabalhadores que aderem ao movimento, tem 200 motoboys parados nas manifestações e 2 milhões fazendo entregas … Elas precisam de regras”.
No entanto, há uma confusão no setor jurídico uma vez que os motoboys não querem aderir a CLT. Eles esperam que os aplicativos não se identifiquem como empresas de tecnologia, mas como transporte express ou delivery. Assim, elas estariam dentro de alcances legais já previstos, tirando a necessidade de emitir novas regras trabalhistas.
A nota do órgão, também destaca que os motoboys autônomos têm direito a registro na Carteira de Trabalho, férias, 13º salário, FGTS e um adicional salarial estabelecido na Lei 12.997/2014, que classifica atividades de trabalhador em motocicleta como perigosas. Finalizando, disse também que a Inspeção do Trabalho promove ações de auditoria para constatar se há fraude trabalhista.
Sobre as empresas
Em março, o Ifood publicou em um de seus sites institucionais que disponibilizou um fundo solidário no valor de R$1 milhão para auxiliar os entregadores que necessitam permanecer em casa, e enviou materiais educacionais ao entregadores. Dois meses depois, o aplicativo divulgou que também está distribuindo kits de proteção, com máscaras e álcool em gel.
Enquanto isso, o portal online da Uber diz que a empresa oferece reembolso de compras de EPIs e produtos de limpeza, além de uma assistência financeira de 14 dias para os parceiros com covid-19. O site da Rappi não possui informações nesse sentido. Os três aplicativos introduziram a opção “entrega sem contato” para proteger clientes e entregadores.
No dia 4 abril, o Ministério Público do Trabalho de São Paulo, estabeleceu que o iFood e Rappi devem garantir assistência financeira a trabalhadores contaminados ou do grupo de alto risco.
Os aplicativos Ifood, Uber Eats e a Rappi não responderam até a data de publicação desta reportagem
*Pedro é um nome fictício, o entregador não quis se identificar com medo de ser bloqueado pelo aplicativo