Fora dos trilhos: como está a situação dos artistas que trabalham nos trens e metrôs de SP - Revista Esquinas

Fora dos trilhos: como está a situação dos artistas que trabalham nos trens e metrôs de SP

Por Matheus Silva : maio 2, 2020

Conteúdo publicitário e vaquinha online são algumas das alternativas de renda encontradas pelo coletivo “Wu Trem Clan – Rimadores do Vagão”, que já perdeu um de seus integrantes em decorrência da covid-19 

Viajando pelos trilhos de São Paulo, seja no metrô ou no trem, é quase impossível não se deparar com uma batida de rap com um ou dois artistas fazendo rimas improvisadas – geralmente, sobre problemas sociais ou sobre os passageiros. Essas pessoas fizeram da arte uma forma de trabalho e sustento para a família. Mas como está essa situação atualmente? 

No momento presente, com o intuito de controlar a propagação do novo coronavírus, é evidente que metrôs e trens – que geralmente contam com enorme concentração de pessoas – devem ser evitados pela população. Entretanto, essa medida preventiva afeta a vida de quem trabalha nos vagões, desde comerciantes até artistas. 

Kagibre, de 25 anos, é um dos integrantes do coletivo de artistas “Wu Trem Clan – Rimadores do Vagão” e trocou o emprego numa seguradora e a faculdade de engenharia pela arte. “Eu já era apresentador da ‘Batalha da Sexta Free’, e sempre fui envolvido com o rap e o hip hop, desde cedo. Não curtia muito a faculdade. Quando saí do emprego, decidi viver do que eu amo”, conta o rapper. 

Segundo Kagibre, em 5 anos, o número de pessoas que se apresentam nas linhas aumentou consideravelmente, de 10 para cerca de 60 pessoas atualmente. Quando a arte começou a se popularizar, as linhas ficaram superutilizadas e os integrantes do coletivo estavam tentando se reinventar antes da quarentena. “Então a pandemia chegou, mas alguns MCs não possuíam contenção familiar, o que ‘quebrou a perna de geral’ do coletivo”, explica. 

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A questão do déficit monetário não foi a única que abalou o grupo, que perdeu um de seus integrantes. O artista conta que a solução encontrada pelo grupo para resolver o déficit monetário causado pela epidemia foi utilizar a internet. “Minha ideia foi postar vídeos e fazer lives com diversos artistas. Fizemos com Fábio Brazza, Gregório Duvivier, Drika Barbosa e outros”. Além disso, o coletivo está oferecendo vídeos de campanha publicitária para diversas empresas.  

Kagibre ainda questiona a falta de apoio financeiro no Brasil “Em Nova York, Londres e até mesmo no Chile, o Estado paga para os artistas de rua fazerem seu trabalho, pois entende que eles são um ‘tapa-buraco’ do furo que o próprio Estado deixou na economia”. 

Continuando a analisar o cenário político, contestou as recentes declarações do presidente Jair Bolsonaro em defesa do isolamento vertical (isolar apenas as pessoas que pertencem ao grupo de risco). “Ele está sendo genocida. Sabemos disso desde declarações como as de exaltação a Ustra e Hitler. Eu não posso exaltar alguém que matou por diferença racial ou econômica. Não existe morte benéfica. Não podemos ter um chefe de estado influenciando pessoas à morte. Perdemos um irmão – o Billy Joe não está mais aqui entre nós. Vou falar o que de alguém que sorri para a morte de mais um dos nossos?”, desabafou. 

A covid-19 trouxe consequências fatais para um dos integrantes do coletivo. O rapper Billy Joe, de 33 anos, faleceu no fim de março. Ele apresentava problemas respiratórios e não tinha outra forma de sustento, fator fundamental para que continuasse trabalhando nos vagões. Após esse acontecimento, os integrantes do coletivo decidiram criar uma vaquinha online para arrecadar dinheiro e auxiliar os artistas que não têm outra forma de mantimento. A intenção é continuar com o projeto mesmo após a pandemia. Se quiser colaborar com a causa, clique aqui.

Por fim, o artista aconselhou a população sobre como lidar com a quarentena. “Acho que é a primeira vez na humanidade que estamos vivendo isso, é um momento histórico. A covid-19 está movimentando as placas tectônicas para o artista. O conselho é: se proteja, fortifique-se e planeje-se. Enxerguem algo que nasça desse caos. Normalmente depois de um caos muito grande, nasce uma coisa muito boa. Acredito que será uma nova geração de pensadores que vai pensar mais no próximo”, concluiu Kagibre.