"É viver da arte ou viver da arte": rimadores narram como é trabalhar no metrô - Revista Esquinas

“É viver da arte ou viver da arte”: rimadores narram como é trabalhar no metrô

Por Maria Luiza Lima Andrade e Natália Tavares Leite Vieira : novembro 12, 2021

Rimador realizando performance no vagão do metrô.

Artistas do grupo Vagão Cultural falam sobre os desafios da profissão e a expansão da cultura Hip Hop nos transportes públicos da capital paulista

A relação com o metrô

O grupo Vagão Cultural nasceu com o objetivo de levar a cultura hip hop para as pessoas através dos transportes públicos. Atualmente, o coletivo conta com nove integrantes e está concentrado nas linhas de metrô da Grande São Paulo.

A escolha para rimar nos vagões é estratégica. “O metrô é o lugar que a gente vai ter o maior número de pessoas para demonstrar a arte, alcançar pessoas, ainda mais nessa era digital que a gente está vivendo, tudo o que a gente vê a gente quer postar nas redes sociais, então, é mais fácil de expandir a arte e a cultura”, afirma Henrique Manuel de Oliveira, de 23 anos, um dos integrantes do grupo.

Sua paixão começou na época de escola com as apresentações de teatro e foi crescendo com sua entrada no ramo da música. Mas foi só em 2018, quando um amigo o chamou para passar o final de semana com ele, que Henrique conheceu as batalhas de rima e se envolveu definitivamente com esse universo.

O amor pela cultura é a locomotiva dos integrantes do coletivo, porém, para Henrique, o Hip Hop foi uma luz no fim do túnel: “Não tem um plano B na minha vida. Ou é viver da arte ou viver da arte, não tem outra alternativa pra mim, não penso em fazer outra coisa”.

João Marcos, de 23 anos, conhecido como MC Escobar, diz que é apaixonado pela música desde o dia em que ouviu sua mãe cantar acompanhada de um velho rádio na casa de sua avó em Minas Gerais. Para estreitar sua paixão com o ramo musical, ele decidiu deixar para trás seu estado e ir para a Grande São Paulo. “Apenas com 50 reais no bolso e um sonho no coração”, lembra.

Já Jonathan Juan, 18 anos, ou Joow, não teve que ir tão longe para buscar suas referências. Seu amigo de infância, MC MK, que mora na mesma rua que ele, foi quem lhe apresentou o Vagão Cultural. “A gente tem uma conexão desde ‘pivetes’. Os outros, alguns eu fui conhecendo nos vagões mesmo, pela linha, pelo trecho, e outros em batalhas”, conta.

Criatividade sob os trilhos

Sobre a improvisação das rimas no metrô, Jonathan revela que é comum que dê um branco na hora: “Você está com a rima no gatilho, pronta para mandar, aí você vai lá e esquece. Isso é uma coisa muito normal de acontecer, mas com trabalho fica menos frequente”.

Para Maria Fernanda Oliveira Barbosa, 20 anos, que já teve a oportunidade de presenciar uma apresentação durante o trajeto na Linha Vermelha sentido Itaquera, foi exatamente a capacidade de improvisação dos rimadores que a deixou mais surpresa. “Eu achei bem divertido e não pude deixar de pensar em como eles conseguem formular as rimas tão rápido só de olhar para a pessoa ali parada no metrô”, ressalta a estudante de nutrição.

João Marcos ainda explica que as rimas são criadas a partir de algo no passageiro que chame a atenção do MC e desperte um gatilho criativo: “No transporte público você não está rimando para um público que gosta de rap, você está rimando pra muita gente que às vezes não gostam do seu estilo de música. O que vai fazer eles gostarem do seu trabalho é a sua personalidade, a sua forma de interação, o seu estilo de abordagem”.

Pelo fato de centenas de pessoas, com pensamentos e sentimentos diferentes, circularem no metrô todos os dias, existem pontos de vista conflitantes em relação à arte realizada em transportes públicos. “Existem pessoas que julgam indispensável o nosso trabalho para o bem-estar social. Em contrapartida, existem pessoas que nos taxam como vagabundos e marginais devido ao preconceito que a sociedade tem com nosso estilo musical e forma de vestir”, pontua João Marcos. Ao que Henrique complementa: “A arte não é tão bem-vista no Brasil. Nosso país é um país de grandes culturas e elas são deixadas de lado”.

Maria Fernanda tem consciência de que São Paulo é um misto de estilos de vida e realidades, por isso, afirma que custa nada dar um minuto de atenção para os rimadores e, se possível, dar visibilidade ou contribuir de alguma forma. “É arte. Merece ser valorizada. E, a meu ver, deixou a viagem muito mais animada”, comenta.

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A comunidade do metrô

Apesar das divergências, os rimadores afirmam que há uma união muito forte entre os artistas. João Marcos foi impactado pela cooperação da comunidade desde o começo de sua trajetória: “Eu me sentia perdido na maior parte do tempo, mas essa cultura que faço parte, o Rap, o freestyle e a quebrada me ajudaram a me enturmar facilmente entre a galera que era meu principal foco. Hoje em dia, todo mundo me ajuda nos videoclipes como pode, seja com a presença, seja com uma água gelada para o elenco”.

“Todo mundo está pela cultura e pela sobrevivência”, afirma Jonathan.

A luta pela sobrevivência é dificultada pelo fato de a rima no metrô não ser uma atividade regularizada pelo Governo do Estado, o que causa certa insegurança financeira aos artistas. “Se eu pudesse mudar algo, eu regularizaria o nosso trabalho. Tanto que a gente não tem ódio do guarda, porque o guarda é guarda, a gente só não gosta que ele não deixe a gente trabalhar, porque tem gente que vive disso aí”, pontua João Marcos.

Henrique é uma dessas pessoas que vivem da arte: “Viver é você fazer tudo sem problema, eu falo que eu sobrevivo da arte. Com meu trabalho eu consigo pagar minhas contas, colocar comida em casa etc., mas eu me preocupo com o dia de amanhã”.

Para ter uma renda ao final do mês, a rotina acaba sendo intensa e puxada. “Eu acordo todos os dias às 7h da manhã, levanto, escovo os dentes, faço um café fresco bem forte, deixo passar alguma série e saio para o meu ‘trampo’. Almoço na rua, volto para o metrô, trabalho mais um pouco e, quando eu não vou direto para casa do metrô, eu vou para uma batalha de rima. É uma rotina cansativa, tem dias que eu chego 23h/00h em casa”, detalha Henrique.

Porém mesmo com todas as dificuldades, eles não pensam em desistir da arte. “Como a gente vem da comunidade, da favela, onde muita gente não tem nem o direito de sonhar, a gente faz os ‘menor’ sonhar através da gente. Por isso, que a gente não pode se dar ao luxo de desistir, não é só por nós”, pondera João Marcos.

As batalhas

A década de 70 marcou as ruas do Bronx, bairro periférico do estado de Nova York, nos Estados Unidos, pela explosão de um novo estilo musical, o Rap. Quase que instantaneamente, nasciam as batalhas de rima, gênero em que os MCs colocam à prova suas rimas.

As “Batalhas de Rap”, ou “Batalhas de Rima”, assim como o rap, se popularizaram no Brasil por volta dos anos 90. Atualmente, servem como um meio muito importante para a expansão da técnica dos MCs. Nas competições caracterizadas por letras improvisadas e inteligentes existem três modalidades:

Batalha de sangue, na qual o objetivo é desmoralizar o discurso do adversário para conseguir o voto popular através da argumentação.

Batalha de conhecimento, que tem como intuito colocar os MCs para discutirem temas do ponto de vista social, sem um ataque direto ao outro MC, apenas com um posicionamento sobre determinado tema.

Batalhas de personagens, nas quais o MC deve rimar como se fosse um personagem da cultura pop que é sorteado logo no início.

 

Editado por Nathalia Jesus

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