O Departamento Geral De Ações Socioeducativas de Volta Redonda, no Rio de Janeiro, tem adotado novas medidas visando manter o funcionamento da instituição mesmo durante a pandemia
“A escola é um ponto de equilíbrio. Tem o braço do Estado, que é mais duro, para fazer valer a lei, mas tem o outro braço, que está ali para abraçar e dizer ‘vai melhorar, você vai sair dessa, vai estudar, vai ter uma oportunidade quando você sair daqui'”, conta emocionado o professsor de biologia Paulo Amoretty, do Departamento Geral De Ações Socioeducativas (Degase) de Volta Redonda, no Rio de Janeiro. Essa é a realidade dentro de uma das unidades de internação de jovens infratores do país, que segue exercendo um papel de balança entre o Estado bruto e o Estado acolhedor. Segundo o levantamento anual do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), em 2016, havia 477 unidades no país, contabilizando mais de 26 mil jovens.
A unidade do Degase Volta Redonda foi construída com o ideal de se tornar um modelo para todas as outras unidades do estado e teria capacidade máxima de 90 meninos. No entanto, essa ideia se provou utópica. “Já chegamos a ter 210 menores. Tivemos casos de não poder dar aula por falta de agentes para conduzir os alunos para a sala”, relata Rosângela Nunes de Oliveira, também professora da escola pertencente ao departamento que atende os jovens da unidade de internação.
Apesar da situação de superlotação estar normalizada atualmente, as aulas obrigatórias durante o cumprimento da medida são um pilar estratégico. No entanto, essa é só a ponta do iceberg, já que o regime se mostra incapaz de alcançar a raiz do problema. “A educação é um fator de transformação, mas a barriga dói primeiro. A fome fala muito mais alto dentro das classes menos favorecidas, em comunidades onde o cara comeu mal a vida inteira. A grande maioria dos jovens entra por pequenos furtos ou por tráfico, que é um dinheiro fácil. Nisso, os responsáveis também não querem saber de onde vem esse dinheiro – já que matou a fome”, explica Rosângela.
Ainda que a administração esteja fazendo um trabalho válido, o universo da socioeducação é muito distinto. São meninos invisibilizados, com histórias pouco narradas. Encantam-se pela promessa do ‘dinheiro fácil’ do tráfico e do roubo. Segundo o SINASE, em 2015, 46% dos atos infracionais cometidos foram classificados como análogos ao roubo e 24% análogos ao tráfico de drogas.
Mesmo com esforços organizacionais, é nítida a disparidade entre o ensino público e o ensino privado. Essa diferença fica mais visível ao olhar para a realidade do Degase, com a grande maioria dos alunos semianalfabetos ou analfabetos funcionais – e não são raros os casos de não haver turmas de ensino médio por falta de alunos. Um grande problema é a falta de políticas públicas e de assistência por parte das esferas estatais para retirá-los da grave situação de risco e de ameaça à própria vida.
“Há um descaso por conta do nosso governo, que não vê quem realmente possui necessidades. Esses meninos vêm de uma situação de risco: eles se ajudam por conta da ausência da família e acabam reproduzindo o cenário de violência que sofreram a vida inteira. Para o Estado, é mais fácil juntar esse pessoal que “incomoda”, colocar num depósito, como é o Degase, com roupa e comida e deixar eles quietos lá. Quando dá problema, resolve-se na porrada, é o que acontece”, desabafa Rosângela.
Superando todas as expectativas, a escola foi eficiente ao lidar com a pandemia de covid-19 e com as adaptações advindas dessa. Todas as aulas presenciais dentro da internação foram suspensas e as rotinas, alteradas. Às segundas, os alunos têm provas; às terças, quartas e quintas-feiras, atividades dentro da escola, com a continuidade dos projetos e videoaulas; por fim, às sextas-feiras, ocorrem reuniões com os professores via Google Meet. As aulas não têm previsão de retorno, somente a coordenação e diretoria estão de volta presencialmente, com carga horária reduzida.
O medo e a preocupação quanto à retomada são unânimes por parte do corpo docente. Para Paulo, “não faz sentido retornar agora. Só porque não enxergamos o vírus, não significa que ele não está lá. Os meninos não tiveram assistência médica desde criança, já ficamos sabendo de alunos que possuíam problemas de pressão durante a aula. Muitos jovens ali podem ser do grupo de risco e não saber”. Rosângela concorda e diz que “temos uma situação na pandemia que antes era apenas número. Depois, o número virou nome. Hoje, ele tem rosto e são pessoas próximas e conhecidas, e a tendência é essa”.
Em meio às dificuldades e ao choque de uma realidade tão dura, existe um vínculo educador-aluno. O professor é essencial no processo de reinserção social do jovem, uma vez que a maioria deles foi privada de atenção durante boa parte da vida. “Os alunos do Degase são carentes de afeto. Poucos que tiverem o pai e a mãe, é muito abandono. Ali, o aluno não é um número na chamada, é uma pessoa e você sabe sua história, cria uma relação de confiança necessária para o processo de educação” conclui Paulo.