Segundo a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), o Presidente da República cometeu 299 ataques ao jornalismo em nove meses
Em 2019, ocorreram 208 casos de ataques a veículos de comunicação e jornalistas segundo relatório feito pela Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas) – resultado 54,07% maior do que em 2018. Em seu primeiro ano como presidente da República, Jair Bolsonaro foi responsável por 58,17% desses ataques. Foram 114 ofensas generalizadas e sete agressões diretas, totalizando 121 casos ocorridos em divulgações oficiais (discursos e entrevistas) ou em sua conta oficial do Twitter.
O cenário, que já se encontrava em péssima situação, ficou pior em 2020. De acordo com monitoramento da Fenaj, o presidente realizou 246 ataques à imprensa no primeiro semestre do ano, todos proferidos em suas lives do YouTube, conta do Twitter, entrevistas no Palácio da Alvorada e em divulgações oficiais. Em apenas seis meses Bolsonaro, sozinho, é responsável por um aumento de quase 20% no número de ataques no ano de 2020 em relação ao ano anterior. As agressões partem do “cala a boca”, passam pelo “ela queria dar o furo” e chegam ao “encher a tua boca com uma porrada”.
Novos dados da Fenaj, liberados em 14 de outubro, mostram que a tendência não é a diminuição dos ataques, pelo contrário. Nos últimos três meses (julho, agosto e setembro) ocorreram mais 53 ataques. Dentre eles, ataques diretos a jornalistas, como o feito contra Maju Coutinho, âncora do Jornal Hoje. Em nove meses, Bolsonaro e seus apoiadores são responsáveis por um aumento de 43,75% no número de ataques em relação ao ano passado. Até setembro deste ano, foram totalizados 299 ataques à imprensa.
O jornalista Yan Boechat, 45 anos, que já realizou diversas coberturas em diferentes países, muitos deles com problemas relacionados à liberdade de imprensa, situa o Brasil no cenário mundial em sua visão. “Estamos caminhando para um processo de venezuelização do país em vários aspectos. Vamos ver isso com mais força a partir das indicações que o Bolsonaro vai fazer para o STF (Supremo Tribunal Federal)”, afirma Boechat em entrevista coletiva para alunos de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero. Ainda no paralelo com o país vizinho, Boechat continua: “na Venezuela, o Chávez e o Maduro adotaram a estratégia de primeiro sufocar os veículos de comunicação e depois, através de testa de ferro, comprá-los, controlando bastante a imprensa”.
Para o repórter, existe uma clara conexão entre a crise do financiamento jornalístico e os ataques sofridos. “A questão financeira tem sido fundamental, tanto aqui, quanto em outros países, para fazer esse controle ideológico do que sai da imprensa”, conta. O jornalista acredita que com menos dinheiro no jornalismo, este está mais sujeito a pressões de anunciantes e atesta: “os donos de jornais podem ser corajosos, mas não são suicidas”. Portanto, em sua visão, se não encontrarem uma maneira do jornalismo se autofinanciar, não existirá uma imprensa independente.
Boechat crê que o jornalismo passa por uma crise de credibilidade. “Acho que as próprias empresas de comunicação adotaram nos últimos anos um tom partidário, abandonando um pouco os pilares éticos do jornalismo. Vários setores da população não têm confiança na imprensa porque acham que é partidária. Aqui, isso é mais agravado, porque esse governo é absolutamente contra qualquer tipo de liberdade de informação e transmite isso a seus apoiadores. As situações vão ficar mais graves, vai ter um acirramento disso com o passar do tempo. O futuro não é bom para a gente”, finaliza respondendo à pergunta de Beatriz Foiadelli.
A falta de credibilidade na imprensa, citada por Boechat e espalhada por Bolsonaro, se mostra concreta em encontro do presidente com jornalistas no dia 6 de janeiro em que o presidente afirma: “cada vez mais gente não confia em vocês”. Aponta-se que do total de ataques ocorridos nos nove meses de 2020, 86,62% são caracterizados como descredibilização da imprensa.
Cesar Calejon, 41 anos, jornalista e escritor do livro “A Ascensão do bolsonarismo no Brasil do século XXI” revela como os ataques à imprensa agridem a democracia: “A democracia deve ser entendida como um ideal a ser buscado constantemente. Esses ataques e posicionamentos do presidente da República, enfatizando que a imprensa é inimiga da população, afetam de maneira muito substancial essa ideia de democracia que a gente vem trabalhando desde a redemocratização do país”.
Os ataques feitos contra jornalistas tornam-se mais alarmantes quando é ressaltada a importância da imprensa. “A imprensa sempre teve um poder inexorável no Brasil, não só agora no bolsonarismo. É uma das forças sociais preponderantes para determinar a forma como qualquer arranjo social, em qualquer sociedade civil-moderna do mundo, se estabelece”, evidencia Calejon, especialista em Relações Internacionais pela FGV (Faculdade Getúlio Vargas).
Para Calejon, quando o presidente desacredita o jornalismo profissional, há interesses pessoais. “Evidentemente, ele está em conflito com a imprensa porque quer ter controle hegemônico da situação. Tem duas forças sociais – imprensa e bolsonarismo – e uma quer se tornar hegemônica, exercendo a presidência da república sem nenhum tipo de restrição”, encerra.