Com o isolamento social e o “novo normal”, professores de escolas públicas e privadas contam os desafios das aulas online
“O dia que eu saí da escola eu chorei, e até hoje tenho vontade de chorar”. O sentimento da professora de matemática do EMEF General Osório Rosane, Aparecida de Souza Gomes, 58 anos, é o mesmo de docentes que se viram — muitos — pela primeira vez, as escolas sem saber o dia que voltariam.
O coronavírus chegou ao Brasil e logo obrigou as escolas da Grande São Paulo interromperem as aulas presenciais. Em março de 2020, tudo mudou.
Como ficariam as aulas? Adiariam por tempo indeterminado? Adiantariam as férias escolares? Ou começariam um ensino online? As dúvidas eram tantas que resistem até hoje.
Tecnologia e ensino a distância
“Somos cobrados na busca ativa dos alunos diariamente e isso é muito desgastante. Um dia entrei em contato com uma mãe para saber se o aluno precisava de ajuda e ela foi extremamente grosseira comigo, levei até xingamentos. Ela me pediu para nunca mais entrar em contato.”
O episódio aconteceu com a professora concursada Flávia Andrade Fernandes, 41 anos. Ela, que dá aulas há 15 anos e hoje segue o novo modelo de escola do Governo do Estado de São Paulo, o PEI, busca a autonomia e protagonismo dos alunos em meio ao ensino online, a desigualdade social e as relações familiares desestruturadas.
“Muitas vezes eles dividem o celular com o irmão e fica difícil acompanhar a aula. Muitos não têm a condição de ter um bom acesso à tecnologia. Outros já se aproveitam dessa circunstância para não fazer por se sentirem desestimulados.”
“Quando você faz uma aula online você tem que utilizar recursos que chamem a atenção do aluno e ao mesmo tempo você não pode fazer uma aula muito longa porque eles não vão se manter atentos”, afirma Flávia.
Cada um com suas dificuldades e limitações. Em meio à pandemia de coronavírus, os professores têm a difícil missão de conseguir passar o conteúdo de uma forma nunca feita antes. Uns com vídeos, outros com Power Point e textos. Os recursos são muitos, mas o acesso é limitado, o que dificulta ainda mais o aprendizado.
“Eu nao me vejo dando aula fora da sala de aula. Fico muito insatisfeita com a situação que estamos vivendo hoje. Tenho muita dificuldade com a tecnologia”, diz a professora Rosane.
A saúde mental nas escolas
“Liguei para um aluno e ele estava internado em um hospital de campanha.”, lembra Flávia quando questionada sobre episódios que afetaram sua saúde mental durante o ensino remoto.
Uma pesquisa realizada pela UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) mostrou que os casos de depressão no Brasil aumentaram em 50% durante a quarentena da covid-19, enquanto a ansiedade e o estresse, em 80%.
Os números alarmantes claramente chegaram às ‘salas de aulas virtuais’, e o debate sobre o assunto que já era de muita importância tornou-se ainda maior.
O professor de matemática Carlos Henrique Kayo, 27 anos, que trabalha na rede escolar particular Singular, no ABC Paulista, conta que dedicou sua aula de exatas para uma conversa com seus alunos.
“Quis abrir um pouco o papo sobre como estava a saúde mental dos meus alunos. Eu já tinha conhecimento que alguns alunos meus tinham ansiedade ou depressão e sabia que de um jeito ou de outro isso poderia acabar sendo intensificado na pandemia.”
A desigualdade social entre o ensino público e particular na Grande São Paulo mostra-se presente. Flávia conta que, para seus alunos, os obstáculos já começam por não ter disponível o objeto essencial para o estudo online: um smartphone, computador ou tablet. Porém, a professora conta que, atualmente, ela participa de mais de três treinamentos semanais para entender e desenvolver habilidades socioemocionais com os alunos que conseguem estar presentes nas aulas remotas.
Carlos também conta que, ao longo dos quase sete meses desde o início do isolamento social, sentiu sua ansiedade muito maior. Com novas funções e preocupações, a questão emocional foi afetada de uma forma que não acontecia quando haviam aulas presenciais.
Veja mais em ESQUINAS
Professores denunciam retorno antecipado de aulas presenciais em escolas particulares
“A corda sempre rompe no lado do professor”, diz psicólogo
2020: Um ano perdido?
“Alguns alunos me falaram que se tivesse um 4º ano do Ensino Médio, eles fariam porque disseram que não conseguiram se adaptar às aulas remotas”, revela o professor Carlos.
Já Flávia afirma que, na rede pública, muitas habilidades deixaram de ser vistas e o foco foi dado para as habilidades consideradas como essenciais. “Foi um ano com muita defasagem de conteúdos, mas ainda assim acredito que não foi um ano totalmente perdido.”
Mesmo com a disparidade das escolas públicas e das escolas privadas, uma coisa há em comum entre elas nestes últimos meses: a falta de interesse dos alunos.
“O comprometimento com a educação, por parte de alunos e pais desses alunos parece quase zero”, diz Elisabete Cordova Lima Pennachi, 58 anos, professora de Língua Portuguesa no EMEF General Osório.
A professora Rosane relata que dos trinta alunos da sala, apenas três assistem às aulas e fazem as atividades. Carlos diz que dos cem alunos da sala, em média, apenas cinquenta alunos participam das aulas atualmente: “Isso dificulta o trabalho, acabou me desanimando durante a pandemia.”
Volta às aulas: é o momento?
Na rede pública, o discurso de volta às aulas já veio como pauta. Com a liberação do Governo Estadual para a volta em novembro de 2020, agora, a escola aguardava a aprovação da prefeitura, e sofre dificuldades com os poucos recursos para a contratação de profissionais de limpeza.
Carlos, na rede privada de ensino, conta que a escola fez pesquisas com os alunos e responsáveis, e está fazendo estudos sobre uma possível volta às aulas. Entretanto, acredita que ainda é cedo para falar no assunto.
O futuro é incerto. Não se sabe quando será seguro voltar às escolas. O contato. O olho no olho. A relação. A saudade e vontade de voltar às salas de aula não é maior do que daqueles que estão ali para ensinar.
Em meio ao caos, Rosane resume o que muitos dos professores sentem neste momento: “Tenho consciência que as aulas não estão sendo do jeito que deveriam ser.”