Em meio a falta de diálogo e sobrecarga de atividades, a pandemia deixa marcas negativas na educação
“Eu não sei se eu vou aguentar manter o EAD por mais um semestre inteiro. Eu provavelmente vou começar a bater a cabeça contra a parede. Simplesmente não vou aguentar mais.” A fala do estudante Gustavo Moreira sintetiza bem o sentimento de milhares de professores e alunos sobre o impacto do ensino a distância. Na pesquisa “Quarentena covid-19: Percepção de Alunos Sobre sua Aprendizagem”, feita pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, de acordo com dados obtidos através de um formulário, 54% dos alunos nunca tiveram contato com as aulas online.
Quando questionados sobre o aproveitamento, 24% afirmaram que não estão se adaptando aos novos métodos de aprendizagem, sendo que a grande maioria deste número acredita que o remoto não tem a mesma intensidade do presencial.
Através do questionário, os pesquisadores analisaram a percepção e o comportamento de alunos do Ensino Superior, Graduação e Pós-Graduação, em relação às aulas online e como este novo formato impactaria os estudantes e o futuro da escola. Uma das pesquisadoras, Carolina Ramos, de 20 anos, conta que a maior dificuldade é a falta de concentração e organização nos estudos.
Para a estudante, os professores utilizam este método de ensino para passar muitas atividades, numa tentativa de suprir o que o online não oferece em relação ao presencial. Essa alta demanda gera uma sobrecarga e insegurança nos alunos. 65,3% deles disseram que sentem falta do diálogo com professores e colegas.
Matriculado no curso de psicologia da UNIP, Gustavo, de 21 anos, até cogitou trancar a faculdade por conta dos desafios enfrentados durante os meses de pandemia. Além de ter perdido o emprego, ele conta que toda a atual situação tem sido estressante e lhe trouxe muita ansiedade. Para o estudante, tirar dúvidas por microfone ou pelo chat está fora de cogitação, primeiro por ser uma pessoa mais tímida e também por mais de 850 pessoas estarem presentes durante as aulas nacionais, que englobam estudantes de outros campus.
Somado a isso, Gustavo afirma que a universidade se manteve desorganizada nos últimos meses – somente em setembro que os alunos conseguiram ser cadastrados no e-mail institucional. Apesar de ter oferecido parcelamento da mensalidade para os que precisassem, a UNIP não disponibilizou nenhum desconto no pagamento.
A aluna de direito da Uninove, Cherly Nunes, acredita que a qualidade de ensino diminuiu muito com as aulas remotas, pois se tornou mais pesado de acompanhar e exigiu que os alunos se dedicassem mais, o que poderia ser desgastante para a maioria. Além disso, a proibição de ligar as câmeras e áudio imposta pela faculdade também atrapalha a atenção dos alunos. As ferramentas só ficam habilitadas em alguns momentos para tirar dúvidas, mas na grande maioria das vezes elas são feitas pelo chat da reunião.
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Apesar da tentativa dos professores de interagir com as classes através de aulas dinâmicas, Cherly acredita que esse novo método de ensino deve ser estudado com mais atenção para se adequar a uma melhor forma para ambos. Essa posição deve partir da administração da universidade, que por sua vez tem sido cada vez menos solícita com as reclamações que são feitas pelos alunos.
A pesquisa do Mackenzie também olha para aqueles estudantes que possuem algum transtorno de neurodesenvolvimento ou deficiência. Neste caso, para incluir os alunos da melhor maneira possível, é necessário encontrar métodos para que eles possam ter um bom desempenho nas aulas.
Para os alunos que apresentam algum tipo de deficiência, Carolina acredita que a universidade poderia encontrar formas de incluí-los no EAD. Ela menciona aplicativos que ajudam nessa inclusão, como aqueles que leem em voz alta para deficientes visuais. Outra atitude importante seria oferecer cursos de capacitação para que os professores soubessem lidar melhor nestes casos.
A adaptação ao novo formato de aprendizagem trouxe à tona a falta de preparo tecnológico de algumas instituições. Segundo Carolina Klautau, professora de Política e Economia do curso de Jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi, se adaptar às aulas remotas foi caótico, pois alguns professores não estavam acostumados e não obtinham nenhuma experiência em lecionar de forma online.
O que ajudou alunos e educadores foi utilizar a mesma plataforma da qual eram feitas as aulas em formato EAD. A própria faculdade que criou e disponibilizou o aplicativo. No entanto, o maior desafio para Carolina é a interação com a turma, pois a comunicação não é mais a mesma. “Quando não vemos a reação dos alunos e apenas os quadrados pretos, só com a foto dos rostos da pessoa, é muito difícil”, desabafou.
Como alternativa para tentar atrair mais a atenção dos alunos, a professora e alguns de seus colegas optaram por aulas menos expositivas, para que houvesse uma maior participação de todos. Através de discussões propostas aos estudantes, professores esperam diferentes opiniões e uma interação mais dinâmica dentro das turmas.
O período de pandemia no meio acadêmico, além de mostrar as dificuldades e desafios que algo assim impõe, levantou a questão a respeito das desigualdades de acesso à educação remota. Segundo pesquisa do TIC Educação 2019, a maior porcentagem de alunos sem acesso à internet ou computadores em todo o Brasil é da rede pública, o que torna praticamente impossível de acompanharem as aulas online. “Se aqui em São Paulo a situação é muito desigual, imagina no norte do país”, comenta Klautau.
Em um ano marcado por tantos problemas na educação, é de se esperar que a população tenha uma visão pessimista em relação a esse tema dentro do cenário de pandemia. No período pós-coronavírus, será necessário que todos – faculdades, professores e alunos – se adequem novamente ao ensino presencial, mas trazendo os aprendizados obtidos durante a pandemia. “Acho que eu particularmente não vou conseguir entrar em uma sala de aula de novo sem ficar evidente que as pessoas estão em momentos diferentes, que possuem acessos e recursos diferentes”, afirma Carolina.