Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente denuncia desmonte ambiental, confirma a importância da CPI da covid e comenta cenários para 2022
“O governo não vai cumprir absolutamente nada do que diz nesta carta, porque ele não tem nenhum compromisso com a agenda ambiental”, diz Marina Silva, ex-senadora pelo Acre e ex-ministra do Meio Ambiente, em entrevista ao Centro Acadêmico Vladimir Herzog (CAVH), da Faculdade Cásper Líbero.
Silva se referia à correspondência enviada por Bolsonaro ao presidente norte-americano Joe Biden. No texto, divulgado pela Folha de S. Paulo, Bolsonaro afirmava que tem feito esforços para a preservação ambiental e que está disposto a dialogar com lideranças indígenas e ONGs, setores já atacados por ele anteriormente. “Dar dinheiro para esse governo é dar dinheiro para perseguir os índios e fazer regularização de terra roubada”, afirma a ex-senadora.
A carta foi enviada às vésperas da Cúpula de Líderes sobre o Clima, evento organizado por Joe Biden e que receberá 40 líderes mundiais para debater objetivos e ações em relação à mudança climática. A reunião ocorre enquanto no Brasil, segundo Silva, segue o desmonte da política ambiental.
O episódio mais recente foi a substituição do superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva, responsável pela maior apreensão de madeira na história do Brasil. A polêmica ficou a cargo do posicionamento do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que foi até o local onde se encontrava a carga e defendeu sua liberação. O delegado Saraiva enviou, então, uma notícia-crime contra Salles ao STF. Logo depois, foi surpreendido com a troca. “A Polícia Federal com certeza vai reagir internamente”, avalia Silva. “Conheço uma parte da PF, dos que trabalhavam na agenda ambiental, são pessoas com altíssimo compromisso”.
Consequências do desmonte
A ex-senadora chama a atenção para as oportunidades econômicas perdidas pelo descaso com o meio ambiente, da hesitação da União Europeia no acordo UE-Mercosul à resistência ao ingresso do Brasil na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). “O Brasil é um pária ambiental, e isso está prejudicando os investimentos no País. A sociedade brasileira deve se mobilizar para que Salles pare de destruir o futuro do Brasil”, diz.
Para Silva, “Bolsonaro é inconscientemente incompetente para lidar com a agenda que temos à frente de nós em pleno século 21”. Isso não se aplicaria só a pautas ambientais, mas também à condução da pandemia por parte do governo. Segundo ela, a CPI da covid-19, que investigará o enfrentamento da crise sanitária por parte do governo, “é importante, assim como é importante o impeachment do presidente”. De acordo com a ex-senadora, a responsabilidade pela má gestão da doença no País é de Bolsonaro. “Não foi por acaso que houve negligência, que [se] enterrou a aquisição de vacinas. Não é por acaso que o presidente desestimulou e ainda desestimula o isolamento social”, afirma.
A ambientalista afirma que não há outra palavra que não “genocídio” para descrever a política de Bolsonaro. O presidente, segundo ela, é incapaz de compreender a responsabilidade que tem em suas mãos e as consequências que o país sofrerá. “Ninguém quer importar destruição de floresta, violência contra índios e irresponsabilidade com o equilíbrio do planeta”.
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Entretando, ela não deixa de ressaltar que o desmonte ambiental não teve início no governo Bolsonaro, mas em 2012, com Dilma Rousseff. “A presidente Dilma juntou a cal, o presidente Temer botou a pá de cal e Bolsonaro, com sua linguagem da violência, deu o tiro de misericórdia no Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento”, principal projeto de preservação da floresta Amazônica.
Crítica assídua das políticas ambientais de Salles, Marina Silva afirmou novamente que ele deve ser afastado. Os pedidos de impeachment contra Salles, protocolados por seu partido, a Rede, não foram adiante no STF. O tribunal determinou que o afastamento do ministro não caberia a uma decisão judicial. Marina sustenta que existem “elementos fartos” para a saída de Salles. “Deveria, sim. cair, assim como caiu o ex-ministro da educação [Abraham Weintraub], como caiu [Eduardo] Pazuello e o Ernesto Araújo. É só uma questão de tempo para a sociedade brasileira se mobilizar”, afirma.
Oi, “Sumida”?
O nome “Marina Silva” foi para os trending topics do Twitter por conta de uma publicação da ex-ministra nas redes sociais que questionava seu ”sumiço” fora dos períodos de eleição. Rejeitando o rótulo de “só aparecer de quatro em quatro anos”, a ex-ministra menciona uma campanha para seu “apagamento político”, que envolve tanto a direita quanto a esquerda. “É um paradoxo a extrema direita, com a denominada esquerda, se encontrarem no mesmo objetivo da desconstrução da minha vida pública. É lamentável”, afirma. Para ela, a a campanha de Dilma Rousseff, em 2014, coordenada pelo ex-marqueteiro do PT, João Santana, foi um importante fator para o crescimento dessa ideia.
Hoje, ela acrescenta os ataques de ódio feitos por grupos bolsonaristas. Segundo ela, esses grupos atuam de maneira autoritária na política brasileira. “Se você não está dizendo amém para eles o tempo todo, elas tratam de decretar que você não existe. É melhor suportá-los do que se render à lógica da servidão voluntária para esses grupos autoritários que querem decretar o que você diz, o que você pensa e quem você deve ou não apoiar”.
Cenário para 2022
Silva considera que falta autocrítica por parte dos partidos que tiveram a chance de governar o país por um longo período de tempo. “Quando falo de autocrítica, é do governo do PT e do PSDB também. Os dois partidos da social-democracia, infelizmente, fizeram a velha lógica do poder pelo poder”, analisa. Ao avaliar o PT, mais especificamente, aponta: “Foram graves desvios de corrupção e isso precisa ser reconhecido. Não é por acaso que o marqueteiro da presidente Dilma está com tornozeleira eletrônica”.
Ao discutir sua visão para as eleições de 2022, direciona a conversa para projetos, antes de nomes. “Hoje vemos a polarização em torno do nome de pessoas. Lula e Bolsonaro. Isso não leva o Brasil para lugar nenhum. Minha prioridade é o projeto de Brasil”, afirma. A ex-ministra acredita que “hoje estamos sem horizonte de país. Todo mundo ficou esse tempo todo discutindo projeto de poder, não de país. Discutindo como faz para ganhar eleição, e não um ideal de nação”.
Silva menciona diálogo com partidos como PDT, PSB, PV e Cidadania. “Vamos pensar com progressistas, de centro-esquerda, com aqueles segmentos que não são autoritários e não populistas da própria esquerda para ver qual o caminho”. O projeto de Brasil defendido pela fundadora da Rede Sustentabilidade seria um Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável, que se assemelha, inclusive em nome, com a agenda de Ciro Gomes (PDT). Silva diz respeitar o já presidenciável Gomes, mas faz ressalvas: “Faço esse apelo para que haja abertura para discutir projetos de país, sei que ele tem abertura para isso. O que não dá é ficar refém do passado como era, nem refém do presente como ele está”, finaliza.
Assista à entrevista na íntegra no link abaixo.
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