Depois de ficar internada com covid-19, dentista continua defendendo uso do “kit covid” - Revista Esquinas

Depois de ficar internada com covid-19, dentista continua defendendo uso do “kit covid”

Por Julia Thoma, aluna do projeto Redação Aberta #1* : maio 28, 2021

Segundo especialista, o efeito de drogas como a cloroquina na prevenção do coronavírus é como beber água, não serve para nada

“Se eu não tivesse feito os métodos preventivos, meu quadro teria sido muito pior, eu tenho certeza”, diz a dentista Mônica Bellotti, de 53 anos. Ela contraiu o coronavírus, mesmo realizando tratamento com medicamentos do “kit covid”, que não têm comprovação científica contra a doença.

Devido à sua atuação na área da saúde, Mônica não pôde fazer isolamento social. Ela comenta que se cercou de cuidados, porém não havia alternativa, teve que ir ao consultório.

A dentista conheceu os chamados “métodos preventivos” por meio de lives feitas por médicos e faz uso deles desde julho de 2020. “Quando eu contraí o vírus, fiz o tratamento com ivermectina, azitromicina, hidroxicloroquina, vitamina C, prednisona e zinco. Ainda assim, tive queda de saturação, em que precisei de internação de cinco dias”, conta.

Mesmo depois desse quadro, Mônica defende os medicamentos e não se arrepende de ter utilizado. Segundo ela, as drogas não evitam que a pessoa contraia a covid-19, mas atuam no sistema imunológico, favorecendo a resposta do corpo em caso de infecção pelo vírus.

Riscos da automedicação com “kit covid”

No entanto, de acordo com a bióloga especialista em doenças infecciosas e epidemiologias Márcia Speranza, “o efeito dessas drogas para covid-19 é igual beber um copo de água. Ou seja, não serve para absolutamente nada”. Márcia afirma que, na verdade, “os efeitos colaterais desses medicamentos deixam as pessoas predispostas a terem os casos mais graves de coronavírus”.

Uma pesquisa da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), denominada “DETECTCoV-19”, constatou que os usuários desses medicamentos foram o grupo mais atingido pelo vírus, correspondendo a 38,6% das pessoas analisadas. Os responsáveis pelo levantamento afirmam que, após esses tratamentos, as pessoas relaxam em outros cuidados essenciais, como o uso de máscaras e álcool em gel e o isolamento social.

Além disso, fabricantes da ivermectina e cloroquina contraindicam o uso desses fármacos na prevenção da covid-19 e estimulam o consumidor a seguir a bula com acompanhamento médico.

“Todas os fármacos têm riscos e benefícios. No caso das medicações mencionadas no ‘kit covid’, elas podem causar problemas cardíacos, hepáticos e renais. Com o paciente em sua residência, fica mais difícil de monitorar, o que pode levar a danos irreversíveis”, afirma a enfermeira especializada na área da infecção de assistência à saúde e epidemiologia, Fernanda Rabelo de Luca, 43 anos. Segundo ela “não se deve utilizar medicamentos de forma indiscriminada e receitados por amigos ou até mesmo pela indução da mídia. O desfecho pode ser trágico”.

Apesar disso, o governo de Jair Bolsonaro, além de desestimular a vacinação, promove o uso de medidas preventivas sem comprovação científica contra o vírus. Prova disso é a criação do chamado “kit covid”, composto por medicamentos como ivermectina, cloroquina, azitromicina e hidroxicloroquina. “É o pior governo na gestão da pandemia, já que o Brasil tem 3% da população mundial e praticamente 25% dos óbitos no mundo devido ao coronavírus”, diz Márcia.

Auto-hemoterapia   

Atualmente, além do “kit covid”, existem diversos métodos alternativos sendo usados para a prevenção contra o Sars-Cov-2. Um dos mais polêmicos é a auto-hemoterapia. Esse procedimento consiste na extração de sangue de uma pessoa e reaplicação no músculo da mesma pessoa, tendo como finalidade estimular o sistema imunológico do indivíduo. Essa técnica não possui nenhum tipo de comprovação científica, logo, não é aprovada pela Anvisa no tratamento do coronavírus.

Apesar disso, Fernanda conta que já ouviu alguns casos de pessoas que realizaram a auto-hemoterapia sem um profissional, procedimento que não foi bem sucedido. Nesse método, ela explica, existe risco de transmissão de doenças infecciosas e contaminação, acarretando inclusive infecção generalizada, que, em casos mais graves, pode levar o paciente a óbito.

A enfermeira trabalhou em um dos hospitais de campanha construídos pelo governo. Ela relata que o ambiente era estressante e tomado pelo medo, que pode ter sido um fator importante para a difusão de métodos preventivos sem respaldo científico. “No início, havia muita incerteza em relação às formas de lidar com o vírus, muitas divergências de opinião, fato que dificultava o tratamento dos pacientes e gerava ansiedade das diversas categorias de profissionais. Agora, com mais estudos realizados e conhecendo melhor a doença, conseguimos atuar de forma mais segura e menos exaustiva”, conclui Fernanda.

*Redação Aberta é um projeto destinado a apresentar o jornalismo na prática a estudantes do ensino médio e vestibulandos. A iniciativa inclui duas semanas de oficinas teóricas e práticas sobre a profissão. A primeira edição ocorreu entre 17 e 28 de maio. O texto que você acabou de ler foi escrito por um dos participantes, sob a supervisão dos monitores do núcleo editorial e de professores de jornalismo da Cásper Líbero.

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