Professores de escola e universidade relatam dificuldades em conciliar aulas remotas e o cuidado com os filhos durante crise da covid-19
“A sociedade cobra da gente que devemos cuidar dos nossos filhos como se não trabalhássemos e que precisamos trabalhar como se não tivéssemos filhos”, diz Lorena Oliveira, professora de Literatura e Gramática na rede privada da Zona Leste de São Paulo, sobre a dupla jornada que vem enfrentando na pandemia.
A disseminação da covid-19 alterou hábitos e costumes em diferentes esferas e profissões. Contudo, o impacto nos professores tem sido incalculável. Do ensino infantil ao universitário, houve adaptações e reinvenções para lidar com as adversidades das aulas remotas.
Considerando que as mudanças na educação ocorreram também para os alunos, foi inevitável o acompanhamento dos pais nesse processo. No entanto, para os professores que também têm filhos em casa, o dia a dia tem sido ainda mais complexo. A dupla rotina, que envolve além de ensinar, acompanhar o aprendizado das próprias crianças, é desafiadora para muitos profissionais da educação.
Lorena conta que, por muitas vezes, precisou cuidar da filha de dois anos e meio enquanto realizava as aulas no ensino remoto. Segundo ela, isso alterou toda a rotina familiar do marido e da avó, que também moram com ela, em razão do home office e dos cuidados com a filha.
“Minha família não pratica mais as refeições à mesa porque eu a utilizo para trabalhar. Prefiro estar no colégio porque minha filha não está me vendo”, explica a professora. “Uma das coisas que mais me dói nesse momento é ela pedir para brincar e eu não poder. Ela se sente ignorada e isso atrapalha o desenvolvimento dela.”
Lorena relata que criou estratégias de gestos e batidinhas para alertar seu marido e sua avó quando sua filha está em risco de se machucar, de modo que não interrompa a aula. Para ela, essa dinâmica de múltiplos focos é exaustiva: “Faz com que um período de aula pareça cinco”.
Esse desgaste emocional é gerado por horas em frente ao computador, aumento de atividades no período de contraturno (slides, questionários e provas digitais), além da instabilidade do momento e risco diário de infecção com a volta das aulas híbridas. Lorena afirma que desde que retornou a lecionar eventuais aulas presenciais na escola, contraiu gripe duas vezes e diz ter tido sorte por não ter contraído a covid-19.
Exposição dos filhos
Sobre a presença corriqueira da filha nas aulas, Lorena comenta: “Não sabemos como quem do outro lado vai receber a aparição dela ou como os pais vão reagir aos gritos dela no fundo. Às vezes em que paramos cinco minutos para dar uma atenção à criança, são cinco minutos em que não estou dando aula para o filho de alguém.”
“Meu bebezinho está sendo exposto e onde isso vai parar? A gente não sabe que prints de tela estão sendo feitos, se ela vai virar uma figurinha ou não. Na internet não há controle. Por ser uma menor de idade, temos muitas preocupações com pedofilia.”
Como mãe, a professora se apresenta receosa em relação ao mundo digital instantâneo, por conta do controle sobre imagens ser extremamente difícil. Ainda tem a preocupação com sua imagem profissional perante a visão de pais e alunos e a possibilidade de incompreensão do lado receptor do seu trabalho.
Professores acompanhando professores
O professor universitário da Faculdade Cásper Líbero, Rodrigo Ratier, possui uma visão mais otimista sobre a adaptação em ser professor e responsável no sistema de ensino remoto. Pai de duas meninas, de três e seis anos, Ratier conta os dois lados dessa dupla função: “Tem um fato curioso que, ao mesmo tempo, é bom e ruim. Como pai, poder acompanhar as aulas, quando se tem algum conhecimento, é bom. De modo que posso sugerir melhorias em alguma aula, de acordo com o processo pedagógico da escola.”
Como professor, contudo, ele demonstra preocupação com a possibilidade de seus colegas de profissão terem falas tiradas de contexto no momento de ensino. Segundo ele, muitos educadores acabam recebendo denúncias de proselitismo por comentários políticos fora de contextualização. Ainda relata a insegurança de apresentar sua aula sem visualizar os alunos: “Há um incômodo em dar aula sem saber a reação e entendimento de quem está vendo, por conta das câmeras fechadas.”
Quanto à exposição de suas filhas, Ratier diz que é discreto. Inicialmente, se incomodou com exibição delas e de sua casa, mas revela que isso foi se naturalizando no decorrer da pandemia. “Tornou-se relativamente controlável e pode ajudar a dinamizar a aula em breves momentos até”, explica.
“Essas pequenas interrupções são inevitáveis, já que a sala de estar se tornou a sala de aula. Todo mundo teve um pouco de invasão de privacidade e o ambiente familiar precisou se adaptar”, completa o professor.
*Redação Aberta é um projeto destinado a apresentar o jornalismo na prática a estudantes do ensino médio e vestibulandos. A iniciativa inclui duas semanas de oficinas teóricas e práticas sobre a profissão. A primeira edição ocorreu entre 17 e 28 de maio. O texto que você acabou de ler foi escrito por um dos participantes, sob a supervisão dos monitores do núcleo editorial e de professores de jornalismo da Cásper Líbero.