Médica e enfermeiras contam a difícil rotina hospitalar durante a pandemia e como esse momento tem afetado a saúde mental delas
Um relatório da ONU Mulheres, chamado “Mulheres no centro da luta contra a crise covid-19”, traz números sobre o papel da mulher diante da pandemia. Segundo o estudo, 70% dos trabalhadores de saúde em todo o mundo são do sexo feminino. No Brasil, elas são 85% do corpo de enfermagem, 45,6% dos médicos e 85% dos cuidadores de idosos. Com isso, são as mais expostas ao risco de infecção pelo vírus.
“É muito esquisito falar de efeito positivo na covid, mas a pandemia trouxe um reconhecimento nacional ao SUS e aos profissionais de saúde”, diz Maria do Carmo, 61 anos, médica e atual diretora executiva do Hospital Metropolitano Dr. Célio Castro, em Belo Horizonte. “A grande mídia valorizando nossa profissão. Foi um momento em que, pobre, rico ou remediado, todos estamos dependendo do cuidado desses profissionais.”
Maria do Carmo afirma que a crise sanitária fez com que os médicos precisassem de resiliência em uma proporção muito maior. “Trabalho em um hospital onde morreram 700 pessoas. Isso já dá um sentimento de luto e impotência muito grande”, explica. “Na minha família, estou, no momento, monitorando duas pessoas com covid, minha irmã e minha sobrinha. Minha mãe, com 90 anos, morreu da doença. Logo depois, meu sobrinho de 38 anos foi contaminado e teve uma complicação, mas saiu bem.”
Uma pesquisa da Associação Paulista de Medicina (APM) mostra que praticamente oito em cada dez médicos e enfermeiros estão mais apreensivos, pessimistas, deprimidos, insatisfeitos e revoltados com o atual momento. “Ansiedade todos nós sentimos. Quando você se envolve dentro desse cenário é muito difícil não impactar seu sono e sua vida. Mas, de certa forma, procurei uma retaguarda de cuidados comigo, como meditação, para trazer um equilíbrio necessário para dar conta do profissional”, diz Jussara Motta Pessoa, 52 anos, enfermeira dos hospitais Vera Cruz e LifeCenter, de Belo Horizonte.
O medo de algum familiar ou si próprio pegar a doença é algo que assusta cotidianamente os profissionais de saúde. Sobre essa angústia, Karine Chaves Cabral, 47 anos, formada em enfermagem e diretora da Vigilância Epidemiológica de Itabira, Minas Gerais afirma: “Nós convivemos com pessoas do grupo de risco, não tem como falar que vivemos em uma bolha porque não existe isso. É muito estressante.”
“Teve um momento que eu e meu filho tivemos suspeita de covid e ficamos em isolamento. Mas, alguns dias antes, tive contato com meus pais e não sabia o que era pior: os sintomas que estava sentindo ou o estresse de pensar que poderia ter passado para eles”, lembra Karine.
Governos x covid
“Hoje, há um consenso que houve atraso na tomada de decisões pelo Governo Federal, principalmente na vacinação ampla, já que nós, profissionais da saúde, começamos a ser vacinados em janeiro. Obviamente, isso está sendo apurado através do judiciário e das entidades políticas”, comenta Jussara sobre o comportamento do executivo na pandemia.
Para Maria do Carmo, que foi gestora em serviços de saúde nas esferas municipal, estadual e federal, não é diferente. “O Governo Federal não cumpriu as recomendações da OMS. Não é atoa que hoje tem uma CPI no congresso para apurar responsabilidades. São inúmeros exemplos da falta de responsabilidade sanitária e falta de respeito com a população, desde o negacionismo à promoção de aglomerações”, desabafa.
Por outro lado, a médica afirma aprovar as ações do governo municipal de Belo Horizonte. O hospital em que é diretora executiva é uma parceria público-privada entre a prefeitura e a Sociedade de Propósito Específico (SPE) Novo Metropolitano S.A. Ela comenta que o comitê gestor que define as normas da cidade é formado por três infectologistas e pelo secretário municipal de saúde. Maria do Carmo acredita que eles têm feito uma boa gestão e que as ações de prevenção e tratamento da covid tem, até então, trazido bons resultados.
“Fizemos tudo que estava dentro dos protocolos, como lockdown oportuno, aumento de leitos de UTI e enfermaria. Sempre orientamos a população a não se aglomerarem e usarem máscaras. Mas, muitas vezes, vemos bares abertos com aglomeração de pessoas. Várias vezes, a polícia teve que fazer abordagem nesses locais”, diz Karine Cabral sobre a postura da prefeitura da cidade de Itabira.
*Redação Aberta é um projeto destinado a apresentar o jornalismo na prática a estudantes do ensino médio e vestibulandos. A iniciativa inclui duas semanas de oficinas teóricas e práticas sobre a profissão. A primeira edição ocorreu entre 17 e 28 de maio. O texto que você acabou de ler foi escrito por um dos participantes, sob a supervisão dos monitores do núcleo editorial e de professores de jornalismo da Cásper Líbero.