Análise das manifestações faz parte do programa “Observatório da Pandemia”, iniciativa do curso de jornalismo da Faculdade Cásper Libero
Marília Leão Bonifácio, jornalista egressa da Cásper (turma 2020). Reportagem republicada simultaneamente pelo site Diário do Centro do Mundo
Diferentemente da cobertura tímida dos protestos de 29 de maio contra Bolsonaro, desta vez a mídia tradicional se mostrou mais presente. A opinião de professores de jornalismo e de ciência política em quatro faculdades paulistanas é que portais da web, TVs abertas e por assinatura dedicaram mais tempo e espaço às manifestações de 19 de junho, ocorridas em centenas de cidades do País. No entanto, apontam que parte da cobertura optou por associar as ações a “movimentos partidários” — uma estratégia de conotação negativa para deslegitimar os movimentos, dizem os especialistas.
Para André Santoro, coordenador do curso de Jornalismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a mídia tentou corrigir a timidez das divulgações a respeito da data anterior. “Acredito que a imprensa tentou fazer um mea culpa, já que ficou muito mal vista a falta de uma cobertura adequada desses movimentos. Percebeu que alguma coisa não tinha funcionado muito bem nas manifestações que aconteceram ao final de maio e, de alguma forma, tentaram consertar para os novos atos.”
Ainda que o destaque ao 19J seja maior que o do 29M, os especialistas chamam atenção para vinculação a uma suposta partidarização. No UOL, por exemplo, Josias de Souza estabelece falsa equivalência entre protestos contra e a favor de Bolsonaro. E, desde o início do dia, a reportagem “Manifestações contra Bolsonaro ganham caráter partidário” foca a adesão do PT e as dúvidas sobre a presença de Lula no ato em São Paulo, o que acabou não ocorrendo. Para Rodrigo Ratier, jornalista e professor da Faculdade Cásper Líbero, a hipótese é de deslegitimação dos partidos políticos. “O pressuposto é que a movimentação só vale se for apartidária, o que me parece incorreto. Os partidos também fazem parte da sociedade e podem se inserir nas manifestações”.
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Na mesma linha, Fábio Venturini, doutor em História e professor do campus de Osasco da Unifesp, explica que, ao associar a presença de partidos a algo ruim, a imprensa tira a esquerda do foco e abre espaço para caracterizar todos que estão nos atos contra o governo como “petistas”, por exemplo. “A classe trabalhadora não pode abrir mão de partidos. O que é política sem partido? É o bolsonarismo, o autoritarismo. Os atos de hoje (19) ganharam a cara do PT porque deixa uma pergunta no ar: ‘precisamos nos livrar do Bolsonaro, então qual é a resposta para isso?’”. Ratier completa que parte da cobertura se inclina para mostrar o ato como “eleitoreiro” — o que estaria “equivocado”. “Há uma multiplicidade de movimentos, de torcidas organizadas a ONGs, pessoas sem vinculação com qualquer associação e, sim, partidos políticos. O que leva as pessoas às ruas são indignações com um governo ruinoso”.
Há ecos do recente movimento antissistema e de rejeição à política na demonização aos partidos. Vitor Marchetti, cientista político e professor da Universidade Federal do ABC, aponta que o governo Bolsonaro faz crer que seus protestos são espontâneos, sem estarem conectados a um partido, pois sua lógica é antipartido e anti-instituições. “Nas manifestações contra o Bolsonaro há mais partidos dispostos a se envolverem, mas não eles somente: há também os movimentos sociais de todos os tipos. Criticar essa participação é pejorativo, fruto e reflexo dos últimos anos da política brasileira”, finaliza.