Remédio para um “país adoecido”, terapia ajudou jovens a superar dificuldades em meio à crise
Repouso, antibiótico, analgésicos como paracetamol e dipirona, xaropes e um remédio especial, a terapia. Essa foi a receita para a cura de Rodrigo Neves Rodrigues, catarinense de 35 anos que foi duas vezes contaminado pela covid-19.
“Se eu não tivesse tomado a vacina, com a reinfecção que eu tive, talvez não estaria aqui”. A primeira infecção pela covid-19 do técnico de enfermagem aconteceu em julho de 2020. Sete meses depois, em fevereiro de 2021, ele tomou as duas doses da vacina por ser profissional da saúde e atuar na linha de frente. Após 15 dias, foi reinfectado.
“Um doente cuidando de outro doente não tem garantia”, diz Rodrigo referindo-se tanto à saúde física, em relação ao coronavírus, quanto mental. A pandemia fez o profissional da saúde perceber o quanto sua profissão é importante e reconhecer o valor de sua responsabilidade social. “Somos frágeis, não somos feitos de uma estrutura de pérola para não adoecer, somos pessoas de vulnerabilidade muito grande”.
Psicológico em tempos difíceis
Rodrigo sempre foi caseiro, e a pandemia o influenciou a ficar ainda mais dentro de casa. Ao se perceber frustrado com toda a situação vivida no mundo, decidiu procurar ajuda psicológica. Para o enfermeiro, o autoconhecimento e o autocuidado não ajudam somente ele, mas também seus pacientes. Através da terapia, os sentimentos intensos e a confusão mental causada pela crise foram resolvidos.
Entre março e dezembro de 2020, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) registrou 99.100 pedidos de psicólogos para atendimento online, por causa dos protocolos do vírus. Um levantamento de 2020 da plataforma GetNinjas mostrou que os psicólogos foram um dos profissionais mais procurados durante a pandemia, ficando atrás apenas de técnicos para notebook.
Alessandra da Silva, psicóloga e sexóloga, acompanha Rodrigo desde novembro do ano passado. Para a terapeuta, “ainda que de um jeito doloroso, as pessoas viram a importância da saúde mental, que sempre foi muito rechaçada na nossa sociedade”.
A pandemia foi a gota d’água para aqueles que já tinham questões emocionais. “As pessoas começaram a refletir mais e isso tem várias vertentes, porque viviam bem sozinhas, e agora veem a importância de ter outras pessoas na vida. Mas outras ficaram com o psicológico prejudicado justamente pelo contrário, pela má convivência com os indivíduos da própria família”, explica a psicóloga.
Alessandra ressalta que os seres humanos são biopsicossociais, ou seja, precisam que as três esferas da vida (corpo, mente e interação com o meio) estejam em sintonia. Por isso, a mudança drástica na rotina prejudicou. Muitos passaram a fazer todas as suas atividades enclausurados, e com a terapia não foi diferente.
Benefícios da terapia online
Para a psicóloga, “o que importa mesmo é o comprometimento, independente se é online ou presencial. A terapia começa quando a gente desliga a câmera ou o cliente sai da sala. Se a pessoa não colocar em prática as intervenções propostas, não vai ter o resultado positivo”.
Além de estarem protegidos da possível exposição à covid-19, a praticidade e otimização do tempo são pontos positivos da terapia online. “Traz um conforto, no sentido da pessoa estar dentro da casa dela. Pacientes em quadros mais depressivos tendem a se sentir mais seguros”, pontua Alessandra sobre as conveniências do online.
Segundo ela, a pandemia colocou os psicólogos em um holofote quando “as pessoas perceberam que a saúde mental é tão importante quanto a física”. Mas acesso a esses profissionais, que deveria ser amplo, é falho devido à escassez de investimento do governo nesse segmento. De acordo com a OMS, apenas 2% do orçamento em saúde mundial é destinado à saúde mental. “Às vezes, as pessoas esperam meses. Às vezes, as pessoas não têm meses para esperar”, destaca a psicóloga.
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Psicológico de estudantes
“Esse vírus deixou estampado na nossa cara que a gente não tem controle sobre as coisas da nossa vida”, afirma a profissional. Essa foi uma das questões prejudiciais para os estudantes, principalmente aqueles que estão se preparando para prestar vestibular.
Mudança na escolha do curso, noites sem dormir e distrações que atrapalham a produtividade dos seus estudos. Essa era a vida da vestibulanda Lívia Alves Ferreira de Sousa, paulistana de 17 anos, antes de procurar ajuda psicológica. A fase dos vestibulares já causa ansiedade naturalmente, mas agora, na pandemia, a dificuldade de concentração e a incerteza são fatores que desmotivam a aluna.
Desde o 9º ano do ensino fundamental até o 2º do ensino médio, ela estava certa de que gostaria de ser médica. Foi durante a pandemia, e por causa dela, que Lívia começou a pesquisar outros cursos relacionados à medicina, e se encontrou na biotecnologia. Porém, seus estudos não andam fáceis por conta do EAD e das distrações com seus pais em casa.
O pior para a estudante é não ter um professor presencialmente para chamar a atenção. Sua rotina antes da pandemia começava às 4 horas da manhã e ela sentia que era mais produtiva. “Na minha escola não pode ligar a câmera, então qualquer coisa que acontece eu me distraio. Meu celular toca, vou ver, estou com sono, deito na cama. Não tenho pressão nenhuma. No colégio você não tem para onde ir, ou você presta atenção na aula, ou presta atenção na aula”.
Terapia para estudantes
Por causa de todas as noites mal dormidas pensando em seu último ano da escola em meio a uma pandemia, Lívia recorreu a Alessandra para conseguir manter o foco nos estudos. Além de aprender a lidar com o seu psicológico, a terapeuta mostrou à estudante possibilidades de organização.
Hoje, a paciente possui uma agenda com cronogramas semanais e mensais, com tempos de estudo e descanso. “Devemos ter um tempo para nós, principalmente nesse ano que tudo é inconstante”, diz a especialista. Mas mesmo com a ajuda terapêutica, falta motivação à estudante, que sente que com as aulas presenciais, teria uma chance maior de passar nos vestibulares. Ter seus amigos por perto na escola era um fator que ajudava, já que todos se apoiavam: “Aqui em casa não tem motivação nenhuma além de mim mesma”.
Para Lívia, o sentimento dos vestibulandos de não terem estudado o suficiente e não estarem preparados pode ter sido um dos fatores para o aumento da abstenção nos dias de provas. Pesquisa feita pela União dos Dirigentes Municipais, realizada em 2020, mostrou que quase 73% dos estudantes consideram o estudo remoto pior do que as aulas presenciais. “É um ano e meio de estudo que não valeu. Se eu pudesse, repetiria tranquilamente o terceiro ano porque gostaria de ter o ensino de qualidade que não estou tendo”, diz a estudante.
Devido aos impactos da crise sanitária na educação, as datas dos vestibulares foram adiadas. “Justamente no último ano ficamos nessa insegurança enorme, porque não temos noção de nada. Tentamos estudar, mas sentimos que o estudo não está rendendo”.
Terapia e sexualidade
Outras questões envolvendo sexualidade e corpo foram levados por Rodrigo e Lívia para Alessandra. A jovem, que sentia muita insegurança com o seu corpo, conseguiu refletir sobre esse aspecto com a ajuda terapêutica. “Ela pediu pra eu seguir algumas coisas body positive, foi me ajudando bastante, porque até então eu não conhecia esse tema”.
Já Rodrigo começou a ter questionamentos sobre a sua sexualidade e insegurança com relacionamentos. “Cheguei a procurar ajuda médica. Eu estava sem prazer de cunho sexual ou desejo em nenhum momento, me preocupava e fui me perguntando várias coisas ao longo de quatro meses para depois procurar ajuda psicológica. Só percebi na pandemia, por estar em casa”.
A terapia transformou a vida desses dois pacientes de Alessandra, ainda mais em um período tão turbulento. “Nesse momento, as pessoas estão extremamente desequilibradas. Nosso país é adoecido mentalmente, e a importância do psicólogo é trazer esse equilíbrio e sanidade mental para as pessoas”, destaca a especialista. Para o enfermeiro, “se todo mundo pudesse se terapeutizar seria maravilhoso, porque as pessoas se tornariam melhores para enfrentar qualquer situação da vida”.