Melhor desempenho olímpico da história do País contrasta com falta de investimento no esporte brasileiro
O desempenho do Brasil nas Olimpíadas de Tóquio foi o melhor já visto. O saldo foi de 21 medalhas: sete ouros, seis pratas e oito bronzes, que levaram o País ao 12º lugar na competição, mas não foram suficientes para incluí-lo no Top10. Não à toa, os líderes do quadro de medalhas são Estados Unidos, com 103 medalhas; China, com 88 e Japão, com 58. Os três países têm um importante fator em comum: o pesado investimento em atletas desde as categorias de base. atleta
Durante os Jogos Olímpicos, os brasileiros foram à loucura acompanhando os atletas nacionais nas diversas modalidades olímpicas. Mas junto à emoção, vieram à tona sérios problemas por trás da prática de esportes no Brasil. Apesar da melhor performance brasileira em Olimpíadas, não foram poucos os atletas que denunciaram a falta de apoio do governo, estruturas de treinamento precárias e dificuldades enfrentadas em meio à pandemia.
Bolsa Atleta
O governo comemorou o desempenho brasileiro nos Jogos e exaltou o Bolsa Atleta, programa de apoio à prática esportiva de alto rendimento. O benefício é dividido nas seguintes categorias: Bolsa Pódio, que paga de R$ 5 mil a R$ 15 mil para os que ficam entre os 20 primeiros no ranking mundial de sua categoria; Olímpica, que paga R$ 3.100 para os que representam o Brasil em Jogos Olímpicos ou Paralímpicos; Bolsa Internacional, que paga R$ 1.850 para os que ficam entre os três primeiros em campeonatos internacionais; e Bolsa Nacional, que paga R$ 925 aos que participam do evento máximo da temporada nacional.
Atleta da marcha atlética, Matheus Corrêa, 22 anos, reconhece que a iniciativa é uma das principais formas de incentivo ao esporte no Brasil. Ele lembra, no entanto, que o programa não teve reajuste desde 2010, e hoje não fornece nem perto do suficiente para profissionalizar os esportistas atendidos.
“R$ 925,00 hoje é uma mixaria. Um tênis custa R$ 700,00, em 2010 custava R$ 80,00″, diz. Outras questões levantadas por Matheus são a burocracia para ter acesso ao benefício, atraso de pagamentos e até mesmo casos de atletas fantasmas no programa.
Segundo o Globo Esporte, dos 301 atletas que foram a Tóquio, 242 recebem a Bolsa e 83 ganham as duas menores categorias. Além disso, 33 deles precisam atuar em outras áreas para se manter, como motoristas de aplicativo, empresários ou profissionais de educação física. Segundo Lucas Mazzo, 27 anos, terceiro melhor atleta de marcha atlética no Brasil, “muitos até começam no esporte, mas é muito difícil de se manter devido à falta de investimento. Eu, mesmo sendo vice-campeão brasileiro, ainda ganhava R$ 300,00 por mês. Agora que fui para as Olimpíadas, o salário vai aumentar, mas mesmo assim comparado a outras profissões e outros países, continua sendo muito baixo”.
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Para o atleta da marcha atlética, é difícil equilibrar outras necessidades da vida com o treino, especialmente um outro trabalho. Ele aponta principalmente a exaustão com os treinos em si e com o deslocamento até os locais adequados como principais empecilhos, o que é desestimulante.
Matheus concorda: “Não vejo por que seria estimulante ter que estar em outro emprego que não tem nada a ver com a sua modalidade para se sustentar. Isso não é esporte profissional, é esporte amador”.
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Descaso com o esporte
Mas o descaso com o esporte no Brasil vai além do sucateamento do Bolsa Atleta. Os cortes de verba e a extinção do Ministério do Esporte, transformado em uma secretaria subordinada ao Ministério da Cidadania, revelam a importância que o governo federal dá a esse setor. Ao mesmo tempo, a China, interessada em mostrar seu desenvolvimento e futuramente superar os EUA como potência nas Olimpíadas, tem planos de investir US$ 773 bilhões anuais no esporte.
A diferença gritante na quantidade de medalhas dos países é consequência do abismo de recursos investidos por eles. Para efeito de comparação, os atletas olímpicos dos Estados Unidos receberam um orçamento de mais de US$ 200 milhões apenas em 2020. Já o Comitê Olímpico Brasileiro recebeu cerca de R$ 293 milhões, o equivalente a aproximadamente US$ 56 milhões, no mesmo ano, obtidos de repasse dos recursos da loteria da Caixa.
“Se começar a investir hoje, o Brasil chega num nível de Japão, China ou Estados Unidos em, no mínimo, 50 anos”, projeta Lucas Mazzo.
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Ser atleta no Brasil
A infraestrutura precária para treinamentos também é criticada por Lucas. Segundo ele, muitas vezes é preciso ter criatividade pra treinar. Por conta dessa e de outras dificuldades, muitos atletas optam por deixar o Brasil. “Se um atleta brasileiro treina fora do País, pode ter certeza que ele tem um rendimento muito melhor. Quando eu vou para fora, eu faço meus melhores resultados, tenho melhores incentivos e melhor apoio”, afirma.
Em Tóquio, ele pôde treinar na pista de uma escola local, e compara: “A escola em que treinei tinha a estrutura de uma das melhores academias de São Paulo. Imagina uma criança que cresce com essa possibilidade e incentivo de treinamento, ela tem uma chance muito grande de crescer no esporte”.
Como atleta de um esporte individual, Matheus relata mais uma dificuldade enfrentada, a percepção de que o brasileiro tende a valorizar e acompanhar mais assiduamente esportes coletivos, mesmo que os individuais possuam grandes representantes. “O brasileiro é voltado muito para esportes coletivos, tipo futebol e vôlei, e não abre espaço pra outras modalidades que estão em ascensão”, opina.
Para eles, falta no Brasil a visão de que o esporte é um investimento com diversas formas de retorno para a sociedade, e não um gasto. Os atletas acreditam que novos rostos no esporte brasileiro não só movimentam o mercado, como ficou escancarado com a explosão de vendas de skates após a conquista da medalha de prata por Rayssa Leal, mas também dão esperança e servem de exemplo para todo o País.