Estudos comprovam os benefícios do aleitamento materno exclusivo até os seis meses, mas diversos fatores fazem com que mães deixem de amamentar
Dourado é a cor escolhida pela medicina para representar o mês de incentivo à amamentação. Não por acaso, e sim porque remete ao padrão ouro de qualidade do leite materno. De acordo com a pediatra e neonatologista Ana Paula Menini, 30 anos, o leite materno pode ser sempre considerado o melhor alimento para um bebê. Criada em 1992 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a campanha Agosto Dourado incentiva a amamentação, e tem como objetivo combater a desinformação sobre o tema e ajudar mães com dificuldades ao longo desse processo.
De acordo com a OMS e o Unicef, cerca de seis milhões de vidas são salvas todos os anos devido ao aumento das taxas de amamentação exclusiva até o sexto mês de idade. Pensando nisso e no desenvolvimento das crianças, “o Agosto Dourado simboliza a nossa luta para manter e estimular o aleitamento materno”, afirma.
Agosto Dourado: Benefícios da amamentação
A amamentação traz benefícios tanto para as mães quanto para os bebês. No caso das mães, a pediatra explica que amamentar “diminui os riscos de sangramento no pós-parto e as chances de se contrair câncer de mama ou de ovário no futuro”. Além disso, o aleitamento ocasiona a liberação de ocitocina (o famoso “hormônio da felicidade”) no corpo da mãe, trazendo uma sensação de tranquilidade.
Já para os bebês, os benefícios são inúmeros e a amamentação é fundamental para que eles cresçam com saúde. A pediatra cita, por exemplo, a liberação de anticorpos produzidos pela mãe no leite, e ressalta a importância disso no contexto da pandemia de covid-19: “Estamos vendo que mães que tiveram covid passam anticorpos pelo leite, e mães que tomaram a vacina também passam anticorpos pelo leite, esse é um dos principais benefícios”.
Além dos anticorpos, “há passagem de diversas proteínas, vitaminas e ácidos graxos que vão desenvolver o apoio neurológico para o bebê. Também há uma diminuição das chances de obesidade, hipertensão arterial e diabetes para ele lá no futuro”.
Existe, ainda, um benefício mútuo: a criação de um importante vínculo entre mãe e filho. “Já foi comprovado por estudos que os bebês que são amamentados, pelo menos exclusivamente até os seis meses, são mais bem sucedidos, seguros de si e têm uma autoestima melhor do que bebês que não foram”.
Agosto Dourado: Dificuldades de amamentar
Apesar de benéfica em muitos sentidos, a amamentação é cercada de dúvidas, fragilidades e impasses para muitas mães, que podem até mesmo desistir do aleitamento. Para Ana Paula, uma das principais dificuldades enfrentadas nesse momento são as dores: “Eu acho que o que mais bloqueia as mães de continuarem amamentando são as fissuras, as mastites e as lesões que elas têm”.
A pediatra afirma que praticamente 99% das dores são relacionadas à pega errada. “Existe toda uma técnica para colocar o bebê para mamar: ele tem que estar com a barriga encostada com a da mãe, tem que estar todo alinhado, ou seja, a cabeça com o ombro, com o joelho, com o pé. Quanto mais ele abocanhar a aréola, menos vai machucar. Só que no começo, o bebê ainda não sabe e acaba machucando”, explica.
Segundo a médica, apesar da ajuda de pediatras e da orientação de consultoras de amamentação, ainda existem muitos profissionais de saúde que não auxiliam as mães corretamente. “Às vezes, as mães chegam com várias angústias no consultório. Elas não são estimuladas a perseverar no aleitamento, é muito mais fácil preparar uma mamadeira com a fórmula infantil do que dar o seio para o bebê”.
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Agosto Dourado: Desinformação e fórmulas infantis
A “cadeia de vários pontos de desinformação”, como chama a neonatologista, é também um dos grandes motivos de desistência do processo de amamentação.
Muitas vezes, de acordo com ela, a culpa é dos próprios profissionais de saúde, desde médicos a enfermeiros, que falham em orientar as mães, muitas vezes recomendando fórmula infantil ao invés de ajudá-las e informá-las corretamente sobre a pega de amamentação, por exemplo.
Mas a desinformação está presente na sociedade como um todo. Por volta dos anos 1970 e 1980, a mídia exibiu o leite ninho (leite de vaca) como alimento superior ao leite materno. Depois disso, segundo Ana Paula, houve um aumento significativo nos casos de mortes de bebês por diarréias ou infecções intestinais.
Apesar de a maioria dos médicos saber que o leite materno é melhor, a propaganda das fórmulas infantis segue sendo abundante. “A indústria farmacêutica te faz pensar que o que está na lata é muito melhor do que o seu leite” diz a pediatra. “Elas [fórmulas infantis] vieram com uma promessa muito grande de vitaminas, sais minerais, DHA [Ácido-Docosa-Hexaenóico, para desenvolvimento neurológico]”. A médica completa: “Aí você pega aquela mãe que já está fragilizada, que já está com o seio machucado, não está dormindo à noite”, tudo isso acaba sendo o combo perfeito da indústria para fazer aquela mãe desistir de amamentar.
Agosto Dourado: Rede de apoio
Ter uma rede de apoio durante um momento que pode ser difícil é essencial, mas essa não é a realidade de muitas mulheres brasileiras. Afinal, são mais de 11 milhões de mães solos no Brasil, segundo dados do IBGE, e não é sempre que se pode contar com alguém da família.
Ana Paula conhece mães que amamentaram sem qualquer tipo de rede de apoio, e pode afirmar com segurança: “Quando se tem apoio, é 200 vezes mais fácil”. Ela acredita que a rede ajuda em momentos como “olhar uma fralda, segurar o bebê e acalmá-lo, pois assim ele vai ficar um período maior sem mamar, não vai precisar ir para o peito toda hora”. Além disso, ela lembra que o apoio deve ser também para a mãe, ou seja, fazer o almoço para que ela não precise se preocupar ou levar uma água enquanto ela amamenta. “A rede de apoio nunca é fazer as coisas para a mãe, é ajudar a mãe”, completa.
Apesar disso, a pediatra reconhece que, muitas vezes, a rede de apoio pode atrapalhar mais do que ajudar. A médica conta que muitas lactantes ouvem de parentes e até mesmo do pai do bebê que o leite materno está fraco ou que o bebê acorda a noite inteira porque está mamando no peito e que o ideal seria mudar para a fórmula. “Não adianta o pai ou a rede de apoio levar água e fazer almoço, mas à noite, na hora que o bebê chora, ficar falando ‘Eu acho que o seu leite tá fraco’. Porque fica uma pulguinha atrás da orelha da mãe, e tudo isso vai se somando”.
Agosto Dourado: Amamentar não é o problema, é a solução
Existem mães que, por questões biológicas (hipotireoidismo, por exemplo) ou por terem realizado cirurgias recentes (como de redução de seio), produzem pouco leite e precisam complementar a amamentação. Há casos, também, de mães que entram em depressão pós-parto e não conseguem amamentar sozinhas, precisando complementar a alimentação do bebê. Mas os casos em que a desinformação, as dores e os comentários alheios desestimulam a mãe a amamentar são muitos.
A médica reconhece que o aleitamento materno é complexo e envolve diversos fatores, e, por isso, ela defende que ele não seja romantizado. “Hoje em dia, a gente abre o Instagram, e todas as blogueiras que estão tendo filho têm foto com bebê amamentando. Existe aquela famosa foto da Gisele Bündchen amamentando enquanto maquiava e fazia o cabelo. Só que ninguém conta o time que tem por trás”, pontua.
Ela reafirma a importância do Agosto Dourado: “O culpado das coisas não é o aleitamento materno. Ele é a solução dos problemas, é como um coadjuvante no período do bebê recém-nascido e de como ele vai entender o mundo aqui fora”.