Jovens e especialistas discutem a saúde mental na pandemia e modos de lidar com ela. Segundo psicólogas, eles foram um dos grupos mais afetados
Os efeitos ao longo da pandemia na saúde mental de jovens e adolescentes ainda são incalculáveis, mas de acordo com a psicóloga Millena Valadares, “já temos altos índices de depressão, ansiedade, obesidade, vícios e até mesmo suicídios”. A partir disso, explica-se o fato de que há uma “pandemia pós-pandemia”, pois após o coronavírus, o legado das patologias mentais ficarão presentes na sociedade e é preciso tratar com cautela desses prejuízos. Ela explica que a “pandemia pós-pandemia” está relacionada à ansiedade, depressão e transtornos mentais. “A pandemia não se restringe apenas ao covid-19, mas também abrange outros fatores, como a saúde mental”, atesta.
Os jovens e adolescentes desenvolveram problemas psicológicos nesse período de isolamento social, uma vez que, assim como todos, tiveram de ficar distante de amigos e familiares, não puderam mais frequentar a escola, e passaram por uma adaptação abrupta ao modelo de aula remota. A especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental, Kalyandra Brandão, explica: “O estresse, o medo, as incertezas de como seriam os próximos dias, as próximas semanas, os próximos meses, o ano de 2020 e o ano seguinte, de 2021, causou um desgaste emocional, que gerou um impacto psicológico muito grande em todo mundo, principalmente nas crianças e adolescentes”.
De início, a reação de muitos jovens diante da quarentena foi positiva, pois consideraram que seriam apenas 15 dias de isolamento, tempo suficiente para relaxar, descansar e se aproximar da família. “Aproveitei o período para tirar férias, para desenvolver hábitos culinários e para cuidar de mim mesma, porque não imaginei que o vírus fosse tomar grandes proporções”, falou a adolescente Lorena Ribeiro, de 17 anos. Entretanto, o tempo passou e o período de isolamento social foi prolongado, o que fez com que o medo, a ansiedade e a depressão passassem a fazer parte do cotidiano de muitos adolescentes.
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A estudante Rafaela Pereira, 17 anos, fala que se sentia mais pessimista conforme o tempo de quarentena era prolongado. Isso fez com que sua ansiedade generalizada e síndrome do pânico fossem intensificadas nesse período, o que a fez perder o controle da rotina. Valadares conta que o Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) foi um dos problemas que mais cresceram entre jovens e adolescentes durante o período da pandemia. Por isso, muitos indivíduos passaram a enxergar o mundo com pessimismo, característica de pessoas que possuem o transtorno. Para a psicóloga, “há sempre formas de recomeçar, e fazer terapia é uma boa opção para isso”.
Durante os dias de isolamento social, as relações interpessoais também ficaram prejudicadas e a falta de contato físico fez com que muitos jovens se sentissem sozinhos. A adolescente Letícia Coelho, de 16 anos, relatou que se afastou tanto da família, quanto dos amigos, pois apresentou dificuldades para se relacionar com outras pessoas e essa solidão excessiva a fez desenvolver patologias não só mentais, quanto também físicas, como o diagnóstico de anorexia. Brandão explica: “O desgaste emocional passa para o patológico quando a gente não cuida das emoções como elas realmente deveriam ser cuidadas. O medo e o estresse, podem provocar falta de apetite e, embora não represente necessariamente um transtorno, precisa ser cuidado”.
Como lidar
Assim, Valadares ressalta a importância de ter uma assistência à saúde mental por meio de terapia, para que o adolescente possa aprender técnicas de autoconhecimento, autorregulação e para resolução de problemas. “A terapia é um espaço seguro e próprio para falar coisas íntimas, como o medo e outros problemas que a pessoa esteja passando”, afirma. Ainda assim, muitos jovens possuem dificuldade em buscar terapia, pois é preciso maturidade para compreender que nem tudo anda bem. A esse fato, soma-se o tabu e a ideia equivocada de que terapia é algo vergonhoso e representa sinal de loucura, visão que pressiona a sociedade.
Para vivenciar o isolamento social com mais leveza, os jovens e adolescentes recorreram à cultura, como filmes, séries e livros. “Virei cinéfila e assistia 5 filmes por dia”, diz Rafaela. Era através dos gêneros de psicanálise, comédia e ficção científica que ela poderia se distrair, ou até mesmo, se identificar com as narrativas assistidas. A jovem acrescentou ainda que perdeu o pai no dia da premiação do Oscar, e que os filmes do festival ajudaram a superar o luto daquele momento. “O mesmo dia em que descobri que meu pai morreu, foi o dia do Oscar e aquele dia foi uma mistura de sentimentos, pois não sabia se estava feliz por acompanhar o Oscar, ou se estava triste por ter recebido a pior notícia da minha vida. Cinema virou uma paixão para mim”, relata a jovem, que sente falta da normalidade antes da pandemia.
Kalyandra Brandão cita os ensinamentos da pandemia para o futuro e para a psicologia. “A pandemia trouxe a lição de que precisamos esperar as coisas acontecerem, que estamos sempre em busca de algo e que a gente não tem controle de tudo”. Já para Rafaela, o aprendizado foi de viver mais intensamente: “Somos seres frágeis e não podemos aguentar tudo sozinhos. Temos que ser nós mesmos e desapegarmos dos bens materiais, pois da vida não levamos nada”.