Manicures e clientes relatam dificuldades enfrentadas durante a crise e como se desdobraram para manter os negócios nesse período
O som conflitante de conversas banais sobre celebridades e coisas da vida e de secadores de cabelo que trabalham incessantemente configura o ambiente: seja o mais luxuoso do Jardins ou o pequeno estabelecimento de esquina de um bairro pequeno, todo salão de beleza é igual. Eles abrigam tanta cor quanto cada um dos vidrinhos de esmalte nas prateleiras suspensas e nas mãos das manicures. Dados não falham em admitir tanta vida: segundo a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC), o setor apresentava, nos últimos dez anos, um crescimento anual de 4,1%.
As perspectivas para 2020 eram promissoras – cerca de 6% para o novo ano. Porém, sem aviso, não se ouviu mais os secadores. Muito menos as conversas e até mesmo as risadas. O silêncio, tão incomum, tornou-se o único som que habitava o espaço.
Um milhão de salões de beleza, segundo dados do Euromonitor, abriam suas portas diariamente e tinham agendas lotadas de segunda a domingo. “Eu sempre fiz questão de separar uma parte do meu dinheiro para ir, pelo menos uma vez por semana, fazer minhas unhas”, conta Carla Silva, de 48 anos. Já para Adriana Lopes, era um respiro da rotina atarefada de ser mãe e bancária: “Um tempinho para cuidar de mim mesma”. No entanto, com a chegada da pandemia do coronavírus, muitos desses salões fecharam as portas pela última vez.
Considerados serviços não essenciais pelo Plano São Paulo – estratégia do governo estadual para combater a covid-19 com base nas medidas restritivas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) – o crescimento no setor de serviços relacionados à beleza sentiu o impacto. “Eu fiquei com a agenda vazia, coisa que era difícil de acontecer. Chegava a ter que encaixar clientes, agora eu tinha o dia quase todo livre”, relata Daiane Oliveira, 35 anos, conhecida como Dai, manicure há 12 anos.
Do outro lado da Cirandinha
“Há quanto tempo eu sei fazer a unha? Não sei. Acho que não sei fazer até hoje”, brinca Dai, uma das milhares de manicures no País que enfrentaram – assim como enfrentam até hoje – dificuldades financeiras, pessoais e profissionais. Diante de um cenário impremeditado, tais mulheres viram-se enfrentando um dilema que definiria seu sustento: prosseguir suas atividades da forma como conheciam ou ousar em se reinventar por inteiro.
Magali Germano de Souza, há dez anos no ramo, desde o princípio da sua carreira desempenhou suas atividades presencialmente. “O salão é algo que me desperta um sentimento muito forte de segurança. É como se eu estivesse na minha própria casa mesmo”, conta a manicure de 37 anos. Para ela, que sempre atendeu em pequenos estabelecimentos de bairro em Guarulhos, as clientes e seus colegas de trabalho eram extensão de sua família, pois o ambiente e as relações causavam essa atmosfera de afeto.
“Quando tudo fechou, eu me senti sem rumo. Tanto que a decisão de continuar atendendo presencialmente, mesmo com os riscos e a diminuição da procura pelo meu serviço, foi necessária para eu me manter bem”, continua Magali. De março a julho de 2020, a manicure continuou atendendo suas clientes, com horário reduzido, no estabelecimento de portas fechadas. Isso porque ela temia pelo pior.
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“No começo, fiquei com muito medo de não conseguir pagar minhas contas, de não ter dinheiro para comer. Dependo do público para conseguir trabalhar, sem ele, fico sem meu sustento e do meu filho”, explica Dai sobre sua maior preocupação com a chegada da covid-19. O salão que a manicure atendia era uma pequena loja de fachada vermelha localizada no bairro do Tatuapé, Zona Leste de São Paulo. Como onde Magali trabalha, os atendimentos continuaram mesmo de portas fechadas, também com horários reduzidos. Para Daiane, contudo, atender a domicílio se tornou mais lucrativo do que atender no salão.
“Fui achando um jeito de me encaixar às necessidades das minhas clientes, já que muitas delas começaram a me pedir para atender em casa, porque tinham medo de se expor ao risco. A princípio foi mais difícil, pois eu estava acostumada a elas virem até mim, mas fui me ajeitando e hoje consigo organizar melhor meus dias de trabalho” relata Dai.
Manicures na pandemia
“Tinha que fazer no sábado antes, né? Que é o dia que tenho para fazer tudo que não fiz durante a semana. Agora é muito mais cômodo. Estou trabalhando em home office, posso escolher um horário vago para fazer minhas unhas e já tenho isso resolvido”, conta Adriana, cliente semanal de Dai. “Além disso, quando o salão reabriu, não me senti segura em voltar a frequentar lá, por conta do risco e das pessoas que se recusam a usar máscara direito”.
Da mesma forma que a bancária Adriana temia em ser atendida presencialmente, Carla, cliente da manicure Magali há dois anos, tinha o mesmo medo. “A questão é que eu dependo dela”, explica. “Por causa disso, eu fiquei sem saída e tive que acabar indo no salão, mas lógico, no primeiro horário disponível. Isso porque nessas horas, mais cedinho, costuma ser bem menos movimentado”.
Carla e Adriana, ainda que tenham encontrado soluções diferentes para uma mesma questão, alegam ter as mesmas preocupações com a saúde e aparência. “Ah, pelo amor de Deus, não dá para ficar mais de duas semanas sem fazer as unhas”, diz a bancária com humor. “Eu reparo nessas coisas, não consigo ficar sem até para uma reunião remota.”
A opinião de Carla é similar e, para ela, vai além. O fato de regularmente tirar um tempo para cuidar de suas unhas é benéfico, pois, para ela, ultrapassa a questão da aparência: a empresária também realiza em sua casa, às quintas e sextas-feiras, a faxina da semana, atividade que exige um contato manual excessivo com produtos de limpeza e água, os quais prejudicam a saúde das unhas; ela sente que frequentar à manicure semanalmente garante a resistência e força das mesmas.
Frutos das adversidades
Para além das manicures, o impacto da pandemia do coronavírus foi percebido em todos os setores. Das grandes companhias aos pequenos empreendedores e até mesmo os trabalhadores autônomos – ainda que nem todos tenham se reinventado de forma radical – foram compelidos a pensar sua rotina a partir de outro ponto de vista, diferente do que estavam habituados. Em alguns casos, a mudança compensou.
“Antes da pandemia, eu atendia 25 clientes de quinta a sábado. Com o início dela, caiu para 15. Hoje, atendendo em casa, tenho 35 clientes mensais. Tenho semanas boas, outras maravilhosas e outras muito ruins, mas aprendi que é um dia pelo outro”, finaliza Daiane.