Hortas urbanas emergem como possibilidade factível, a ONG Cidades Sem Fome possui modelo aplicável à realidade paulistana através da ocupação verde
Soninha Francine, ex-chefe de gabinete da Secretaria de Relações Internacionais da Cidade de São Paulo, compareceu em junho de 2021 ao 14º Curso Descobrir São Paulo, Descobrir-se Repórter, organizado pela Oboré em parceria com a Escola do Parlamento. A entrevista foi feita tendo a revisão do Plano Diretor como plano de fundo. Segundo a ex-vereadora, a Secretaria em que atua é uma “secretaria meio”, ou seja, faz o intermédio para que os acordos da cidade fossem cumpridos internacionalmente.
A cidade de São Paulo faz parte do C40, uma conexão de 40 cidades do mundo com o compromisso de contribuir com a causa climática e planejar um futuro mais sustentável. Junto a isso, Francine mencionou acordos e financiamentos feitos em parceria com cidades da Europa, indiretamente ligadas à UE (União Europeia). Segundo ela, as ações ocorrem de maneira gradativa.
A UE realizou convocatória para projetos relacionados ao combate da insegurança alimentar, o escolhido foi o da cidade de Milão, na Itália. Mas, em seguida, Milão abriu um projeto similar, que resultou no Pacto de Milão sobre Política de Alimentação Urbana. Nele, a capital paulista se compromete com a articulação de governos ao redor do mundo que privilegiam e reconhecem o compromisso nas políticas de agricultura urbana e segurança alimentar.
As ocupação verde em São Paulo
Francine aponta que grande parte das parcerias realizadas internacionalmente têm forte relação com a ocupação verde de terrenos ociosos. Ou seja, ocupar terrenos vazios com praças, jardins e hortas. O Relatório 2020 da Função Social da Propriedade, feito pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, aponta que dos 1.736 imóveis ociosos notificados pela prefeitura, 598 são não edificados e 263 são subutilizados. Sendo estes passíveis de uma ocupação verde.
A ex-vereadora pelo Cidadania, atesta que essa prática pode se dar de diferentes maneiras, o fundamental é que não se mantenha um vazio subutilizado. “Uma área vazia pode ser subutilizada, ou pode ser vazia e bem utilizada. Um bem utilizado é aquele vazio que você tem um maciço vegetal urbano de biodiversidade que sirva como ponto de parada para animais, por exemplo”, por outro lado, aponta que um estacionamento é um vazio mal utilizado, já que poderia dar lugar a uma locação social.
Unindo as duas últimas pautas postas, a da segurança alimentar e a necessidade de ocupação de imóveis inutilizados, surge como proposta a ocupação verde, que Francine aponta como um leque para diferentes possibilidades. “Podemos estar falando de horta para abastecimento local, comunitária. Pode ser educativa, algo que não tem a função de alimentar as pessoas, mas que tenha contato com a produção de alimento. Gerar a familiarização com os processos e com os diferentes produtos, preservando a cultura alimentar”, afirma ela, que apresenta também hortas com fins comerciais, capazes de reduzir os preços dos alimentos para a população local.
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A relação entre sociedade e as hortas urbanas
Hans Dieter Temp, fundador da ONG Cidades Sem Fome, apresenta as vantagens da iniciativa para a sociedade em diferentes espectros, sendo eles social, econômico e ambiental. “As hortas urbanas possuem uma elevada capacidade de geração de emprego e de renda. Permitem a criação de empregos sustentáveis a custos relativamente baixos”, afirma Temp, que aponta como benefício a ocupação de áreas sem utilização específica, que abrem espaço para moradias de risco, destruição do meio ambiente, criatórios de mosquitos da dengue e núcleos de violência. Isso, soma-se ao valor estético de espaços verdes e a formação de microclimas.
Em relação à segurança alimentar, Temp destaca: “As hortas urbanas reduzem a insegurança alimentar das famílias participantes na medida que aumenta o acesso à comida – especialmente a alimentos frescos e ricos em nutrientes”. Esse fator se torna ainda mais importante devido à crise presente.
A inflação no preço dos alimentos aumentou a fome e emergiram movimentos para a arrecadação de cestas básicas, a ONG Cidades Sem Fome chegou a doar 17.500kg de alimentos em cestas que continham, majoritariamente, alimentos produzidos pela ONG, para pessoas em situação de vulnerabilidade social. Segundo o fundador, “a maioria das famílias pobres chega a gastar entre 60-80% de sua renda em comida e os beneficiados com as hortas urbanas podem fazer esse gasto cair para 20-30%”.
Questionado sobre a implementação de hortas urbanas como política pública, Temp avalia que não faltam motivações para fazê-la, tendo em vista o exemplo da ONG que, segundo ele, cumpriu seu papel de desenvolver modelos de projetos, metodologias e expertises que possam ser usados pela sociedade. Mas, Temp aponta o que falta: “o que aconteceu foi a não adesão do poder público da expertise que criamos. Ela está disponível, porém não há articulação e interesse visível nesse momento pelos governantes para ser transformada em política pública”, encerra.