Para Marcelo Favalli, analista de política internacional da CNN, Elon Musk tem muito a ganhar com negócios no Brasil; Bolsonaro, por sua vez, aproveita uma oportunidade de promoção pessoal
Na manhã de 20 de maio, sexta-feira, o presidente da República Jair Bolsonaro encontrou-se com o bilionário americano Elon Musk em um hotel de luxo de Porto Feliz, interior de São Paulo. O magnata é conhecido por ser o homem mais rico do mundo, com um patrimônio estimado de 218 bilhões de dólares.
A pauta oficial da reunião foi a consolidação de uma possível parceria comercial entre Musk e Bolsonaro. O megaempresário pretende fortalecer a conexão de rede em zonas rurais do Brasil por meio do Starlink, serviço de internet e braço de sua empresa aeroespacial, a SpaceX. De acordo com a proposta, cerca de 19 mil escolas nestas condições seriam contempladas em todo o país. A iniciativa foi oficialmente nomeada pelo governo brasileiro como Conecta Amazônia.
Propostas e pautas
A Starlink é um sistema de fornecimento de rede via satélites que operam em baixa órbita (entre 500 e 2 mil km de altitude), possibilitando a conexão em locais remotos ou de difícil acesso. Na ocasião, Musk considerou também a possibilidade da tecnologia ser usada para monitoramento ecológico da região amazônica.
O presidente ainda ofereceu ao norte-americano a possibilidade de exploração de reservas minerais de nióbio e grafeno, mas a proposta foi recusada. Temas adjacentes também foram pautados, como liberdade de expressão e o atual cenário político do país. Na iminência das eleições presidenciais, Bolsonaro afirmou ao bilionário que só perderá o pleito se houver fraude nas urnas. E, referindo-se ao magnata como “mito da liberdade”, o presidente destacou a recente aquisição do Twitter por Musk, conhecido por um histórico de declarações polêmicas em defesa do “livre discurso” na internet.
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Entusiasmo e honraria
Entusiastas de Bolsonaro comemoraram o evento nas redes sociais. O termo BolsoMusk ganhou destaque no Twitter, entrando na lista de assuntos mais comentados na plataforma no dia do encontro, com pelo menos 53.000 menções de usuários.
A reunião também foi muito celebrada pelo presidente, que concedeu ao empresário a medalha da Ordem do Mérito da Defesa. A honraria é tradicionalmente conferida a civis e militares que prestaram serviços de grande relevância às Forças Armadas. O prêmio foi entregue a Musk no dia do evento, embora tenha sido oficializado somente na última terça-feira (24/05), mesmo dia em que a aeronáutica confirmou o futuro lançamento de dois satélites brasileiros por meio da SpaceX.
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Interesses escusos de Musk
Embora a parceria seja vista com bons olhos por membros do governo e apoiadores de Bolsonaro, há preocupações a respeito da integridade da Amazônia com a implantação do Starlink, bem como das ameaças que a proposta viria a representar para a soberania nacional. O serviço poderia ser apenas uma porta de entrada para que a SpaceX passe a explorar recursos minerais presentes em território amazônico.
As reais intenções de Musk e Bolsonaro com o projeto ainda são dúbias, ainda mais considerando a possibilidade do monitoramento virar um agente facilitador de práticas ilegais na região. Nos últimos 4 anos, o desmatamento da floresta no estado do Amazonas teve um aumento de 55,22%, tornando o indíce o maior dos últimos 15 anos. Marcelo Favalli, analista de política internacional da CNN, respondeu a ESQUINAS sobre os desdobramentos da reunião e o que realmente motiva cada uma das partes envolvidas.
ESQUINAS: De modo geral, quais são os impactos políticos da parceria firmada entre Elon Musk e Bolsonaro?
Marcelo Favalli: Vamos fazer um exercício de possibilidades e probabilidades. Elon Musk oferece levar internet a zonas de sombra no norte do Brasil, em especial sobre a Amazônia. Se o projeto se concretizar, será um avanço social. Milhares de pessoas – principalmente em comunidades ribeirinhas, áreas agrícolas e tribos indígenas – terão acesso inédito a Wi-Fi de alta qualidade. Resultado ainda mais eficiente se veria nas escolas, que poderiam usufruir de conteúdo jamais sonhado. Sem falar como a conexão pode vir a ampliar a capacitação de professores e trabalhadores de toda ordem. Estamos falando de acesso livre à informação.
Agora, em questões práticas: não adianta ter sinal Wi-Fi de supervelocidade se estas mesmas comunidades não tiverem celulares, tablets ou computadores que recebam o sinal. Daí começa a necessidade de políticas públicas que forneçam hardware equivalente.
Levando a discussão para o campo da política nua e crua, haverá um monte de representantes do Executivo e do Legislativo querendo “surfar” nesta onda. Não é preciso ser nenhum cientista político para entender que um sinal de internet de alta qualidade em áreas remotas traz um enorme capital político. É uma excelente munição para quem quiser se promover.”
ESQUINAS: Em um momento eleitoral, é possível dizer que o encontro entre Bolsonaro e Musk pode ser visto como uma tentativa do presidente de melhorar a imagem de seu governo e ganhar votos?
Embora as campanhas ainda não tenham sido oficialmente lançadas, está muito claro quem serão os protagonistas da disputa pelo Palácio do Planalto. Extraoficialmente, a corrida eleitoral já começou. E cada pingo vira letra. Qualquer movimento ajuda ou prejudica o candidato. Assim sendo, o homem mais rico do mundo – e alguém midiático como o Elon Musk – aceita um encontro público com alguém que tenta se eleger… É claro que o fato é um prato cheio para a propaganda eleitoral. Qualquer candidato teria dito sim.
ESQUINAS: É válida a preocupação de que Musk teria, sobretudo, um interesse econômico na Amazônia, e não apenas uma preocupação com o monitoramento ambiental?
Mesmo que o monitoramento seja apenas pela informação, hoje a informação vale muito. Estamos na era da tecnologia de dados. A Amazônia é um dos biomas mais pouco explorados do mundo. A diversidade da floresta não foi catalogada por completo. Não podemos esquecer que o subsolo da região é rico em petróleo e uma gama de minerais cobiçados pela indústria. Existe, hoje, uma caça por jazidas não descobertas de lítio, por exemplo, que é a matéria-prima das baterias. Não nos esqueçamos que estamos no começo da era dos veículos elétricos, um dos negócios de Musk.
Outro detalhe que ajuda a explicar o interesse de Musk no Brasil: a base de Alcântara, no nordeste. Existem poucos pontos de lançamento de foguetes no hemisfério sul. As bases estão, basicamente, nos Estados Unidos, na Europa e na China. Pontos de lançamentos diferenciados dão à missão uma vantagem estratégica.
Agora, a parte pessimista da história: a disposição de Musk em abrir filiais das suas empresas aqui no Brasil ainda não está clara. O Brasil enfrenta o maior processo de desindustrialização em 30 anos. Estamos passando por um desmonte da nossa capacidade industrial. Um dos motivos é a falta de mão de obra qualificada. Se Musk apostar em abrir empresas dele por aqui, vai se deparar com esta dificuldade… Se é que ele já não sabe.