Professores da rede estadual de Piracicaba comentam que, além da aprendizagem, os impactos na sociabilidade e no emocional dos alunos se destacam como as principais barreiras
“Quando o ensino presencial voltou, eu vi que eles tinham muita saudade da socialização. Queriam conversar e bater papo. Foi muito complicado porque eles se acostumaram a não ter uma rotina, e se adaptar de novo foi bastante difícil”, conta Danielle Barbosa, 32 anos, professora de ciências na escola Estadual Sud Mennucci – localizada no centro da cidade de Piracicaba.
Em 2020, por decorrência da pandemia de covid-19, houve a migração das atividades escolares para as plataformas online, tanto na esfera pública quanto privada. Rodrigo Ratier, professor de Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero e colunista do UOL na área de de educação, aponta como o Exame Nacional do Ensino Médio serve como um indicativo de retrocesso na área nesses dois últimos anos. “O Enem de 2020 foi uma irresponsabilidade. Realizada em plena segunda onda da pandemia, teve uma taxa de não comparecimento de mais de 50%, foi um recorde”, comenta.
Uma amostra desse impacto são os resultados do Enem das edições de 2020 e 2021, que revelavam um alto índice de faltas. “Foram os anos em que tivemos duas edições com as notas mais baixas”, analisa o professor.
Agora, com a medida da prefeitura de retorno ao presencial, os professores afirmam que existem dificuldades em reintegrar as crianças na rotina escolar. Mais do que apenas o aprendizado, a parte de sociabilidade dos alunos foi comprometida devido ao isolamento.
A educadora Jéssica Barbosa, 24 anos, atua como professora de inglês para os anos finais do ensino fundamental na Escola Estadual Prof. Dr. João Chiarini, em uma região mais periférica de Piracicaba. Ela retrata que vivenciou muitos conflitos entre alunos e percebe que as crianças estão muito relutantes e impacientes. “A pandemia impactou muito na questão de socializar, aceitar o próximo, aceitar regras, seguir a rotina, entender que estão em uma escola e que existem normas”, relata.
As diferenças do ensino público e privado
Para quem trabalha na área, é muito visível os impactos do ensino remoto na aprendizagem. Os profissionais que tiveram contato direto com os alunos analisam que a maior dificuldade dentro da rede pública foi devido à falta de recursos disponíveis, como acesso à internet, e a falta de equipamentos, como celulares e computadores.
Ainda, comentam sobre o impacto da falta de uma estrutura familiar e de incentivos dentro de casa. “A família e o valor que ela dá para os estudos, isso faz as diferenças entre a escola pública e particular aumentar cada vez mais”, opina Danielle.
Em contrapartida, nas escolas da rede privada, professores relatam que os impactos foram menores. “Eu vi muito mais adesão na escola particular em que eu cheguei a lecionar. A participação era de 98% da turma, eles tinham acesso à internet e amparo da família para participar das aulas e continuar o aprendizado”, conta Jéssica.
Os impactos a longo prazo para os professores
“Os alunos chegaram a uma defasagem enorme e vários já estavam prejudicados antes mesmo da pandemia, com a falta de professores de matemática e português”, conta o professor de história Gabriel Miranda, 26 anos, professor da Escola Estadual Jethro Vaz de Toledo, também na periferia de Piracicaba.
Durante o ensino remoto, a maior parte das escolas não utilizou plataformas digitais que possibilitam a aula ao vivo. No caminho contrário, as tarefas eram enviadas pelo Whatsapp ou por e-mail. Em alguns casos, as famílias retiravam as atividades na própria escola.
Quando havia aula síncrona, “a adesão dos alunos não era muito alta, média de 12 a 15 alunos por sala. A maioria ficava com o áudio e câmera desligados, prejudicando o trabalho de mediação”, diz Gabriel.
A educação pública já manifesta os efeitos negativos causados pela falta de estrutura na pandemia. Os resultados da prova Saeb, exame amostral nas escolas para alunos de transição entre Fundamental I, Fundamental II e Ensino Médio, foram “trágicos”, avalia Ratier. “No 5º ano, só metade da aprendizagem esperada em Língua Portuguesa, por exemplo, foi atingida. Então, temos uma situação muito difícil de perda da aprendizagem”, complementa.
Ainda na visão do jornalista, faltam ações e políticas públicas de reconstrução e recuperação desse cenário. “É difícil quantificar em quanto tempo vamos conseguir recuperar essa aprendizagem. Já existem especialistas que falam que é uma geração que terá dificuldade para se inserir no mercado de trabalho”, afirma.
Estratégias para o retorno no primeiro semestre de 2022
“A escola tem adotado algumas medidas, como um trabalho de tutoria coletiva e individual , na qual cada aluno tem um professor tutor responsável por estabelecer esse contato mais próximo com seus alunos tutorados”, conta Gabriel sobre a realidade na escola que leciona. “Os professores, em conjunto com os coordenadores de área, elaboraram um plano de reforço e aprofundamento”, completa.
“A rotina vai sendo implementada devagar. Assim, o aluno vai tendo a noção, ao longo dos meses, que é necessário seguir regras e isso faz muita diferença no dia a dia”, conclui a professora Danielle. Para além da aprendizagem, professores percebem que o emocional das crianças está bem abalado. “A escola trabalha até onde pode. Também, dependendo do caso, consegue dar encaminhamento para o aluno ser atendido por um profissional da saúde. A meu ver, eles necessitam muito de um auxílio psicológico nesse momento”, afirma a professora Jéssica.
Para Gabriel, a volta das relações e dinâmicas da escola de fato abriram caminhos para um olhar mais sensível e afetivo dos professores com os alunos. “Muitos alunos perderam entes queridos para a doença, sinto que eles voltaram mais apáticos com pouco interesse na aprendizagem”, desabafa. Dentro desse cenário, ele avalia que as dinâmicas de acolhimento aos estudantes são cruciais para que as crianças sintam prazer em estar na escola.