Baixa qualidade de ensino nas escolas públicas, aumento do desemprego, preconceito e desigualdade configuram os principais desafios enfrentados pelos alunos
Com o aumento da taxa de desemprego, decorrente do atual cenário econômico, os níveis de desigualdade sem precedentes configuram um dos principais desafios enfrentados por alunos do ensino superior privado. Nesse contexto, a busca por alternativas para manter a matrícula e conquistar o tão sonhado diploma tem se tornado um processo cada vez mais desafiador, visto que os efeitos nocivos da crise econômica têm acentuado outras prioridades aos alunos que, muitas das vezes, precisam encerrar ou trancar os estudos para suprir outras necessidades.
Esse grupo reflete o estudante que não recebeu o conteúdo necessário no ensino médio, o aluno que precisou adiar a graduação para contribuir em casa, o recém-formado que não conseguiu espaço no mercado de trabalho, dentre outros. Por dentro de como é essa realidade, Fernanda Rosa, 23 anos, recém-formada em gestão financeira pela Faculdade FECAF, relata os principais desafios advindos de um cenário econômico de incertezas.
“Entrei no mercado de trabalho em 2018. Depois de um ano, percebi que só cresceria profissionalmente a partir da adição de um curso superior no meu currículo. Como não tive uma boa performance no Enem, optei pela faculdade privada. Nos dois anos seguintes, meus pais, motoristas de transportes coletivos, ficaram desempregados. Foi quando passei a ser a única fonte de renda da minha casa e precisei trancar a faculdade. Só no final de 2020, quando fui promovida, que pude retornar para a universidade”, conta Fernanda.
A insuficiência de opções
Alguns estão finalizando o ensino médio e sentem a pressão de conquistar uma cadeira nas universidades; outros, recém-chegados à faculdade, precisam declinar o sonho por conta de adversidades financeiras.
Nessa conjuntura, Rodrigo Ratier, professor de jornalismo na Faculdade Cásper Líbero e doutor em educação pela Universidade de São Paulo (USP), acredita que os programas de bolsa e financiamento estudantil já não são caminhos atraentes para o ingresso ao ensino superior privado, uma vez que a crise financeira e a alta no desemprego trouxeram, simultaneamente, redução no número de bolsas ofertadas e modelos de pagamento menos acessíveis.
“No ensino superior privado, a tendência é que muitos cursos presenciais passem a ser ofertados apenas em EAD, por menor custo de infraestrutura e valores mais acessíveis. Prova disso é a pesquisa realizada pelo Censo da Educação Superior de 2021, do Inep, que registrou pela primeira vez um número maior de ingressantes em cursos à distância do que em cursos presenciais”, comenta o professor, que ainda destaca o impacto da inflação na educação superior:
“Em tempos de pandemia e com o aumento da inflação, entre os jovens, as taxas de desemprego são o dobro da população em geral, sobretudo entre pardos e negros, com índice de desocupação de 50%. Nesse cenário, programas como Prouni e Fies trouxeram propostas menos acessíveis e tiveram uma redução muito grande no número de alunos inscritos”, aponta Rodrigo.
Para Caio Matos, 20 anos, barbeiro autônomo, o ensino superior ainda é uma realidade distante, visto que a captação de verba para a mensalidade é um dos seus principais desafios. “Me formei no ensino médio em 2019, mas só no início de 2021 consegui pegar firme nos estudos para corrigir a defasagem do ensino público. Para garantir uma boa nota no Enem e uma bolsa pelo Prouni, entrei em um cursinho preparatório na minha cidade. Porém, embora contratado em um supermercado local, o valor da mensalidade dos cursos oferecidos ainda não cabia na minha realidade, o que tornou impossível entrar na faculdade mesmo com o desconto do programa”, conta Caio.
As unidades particulares para os alunos de baixa renda
“Em uma gestão particular, a universidade depende da mensalidade dos alunos. Em função da crise financeira, nós estamos perdendo estudantes e tendo dificuldade para preencher as turmas”, afirma Adalton Diniz, mestre em história econômica pela Universidade de São Paulo e coordenador do vestibular da Faculdade Cásper Líbero. Para o economista, os impactos financeiros a alunos de baixa renda são compreendidos pela gestão de universidades privadas. No entanto, além do enfrentamento ao preconceito e injustiças, políticas públicas são a única solução para resolver o problema.
“É louvável que as universidades particulares ofertem bolsas de estudo e reservas de cotas, mas isto é suplementar. A raiz do problema está em políticas públicas, a partir do investimento pesado no ensino básico, no franqueamento de acesso e novas ofertas de bolsas de estudo. Nessas instituições existe um ingresso muito grande de alunos carentes, que só conseguem ingressar pelo Prouni. Infelizmente esses candidatos sofrem muito preconceito por parte dos alunos de maior poder aquisitivo”, comenta Diniz.
Corroborando com essa percepção, Vicente Darde, doutor em comunicação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador de cursos de comunicação social do Centro Universitário das Américas – FAM, ressalta que o aumento no índice de desemprego, que atualmente é de 11,1%, de acordo com dados do IBGE, é apenas uma das preocupações que reverberam nos desafios enfrentados pelos alunos no cenário atual, sobretudo para graduandos de universidades privadas, que precisam quebrar barreiras restritivas na jornada universitária.
“Não basta contar com apoio emocional quando existe a falta de recursos básicos em casa, escassez de oportunidades no mercado de trabalho e obstáculos sociais, como desigualdades e preconceitos, que tornam o processo ainda mais difícil para que os alunos consigam atender seus anseios e expectativas de carreiras”, alega Vicente.