Apesar de apreciarem o caráter mais prático do currículo, maior preocupação dos alunos segue sendo o vestibular; Entre os especialistas, o maior impacto reside no aumento da desigualdade
“O que pode acontecer, e já está acontecendo, é menos pessoas se inscreverem em faculdades públicas e participarem do Enem”, afirma Rodrigo Ratier, professor de jornalismo na Faculdade Cásper Líbero e colunista do UOL especialista em educação. “É um exame que está se tornando cada vez mais elitizado”, completa sobre o novo modelo do ensino médio.
A crítica vem sobre a visão da aplicação do Novo Ensino Médio, que entrou em vigor, oficialmente, no ano de 2022. A mudança veio com o objetivo, segundo o Ministério da Educação (MEC), de garantir a oferta de educação de qualidade a todos os jovens brasileiros e de aproximar as escolas à realidade dos estudantes. Mas será que essa medida está sendo eficaz?
Contraste entre o ensino médio público e privado
De acordo com Amani El Zahab, professora de Biologia que trabalhou na rede estadual em 2021, as exigências dos novos itinerários não são alcançadas por nem metade dos alunos das escolas públicas. Fato que se confirma em um levantamento feito pela Rede Escola Pública e Universidade (Repu), no qual é apontado que 22% dos itinerários formativos não possuem professores. “Isso equivale a dizer que durante um dia na semana os alunos não estão tendo aula”, ressalta Ratier.
Segundo o MEC, os itinerários formativos foram criados para que estudantes se aprofundem nos seus estudos nas áreas de conhecimento de suas preferências. “Mas como existirá um aprofundamento sem uma ter tido uma base boa anteriormente?”, critica Amani. E Ratier acrescenta: “Eu acho que a intenção é boa, mas não ter a participação dos estudantes na proposta aumenta as desigualdades que já existem na nossa educação”.
Além disso, um grande problema acerca da reforma em escolas públicas se encontra na modalidade online. Ainda na pesquisa feita pela Repu, é mostrado que 90,3% das turmas só possuem seus itinerários de modo online, ponto que é negativo na visão de Amani. “Os itinerários nas escolas públicas precisam de estrutura, conexão à uma internet estável e que alunos possuam dispositivos com acesso a ela”.
Na contramão das escolas públicas, a forma como o novo sistema está sendo aplicado em algumas escolas particulares é totalmente distinta. “Nas escolas particulares, a pessoa tem várias possibilidades de construção para o seu conhecimento. Em algumas houveram até contratações de novos professores e revisões de currículo”, conclui Rodrigo.
A reforma pelos olhos dos alunos
“Esses itinerários estimulam não só quem gosta da parte teórica mas, principalmente, quem não gosta, e essas pessoas passam a aprender de uma outra forma”, diz Vitória Mares, 17 anos, estudante de uma escola particular de São Paulo. “Vejo que o ensino nas escolas sempre foi muito monótono, porque era só ‘leia, responda, resolva, escreva”, completa.
Opiniões como a de Vitória também foram notadas em entrevistas com outros alunos, como a de Rafael Dias, 15 anos, estudante de rede particular na Bahia. Rafael opina que aulas como essas tiram o costume de decorar conteúdo e acrescenta: “isso facilita muito a maneira como absorvemos as coisas e ajuda com que consigamos ter um melhor rendimento”.
“Quando eu percebi o que seria esse novo método fiquei com um pouco de medo”, afirma Letícia Azevedo, de 17 anos e estudante de um Programa de Educação Integral (PEI) em Pernambuco. Contrastando com os outros alunos, Letícia conta que se sente insegura por estar passando pelo último ano do ensino médio e só ter vivenciado o novo modelo agora. “Me preocupa a probabilidade de uma mudança no ENEM”.
Sophia Gonçalves, de 16 anos e aluna de uma escola particular paulistana, divide uma opinião similar. “Estou perdendo uma parte enorme do conteúdo. Tenho mais aulas de itinerários do que aulas de matérias comuns, que são extremamente importantes para o vestibular”. Segundo ela, em sua escola é dada somente uma aula na semana de matérias como Biologia, Física e Química, e é o fator que mais a preocupa. “Quando penso nesses pontos, fico apavorada e com medo”, acrescenta.
Processo da implantação do Novo Ensino Médio
A mudança no modelo de ensino começou a ser discutida em 2014, quando se incluiu no Plano Nacional de Educação (PNE) uma renovação do ensino médio. Segundo o projeto, o ensino deveria passar a ter abordagens interdisciplinares estruturadas pela relação entre a teoria e a prática.
Após o Impeachment de Dilma, Michel Temer conclui a ideia da reforma com algumas mudanças que não agradaram os jovens. Por consequência, houveram protestos estudantis, iniciados em 2016, com as ocupações em escolas estaduais. “Foi uma proposta controversa, porque o Governo Temer não dialogou com o processo de ocupação” aponta Rodrigo.
O projeto só foi aprovado em 2017, e suas mudanças começaram a surgir a partir do ano seguinte, com as reestruturações na Base Nacional Curricular Comum (BNCC). É a partir dela que o ENEM baseia suas pautas, ao contrário de outros vestibulares tradicionais, como a FUVEST. Esse ponto preocupa Amani, visto que o que está sendo aplicado em escolas públicas é somente o que o Currículo Comum apresenta, diferente da maioria das escolas particulares. “Acredito que possa haver ainda mais uma desigualdade entre jovens que estudaram em escola pública com outros de escolas particulares, por isso eu jamais seria contra cotas”, pontua.
Enem como a grande preocupação
Apesar de possuir uma boa impressão pelos alunos, majoritariamente de escolas particulares, o ENEM é o aspecto de maior preocupação entre eles. “O ensino público possui uma desvantagem muito grande em relação ao ensino particular. Então, a crítica que se faz é: a concorrência é igualitária, de fato?”, questiona Adalton Diniz.
A visão de Adalton sobre os processos seletivos é de que a impessoalidade é um ponto essencial dentro dos vestibulares públicos, por conta da ampla concorrência existente. “Esse é um caráter importante porque o número de candidatos supera o número de vagas disponíveis”, afirma. Porém, segundo Diniz, em faculdades particulares acontecem o contrário. Existe um problema de captação de alunos e por isso, estão sendo aplicados sistemas mais criativos de seleção. “E esses sistemas são mais adequados ao novo ensino médio”, conclui.
A crítica que Amani faz em cima desse processo é sobre a maior elitização que a reforma pode causar nas universidades públicas, que, em teoria, são os alvos dos estudantes de escolas públicas.
De acordo com o MEC, a mudança no ENEM virá em 2024. Os impactos da implantação desse novo método de ensino já estão sendo sentidos, agora resta observar as próximas consequências dessa ação.