Devido a denúncias dos consumidores que não conseguiram comprar entradas para os shows do Coldplay e Avril Lavigne, a empresa foi acionada pelo Procon. Confira os relatos:
Com a filha e a esposa fãs da banda Coldplay, Antonio Bernardes, de 60 anos, decidiu que iria comprar ingressos para um dos shows dos britânicos no Brasil. No dia 12 de abril, dia oficial de abertura das vendas, às 10h da manhã, no escritório em que trabalha, pegou seu computador e entrou no site da organizadora Eventim. Para sua felicidade, notou que os ingressos estavam disponíveis. Mas, ao tentar efetivar seu pagamento, apareciam como esgotados. “Os ingressos apareciam como disponíveis, mas ao tentar comprá-los, se tornavam esgotados – e isso acontecia com as entradas de todos os setores, fossem as entradas meias ou inteiras.”
Antonio foi uma dentre várias pessoas que tiveram, problemas com a CTS Eventim, segunda maior empresa do mundo em venda de ingressos. Fundada em 1989, na Alemanha, ela possui sede em seu território até os dias de hoje e encontra-se em 26 países do globo, comercializando mais de 100.000 ingressos para cerca de 180 mil eventos por ano.
Em um contexto onde grande parte das populações foram vacinadas contra a covid-19 e países flexibilizaram suas medidas preventivas contra a pandemia, em 2022 eventos e shows voltaram a acontecer massivamente ao redor do mundo. Dessa forma, com tamanha proporção de shows e de público tentando comprar ingressos, a Eventim sofreu graves bugs em seu sistema, deixando muita gente que passou horas em uma fila virtual, de forma injusta, sem conseguir comprar bilhetes para ver os artistas que ansiavam.
Em abril deste ano, a entidade de defesa do consumidor, Procon-SP, notificou a empresa Eventim sobre o rápido esgotamento das entradas dos shows da banda Coldplay, as quais foram comercializadas pela companhia. O evento – que inicialmente aconteceria nos dias 15 e 16 de outubro de 2022, no Allianz Parque, em São Paulo, mas que, devido a alta demanda do público, logo recebeu mais quatro shows extras, nos dias 18, 19, 21 e 22 de outubro –, esgotou seus ingressos em questão de minutos.
O Procon-SP foi amplamente acionado, por meio de suas redes sociais, por consumidores insatisfeitos com os serviços da Eventim. Eles questionavam o motivo pelo qual os ingressos se esgotaram tão rapidamente e lamentavam por não conseguir ir ao show da turnê Music of the Spheres do grupo britânico no Brasil. Por isso, o órgão exigiu que a Eventim comprovasse a carga de ingressos disponíveis, além de explicar quais foram os mecanismos adotados para evitar a venda de entradas por terceiros. O prazo para a apresentação das informações era até o dia 20 de abril.
No entanto, em maio, foi noticiado que a Fundação Procon de São Paulo julgou insuficiente a resposta dada pela Eventim. “Apesar de a empresa declarar que o encerramento precoce da venda dos ingressos ocorreu em razão do sucesso de público e crítica da banda e informar que utiliza mecanismos antifraude no site e políticas de validação de documentos de compra no momento da retirada dos ingressos, não encaminhou nenhuma documentação de auditoria.” disse o Procon em comunicado oficial.
As alternativas por fora da Eventim
No caso de Antonio Bernardes, para poder contornar a situação, apelou para um site cambista e submeteu-se a pagar cerca do triplo do valor original de venda dos ingressos, gastando cerca de três mil reais em apenas dois: “E nem eram os melhores lugares: eram apenas duas cadeiras inferiores, como eles chamam. Mal me importei com valor na hora, o que me levou a um grande arrependimento depois”.
O arrependimento foi porque, ao conversar com a esposa e a filha, chegaram à conclusão de que o valor gasto era absurdo. Assim, Antônio iniciou a tentativa de devolver os tickets e estornar o valor gasto. Por sorte, obteve sucesso, mas, pelos problemas da Eventim, sua filha e esposa continuam sem ingressos e ainda na ânsia por assistir seu ídolo Coldplay. “É frustrante. Depois de tanto tempo de lockdown, o entretenimento não deveria ser motivo de estresse, mas sim de alegria”, desabafa.
Antonio e sua família não foram os únicos a ficarem decepcionados com os serviços da Eventim para a compra de ingressos da banda Coldplay. Depois de não ter obtido sucesso em nenhuma das cinco tentativas anteriores, Sarah Matos, 22 anos, jundiaiense e estudante de biologia da Universidade Paulista, resolveu se preparar antecipadamente para o que seria sua sexta investida para compra de ingressos da banda britânica. “Eu já tinha tido uma boa experiência comprando ingressos para a Fórmula 1 na Eventim, então eu não perdi as esperanças em conseguir o ingresso para o Coldplay. Resolvi fazer diferente das outras cinco vezes em que tentei comprar o ingresso em cima da hora, e me planejar”, explica a estudante.
Confiante e otimista, Sarah colocou o despertador para não perder o horário, abriu o site da Eventim com uma hora de antecedência em dois dispositivos diferentes: smartphone e notebook, e ficou atualizando a página de cinco em cinco minutos. Às 9:55, em seu celular, Sarah foi direcionada para a fila virtual e para a felicidade da estudante, em quatro minutos foi encaminhada para a seção de compra de ingressos. A felicidade durou pouco. Ao selecionar a opção meia-entrada pista, e chegar até a incluir o ingresso no carrinho de compra, Sarah foi informada pelo site de que os ingressos estavam esgotados.
A estudante até tentou comprar o ingresso em outros setores, mas sem sucesso. “Totalmente desanimador. É um descaso com o cliente que não tem a oportunidade real de comprar os ingressos porque em aparentemente quatro minutos todos estão esgotados. Curiosamente os ingressos para idosos e PCD são os primeiros a acabarem. O pior é que quando entro em grupos de compra de ingressos, as pessoas estão vendendo por R$1.000,00 um ingresso que custa R$350,00. Frustrante e injusto”, relata Sarah.
Outros eventos, mesmos problemas
A história se repetiu em relação ao show da cantora Avril Lavigne em São Paulo – que também teve seus ingressos comercializados pela empresa e esgotou em menos de dez minutos –, gerando ainda mais denúncias de consumidores nas redes sociais da entidade de defesa do consumidor contra a Eventim.
Após oito anos, Avril Lavigne, cantora pop-punk canadense, anunciou sua volta aos palcos brasileiros com uma apresentação única em São Paulo. O show, que acontecerá no dia 7 de setembro, no Espaço Unimed (antigo Espaço das Américas) teve um cenário idêntico ao da banda Coldplay: ingressos comercializados pela empresa Eventim e esgotados em questão de minutos.
Amanda Pavilhão, 20 anos e estudante de jornalismo, foi uma dentre inúmeros dos fãs de Avril Lavigne que não conseguiram garantir o seu ingresso para a turnê “Luv Sux”. Amanda, muito fã desde nova, desta vez, deixou de ir nos jogos universitários da Faculdade para guardar dinheiro e estava animada para comprar seu lugar na pista premium (área mais próxima do palco) e ficar na grade.
A ansiedade era tanta que às nove da manhã, uma hora antes das vendas começarem, Amanda já estava no site da Eventim em três dispositivos diferentes: um celular e dois computadores. Mas, não adiantou. De acordo com ela, quando era por volta das 10:01 os ingressos já haviam esgotado, fazendo Amanda questionar se realmente era possível o esgotamento em menos de um minuto ou se não foi erro do site. “Sinceramente, se realmente tivesse esgotado em 1 minuto, acredito que isso viraria manchete em tudo quanto é lugar”, conta.
Para testar a sua teoria, selecionou a opção como se fosse portadora de deficiência física (pois o evento disponibiliza assentos especiais para esse público) para ver se realmente havia esgotado. Nesse momento, o site começou a aparentar diversos bugs: quando selecionava a opção para comprar o ingresso, Amanda realizava todas as etapas de compra e no final era notificada que não era possível concluir pois já estava esgotado.
Ainda indignada, Amanda entrou no Instagram e no Twitter da empresa para ver se a situação ocorreu apenas com ela e, para sua surpresa, se deparou com comentários furiosos de fãs frustrados que enfrentaram o mesmo problema:“Entrei no Instagram deles e vi uma multidão de gente xingando a Eventim nos comentários. Então pelos menos sei que isso não aconteceu só comigo.”
Amanda desabafou sobre o descaso da empresa:”O que me deixou mais chateada é que isso aconteceu mais de uma vez, no caso, com os ingressos para o Coldplay. Isso significa que eles tiveram a oportunidade de corrigir os seus erros. As pessoas já haviam reclamado antes e ocorreu exatamente o mesmo problema. Que empresa é essa que diz se importar com os consumidores e não fazem nada quando estão insatisfeitos?”.
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Futuro incerto da Eventim
A empresa não formulou um pedido de desculpas aos fãs ou mesmo se pronunciou sobre o ocorrido, deixando Amanda ainda mais frustrada. Ela, que nunca havia acessado o site da Eventim, conclui: “Infelizmente a primeira impressão é sempre a que fica, e no meu caso foi péssima. Se os ingressos de algum show que eu quiser ir forem vendidos pela Eventim, eu não vou!”.
O Procon entrou em cena novamente e convocou a Eventim para uma reunião para discutir o rápido término das entradas para os shows que a empresa comercializa. O encontro ocorreu no dia 27 de maio mas ainda não houve um pronunciamento oficial do Procon ou da Eventim sobre o seu desfecho. A reportagem tentou contato com a Eventim e com a assessoria do Procon nos dias 3 e 10 de junho e, até a data desta publicação, não obteve resposta de nenhuma das duas partes.