No comício realizado no último sábado (20), os apoiadores de Lula definiram o sentimento da campanha de 2022: “Luta e Esperança”.
Na linha azul do metrô, em uma manhã fria de sábado, duas jovens conversam sobre uma figurinha estampada no peito de um homem que embarca na estação Paraíso: “Acho tão complicado, na época ele estava do outro lado”, “Pelo menos ele dá acesso a votos que o Lula sozinho não teria”. O papo se estendeu até a estação São Bento, onde as três figuras desembarcaram para seguir em direção ao comício da campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
No último levantamento do Datafolha (18), o petista registrou 47% das intenções de voto. E desde muito antes do horário marcado para o início do comício, no metrô e nas ruas a caminho do Vale do Anhangabaú, o público eleitor de Lula já dava as caras; mostrando sua variedade, quantidade e energia por onde passava, como a Maria Sônia (45), professora do ensino infantil que desde cedo estava na condução, carregando a “confiança de que o Brasil vai voltar a sorrir”. “Tenho esperança que o ‘véio’ ganha em primeiro turno”, afirma a professora.
“Esperança” foi o espírito adotado pela coligação de Lula, que reúne a maior quantidade de candidatos em 2022 – dados de plataforma do TSE, apontam que a chapa do ex-presidente concentra 8.259 registros de candidaturas. Quando perguntada sobre o clima do povo no sábado, Mariana Gomez (47), doula argentina do Coletivo Democracia Corinthiana (CDC), comenta:
“O clima é quente, estamos aquecidos pela esperança. Seguimos a todo vapor, com alegria e com amor na rua”.
Em meio ao “clima de festa”, como aponta Thomas dos Santos (45), as pessoas balançavam bandeiras, cantavam pela volta de Lula e, quando o “maestro dava o tom”, dançavam ao som do forró que tomava o Vale do Anhangabaú. Mas, também não deixavam de exprimir sua insatisfação com o atual governo, gritavam no meio do povão “falta comida no prato, o salário não dá pro gasto”, mas os sorrisos voltavam aos rostos quando respondiam: “É Lula eleito no primeiro turno, temos esperança, companheiro”.
As faces da esperança
“Eu sou da panela quente, batalhadora que quer pôr comida no prato” grita Nídia Alícia, que em 2020 foi candidata a vereadora de Barueri pelo PSL, enquanto estava pendurada na grade vestindo seu moletom da extinta União Soviética.
O fervor e o clamor de Nídia não eram só dela, mas compartilhados pelo público em geral. De acordo com a organização do evento, 70.000 pessoas teriam comparecido ao “Ato pela Democracia”, contudo uma medição feita pela USP calculou que 9580 pessoas teriam comparecido ao Vale do Anhangabaú naquele dia, menos de 10% da expectativa que o PT tinha para o comício.
Apesar da baixa adesão, para os que olhavam de dentro a quantidade de pessoas que estavam ali era “suficiente pra eleger o Lula, Haddad e França em primeiro turno”, de acordo com a aposentada Rosângela da Silva (58), que veio de São Vicente só para dar suporte ao seu ex-prefeito, Márcio França.
A impressão que causou essa expectativa veio do fervor do público. O escoamento para acessar o Vale era lento por conta da revista, e o burburinho causado pelo acúmulo de pessoas na Avenida São João era suficiente para inflamar as pessoas antes mesmo de acessar o local do evento. E, se não fosse suficiente a ocupação do Anhangabaú, membros da Coalizão Negra por Direitos ainda acompanhavam o comício do Viaduto Santa Ifigênia, onde estenderam um bandeirão clamando “pela vida do povo negro”.
As crianças e jovens que circulavam entre adultos e idosos no evento animavam os olhos dos militantes que se mobilizaram naquela manhã de sábado: “Fico animada com o interesse dele. Quando vejo ele, um jovem engajado, fico feliz”, comenta a fisioterapeuta e mestranda de 25 anos, Vitoria Silva, que acompanhava a família e se emocionou com o engajamento do sobrinho Cristian Silva, que aos 16 anos veio de Santos para “passear e conhecer isso aqui”. Logo que acessou o Vale, o estudante achou legal e diferente a mobilização das pessoas, disse estar aprendendo muito sobre a importância e decisão do voto.
Apesar de ainda não estar integralmente inserido na política, o papel de Cristian no sábado faz parte da pauta do comício. Como um observador buscando aprendizado, o jovem entra em contato com o ambiente democrático e as discussões inseridas nele. É consenso e credo das pessoas lá presentes que é assim que a Democracia se constrói, com diálogo e aprendizado, como aponta a tia do Cristian. Na visão de muitos dos presentes, no atual cenário Lula é a representação da democracia:
“É democracia ou barbárie, e o Lula representa a democracia frente ao momento grave do fascismo e ataques do Bolsonaro”.
– Sonia Guajajara, candidata a deputada federal pelo PSOL, em entrevista para a Revista Esquinas.
E foi assim, jovem e buscando se inserir no debate que o João Modesto (24), estudante de Geografia na UFSCar, ingressou na União da Juventude Socialista (UJS). O estudante conta que está na luta desde a época da ocupação das escolas estaduais e da Alesp contra o “roubo da merenda”, quando Geraldo Alckmin, candidato a vice pelo PSB, ainda era governador.
Para João, “a juventude é a força motriz da sociedade, traz a força viva de mudar radicalmente a sociedade que a gente vive para fazer o Brasil voltar aos rumos do desenvolvimento”, que para ele, só pode ser assegurado trazendo oportunidade de trabalho e seguridade, que por sua vez “traz esperança pro povo”.
Para as eleições de 2022, o TSE registrou uma marca histórica de jovens eleitores. Entre janeiro e abril, 2.042.817 novos eleitores entre 16 e 18 anos se registraram, um crescimento de 47,2% em relação à última eleição geral.
Mas não é só de jovens e estudantes que se faz o eleitorado de Lula. O músico e educador de 62 anos, Vanderlei Banci, ri ao lembrar que acabou de chegar na terceira idade. Mas energia não falta para o militante, que chega para o comício tocando seu trompete, animando e querendo “engrossar o caldo. O comício precisa fortalecer, mostrar ideias e lutar pra que o Lula se eleja e se manter”.
O educador clama por justiça social por achar inaceitável ver crianças e PCD’s nas ruas tendo de pedir esmola por conta da crise causada pelo atual governo. Um clamor que não é só dele. Apesar de diverso, é notável a grande adesão de camadas mais vulneráveis da sociedade à campanha de Lula, pois como comenta Rosângela, “o Bolsonaro gosta de rico, de pobre não gosta não. Já deu o mandato dele, se ele continuar o Brasil afunda”.
A última pesquisa do Datafolha também apontou os perfis dos eleitores, que evidenciam a realidade descrita por Rosângela. Enquanto o atual presidente tem maior intenção de votos entre pessoas brancas (38%) e pessoas com renda maior que 10 salários mínimos (43%); Lula pontua melhor entre eleitores autodeclarados pretos (60%), moradores do Nordeste (57%) e até entre quem recebe ou mora com alguém que recebe Auxílio Brasil (56%).
O ex-presidente também pontua bem entre eleitores com renda de até 2 salários mínimos (55%), como o aposentado de Guaianases, bairro da zona leste de São Paulo, conhecido como “Boi na Brasa”. Filho e irmão de guerrilheiros da Liga Camponesa que foram perseguidos pela ditadura, “Boi na Brasa” chama atenção por chegar ao comício empinando sua cadeira de rodas: “Quando o Lula esteve no governo, teve fartura, eu quero isso pra minha linhagem, meus netos e bisnetos. Aquilo que meu pai plantou eu já colhi, agora é hora de lutar por eles, pra nossa família e pra nossa nação”.
Veja mais em ESQUINAS
Jamil Chade: “O nome ‘Bolsonaro’ passou a ser reconhecido por crime ambiental”
Estudantes expressam indignação com ataques de Bolsonaro à democracia
40 dias de luta e Lula
Assim como “Boi na Brasa”, Marcelo de Souza, pedagogo, “quer o melhor pra nossa nação”. Marcelo ficava colado na grade onde estava o corredor por onde passavam o pessoal da imprensa, e a cada figura que andava pelo corredor ele barrava o caminho e pedia: “Toca na bandeira!”.
Marcelo veio de Birigui carregando a bandeira do Brasil, símbolo que foi muito associado aos apoiadores de Jair Bolsonaro que exaltam seu patriotismo. Mas, para o pedagogo, patriotismo não é só segurar sua bandeira, é pensar sua sociedade como um todo, querer o melhor pra nação: “Quem tá aqui hoje é muito mais patriota do que eles”, comenta.
Para Mariana Gomez, que junto do coletivo estendeu a grandiosa bandeira do país que ficou estampada no centro do Vale do Anhangabaú, a bandeira também representa essa luta por uma nação melhor, ela a vê como “um símbolo das mulheres, dos negros e dos pobres do país”.
A diarista E.D.M. (58) veio ao comício escondida da família, não queria ser vista e reconhecida no “ato do Lula”, mas estava aberta a conhecer suas propostas. Quando ela viu o bandeirão no meio do Vale, relembrou que “a bandeira pertence ao país, não aos partidos. Uma prima tava falando mal da bandeira por causa do Bolsonaro, mas a bandeira não é dele”, e em seu senso de indecisão sobre qual candidato ganharia seu voto ela complementa “seja quem for eleito eu tenho que apoiar pelo melhor do nosso país”.
O ambiente democrático estabelecido no sábado se mostrou aberto a todos, tanto Cristian, que estava sendo introduzido à roda, quanto E.D.M., que ainda estava indecisa. Mas, a grande maioria já estava decidida sobre quem seria o melhor para o país:
“Nosso voto é de esperança, por um futuro que a gente já conheceu um dia, pra que volte um governo democrático e que priorize o povo”, exclama a fisioterapeuta Vitória.
No meio da multidão, uma idosa de terno vermelho se destaca ao subir em um banco de pedra, ela então grita “volta Lula! Volta!”, enquanto uma senhora ao seu lado acaricia uma pelúcia do ex-presidente. Entre os relatos do público, os motivos eram variados:
“Quando ele foi presidente, o Bolsa Família deu dignidade pras pessoas, eu me formei graças ao Bolsa Família. Minha mãe veio da Bahia pra cidade grande tentar uma vida melhor depois da seca no nordeste, mas mesmo assim passou perrengue com FHC, agora, quando o Lula foi eleito ela dizia ‘tamo comendo carne por causa do Lula’”.
Vitória Silva, 25 anos, fisioterapeuta e mestranda
“Quem mora na América Latina sabe que o Brasil é o pulmão, então precisamos defender a democracia no Brasil com unhas e dentes.”
Mariana Gomez, 47 anos, doula, do CDC
“O Bolsonaro representou uma tragédia pros povos indígenas e pra Amazônia, como o Lula e com a presença indígena vamos promover um outro projeto de país”
Sonia Guajajara, 48 anos, candidata a deputada federal (PSOL)
Mas no cerne de todas as diversas reivindicações dos apoiadores de Lula, há dois sentimentos comuns: Luta e esperança. A revolta das pessoas é contra “uma política de ódio, que precisamos tirar do poder” como aponta Carolina Alves (35), assessora parlamentar que estava no comício com a bateria do Bloco Feminista.
O atual presidente com a dita “política do ódio” tem promovido ataques às urnas eletrônicas e aos seus opositores, instigando raiva nos apoiadores. O ódio promovido tem dado força para bolsonaristas realizarem discursos contra a democracia e ataques físicos contra opositores, como nos casos do grupo de Whatsapp de empresários que defendem o golpe e no episódio do assassinato do tesoureiro do PT no Paraná.
Acompanhada da mãe, que sempre foi militante e marcou presença em diversos atos ao longo dos últimos anos, Vitória relembra: “Nunca vi o nível de desrespeito que eu vejo nesse governo em outras disputas eleitorais. Antes tinha debate, agora não. O pessoal do Bolsonaro incentiva que tem que matar o opositor”.
Assegurar a democracia é um dever pelo país para pessoas como o Marcelo, que balança a bandeira do Brasil enquanto entoa: “Fora Bolsonaro! Pra ter certeza de que a democracia vai prosperar e que o Brasil vai ter esperança de novo!”. E para uns, é a história de toda a sua vida, como “Boi na Brasa” que se emociona ao lembrar da luta do pai: “Nem por sonho pode acontecer do Bolsonaro ganhar e continuar saudando a ditadura. Temos que lembrar dos camaradas que morreram aqui nesses porões, quartéis e delegacias”.
Hoje, dia 23 de agosto, marca o final da primeira semana de campanha eleitoral. O comício, que foi “o primeiro passo para dar um gás no povo”, como apontado pelo Jocelino, começa a definir o clima que os apoiadores de Lula trazem para a campanha de 2022.
Ao final do ato, Rafael Borges (18), sobe em cima de um latão de lixo e comemora o que viu naquele sábado: “Estamos emocionados, com esperança para mudança e renovação. Antes estava meio incerto, agora tem expectativa pela mudança”.
Mas, a luta dos movimentos populares não para por aí. Mesmo com a eleição de Lula, João Modesto acredita que o governo do petista ainda não vai mudar a sociedade, será só um começo. E mesmo antes da eleição, a professora de geografia e secretária de educação da CTB-SP, Mara Kitamura, relembra que “ainda faltam 40 dias para a eleição, tem muita luta pela frente, mas a expectativa é de só melhorar e subir, temos esperança”.