Com apuração ágil e voto seguro, tecnologia da urna eletrônica brasileira é exemplo internacional; conheça a história do sistema e o que está por vir
A urna eletrônica brasileira é responsável pela contabilização de votos nas eleições há mais de 20 anos. Consiste em um aparelho eletrônico lacrado com CPU e software próprio. O dispositivo possui em seu interior um cartão de memória interno que armazena os votos de maneira criptografada, garantindo a segurança das informações ali contidas e evitando fraudes. A contabilização dos votos registrados pelas urnas é inteiramente digital e feita por computadores do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A urna também possui um terminal biométrico, que é utilizado para conferir a identidade do eleitor. Assim que o período de votação é encerrado, a urna, que está vinculada a uma pequena impressora, emite um boletim que registra o encerramento da votação e inicia a contabilização dos votos em cada uma das máquinas.
O eleitor brasileiro já está acostumado com essa tecnologia, mas você sabe a história do desenvolvimento do nosso sistema de votação? Relembrar a história das urnas – bem como o que está por vir em futuras eleições – é ainda mais importante num contexto conturbado como o de 2022, no qual o tema vem sendo pautado no sentido de descredibilizar as urnas.
História da urna eletrônica
Até os anos 90, o eleitor tinha que preencher cédulas com seus respectivos votos a mão e sua contagem era feita uma a uma por um grupo de pessoas, motivo o qual demorava vários dias para obter o resultado final do turno. Esse processo não era 100% seguro, por não ter a segurança do sigilo e da inviolabilidade das eleições.
Em entrevista à ESQUINAS, o cientista político e pesquisador Hesaú Rômulo explica o modelo anterior de contagem de votos: “Havia muito mais casos de corrupção. Mais indícios de instabilidade e mais perspectiva de questionar as urnas e os resultados. Abrir uma recontagem de votos com um sistema de papel causava muito transtorno institucional ao sistema político”.
A ideia de tornar as votações informatizadas vem desde 1930 e, apesar de terem sido elaboradas inúmeras tentativas, nenhuma conseguiu suprir as necessidades da Justiça eleitoral.
Os ninjas: anos de estudo e pesquisa
Somente em 1985 isso começou, de fato, a ir para frente, quando a Justiça exigiu o cadastro único e mecanizado dos eleitores numa tentativa de evitar fraudes. Assim, foi criada uma comissão dentro do TSE responsável por criar e programar a urna a fim de agilizar e assegurar a legitimidade dos votos.
Essa comissão, formada por três engenheiros, ficou conhecida como “Os ninjas“, já que os três profissionais do comitê tinham descendência japonesa: Paulo Nakaya, Osvaldo Catsumi Imamura e Mauro Hashioka. O representante dessa comissão era Giuseppe Janino, que hoje é secretário de Tecnologia da Informação do TSE.
Após dez anos de estudos e pesquisas, em 1996, os votos de mais de 32 milhões de brasileiros, cerca de um terço do eleitorado da época, foram coletados por cerca de 70 mil urnas produzidas para aquelas eleições municipais. Foram 57 cidades participantes com cerca de 200 mil votantes e entre elas, 26 capitais. Apenas em 2000 as urnas atingiram todas as regiões do Brasil, tornando o processo de votação 100% informatizado, como acontece nas eleições atuais.
Vale lembrar que a urna eletrônica brasileira foi projetada e construída por brasileiros e para brasileiros. Todo o design e funcionamento do sistema foi moldado segundo as particularidades, necessidades e realidades únicas do nosso país – é um símbolo, portanto, de orgulho nacional. Ainda sobre isso, Hesaú Rômulo afirma: “O próprio presidente da República vem questionando a confiabilidade das urnas eletrônicas. Faltando poucas dias para as eleições, a retórica de questionar o processo eleitoral é mais com uma estratégia política de antecipação de uma eventual derrota que necessariamente é algo muito mais sério”.
Acusações do presidente
Desde as eleições de 2018, o presidente Jair Bolsonaro vem questionando a confiabilidade das eleições realizadas de forma eletrônica. Mesmo sendo desmentidas pelo TSE, Bolsonaro insiste nas acusações contra o sistema eleitoral brasileiro. O presidente nunca apresentou as devidas provas para as acusações.
A mais recente das investidas ocorreu em agosto de 2022. Em entrevista à Rádio Guaíba, Bolsonaro afirmou: “Que maravilha de sistema esse que ninguém quer, a não ser Bangladesh, Butão? Venezuela, também parece que usa esse negócio [urna eletrônica]”.
A delação foi logo desmentida pelo TSE, que afirma que, de acordo com o Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Social (IDEA Internacional), 23 países utilizam urnas com tecnologia eletrônica para eleições gerais e outros 18 as utilizam em pleitos regionais – entre eles estão o Canadá, a Índia e a França, além dos Estados Unidos, que têm urnas eletrônicas em alguns estados.
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Embaraço com embaixadores
Muitas são as preocupações relacionadas à relação entre os ataques de Bolsonaro às urnas e as eleições que se aproximam. No dia 22 de agosto, o presidente foi entrevistado pelo Jornal Nacional e, questionado pelo apresentador William Bonner se respeitaria o resultado das eleições, respondeu que sim, “desde que [os resultados das eleições] sejam limpos”.
Pouco antes, em 18 de julho, foi realizada uma reunião com embaixadores e diplomatas, em que Bolsonaro criticou as urnas eletrônicas, voltou a defender o voto impresso e se utilizou de acusações nunca comprovadas para alegar fraudes contra o sistema eleitoral. Em 10 de agosto, o YouTube tirou o vídeo do discurso do ar, acompanhado da Procuradoria Geral Eleitoral, que solicitou ao TSE que o registro fosse banido da internet.
Desde então, a equipe de campanha do presidente vigente tenta colocar as alegações como “águas passadas”, escondendo possíveis alegações de Bolsonaro quanto à confiabilidade das eleições. Independente das acusações, foram realizados estudos, pesquisas e testes nacionais e internacionais que comprovam a eficiência das urnas eletrônicas.
Urna eletrônica em debate
A questão da confiabilidade das urnas não surgiu exatamente agora. “Não existe nenhuma tendência de questionamento das decisões, o único episódio triste de questionamento das decisões foi feito no segundo turno das eleições entre Dilma e Aécio, que foi decidido por uma margem bem pequena dos votos e, mesmo assim, com toda a proteção e confiança que as urnas oferecem. Mesmo assim, o candidato Aécio colocou em xeque aquela decisão popular”, relembra Carolina Botelho, Cientista Política e Pesquisadora do Laboratório de Estudos Eleitorais, de Comunicação Política e Opinião Pública.
“Naquele momento aquilo pareceu de um modo um pouco mais inocente, embora não fosse, do que hoje. Virou, assim, um forte recurso de pessoas que não defendem o sistema eleitoral, que tentam atacá-lo, usar como desculpa para descredibilizar os processos e as decisões da população”, completa a pesquisadora.
Carolina relembra ainda que existem testes de proteção realizados pela Justiça Eleitoral desde que a urna eletrônica foi implantada, com uma regularidade aos técnicos para evitar que o processo seja passível de fraude. “A novidade é o presidente retirar o crédito das urnas, a despeito dos testes de confiabilidade e evidências de segurança, que são altíssimas e atualizadas de tempos em tempos, a fim de manter o grau de segurança delas e da justiça eleitoral”, comentou.
Vale ressaltar que a defesa das eleições é um exercício que tem que ser feito em qualquer democracia do mundo de forma frequente, com todas as instituições engajadas e orientadas na defesa dela. “A defesa das eleições é importante em qualquer democracia, tá? Não só no Brasil, mas qualquer uma do mundo, assim como os instrumentos de segurança do processo democrático e de participação da população dos cidadãos no processo democrático”, afirma Carolina.
Isso porque as eleições antes, sim, eram fadas a fraudes; com o papel, existia muito mais chance de redutos com lideranças coronelistas ou políticas que dominam a parte da força impor o voto. No momento em que se implementam as urnas eletrônicas no processo eleitoral brasileiro, a chance de fraude cai quase a zero.
Hesaú também comenta sobre as urnas e a democracia. “Podemos dizer que a democracia é um sistema eleitoral em que os partidos políticos aceitam a derrota nas urnas, já que se trata de um ciclo político de 4, 8 ou 5 anos. Há a possibilidade de tentar novamente a preferência do eleitorado. Questionar a lisura das urnas é romper com esse acordo básico entre o governo e a oposição e entre espectros políticos diferentes.
TSE rebate as mentiras
O TSE apresenta diversas ações de garantia de segurança das urnas, comprovadas por estudos nacionais e internacionais. Segundo o Portal do TSE, um artigo na revista científica Forensic Science International comprovou que não houve fraude nas eleições de 2018.
No estudo, foram usadas 5 técnicas que detectam supostas fraudes – e nenhuma operação anormal foi identificada. Além disso, diversos mecanismos são auditados pelo TSE para atestar a confiabilidade do sistema. Confira alguns mecanismos de transparência das urnas eletrônicas:
Eleições simuladas e nova urna eletrônica: desde 2004, o TRE do estado do Maranhão realiza simulação de eleições: um ambiente simulado ao real dia de votação, com candidatos fictícios e com eleitores voluntários, com o objetivo de testar o processo eletrônico de votação, a transparência, o treinamento de mesários, entre outros testes que servem de parâmetros para a Justiça Eleitoral.
Em 21 de agosto, os eleitores de Bela Vista, da 77ª zona do Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão, foram convocados para simular um dia de votação com a utilização de um novo modelo de urna eletrônica. A nova urna é mais moderna, segura e traz novos recursos de acessibilidade. Há muitas novidades em termos de segurança, transparência e agilidade, garantindo uma proteção ainda maior ao sigilo e à integridade do voto
Auditoria de urnas: é o procedimento para testar o funcionamento e a credibilidade. Neste ano, o processo será transmitido ao vivo pelo youtube de cada TRE e o número de urnas auditadas será triplicado com relação aos anos anteriores, como já foi descrito em matéria publicada pela Revista Esquinas.
Boletim de urnas: como novidade neste ano, a urna eletrônica emitirá o relatório dos votos logo após o fim da votação, que estará disponível a todos no aplicativo do TSE. Nos anos anteriores, o boletim era pregado na porta dos locais de votação e publicado na internet alguns dias depois. O órgão estimula que todos os eleitores, candidatos e partidos façam parte do processo de verificação e confiram os BU.
O Tribunal de Contas da União (TCU) selecionará, aleatoriamente, 4.161 urnas eletrônicas em operação no dia da votação para comparar os Boletins de Urna impressos com os disponibilizados na internet pelo TSE. Assim, a transparência será atestada.
Conferência de voto: o TSE anunciou que as urnas terão um intervalo de tempo para que o eleitor possa conferir o seu voto antes da confirmação. O objetivo é reduzir o número de votos equivocados.
O eleitor votará cinco vezes no primeiro turno, e até duas vezes no segundo. Após cada voto, a urna impedirá a confirmação pelo tempo de um segundo. Será um tempo extra para que o eleitor revise o número digitado e possa corrigir o voto, se for o caso. A correção pode ser feita mesmo após a liberação do botão “confirma”.