Roberto Farias em ritmo de cinema - Revista Esquinas

Roberto Farias em ritmo de cinema

Por Henrique Artuni : maio 15, 2018

Roberto Farias em 1967

Em revisão, cinema de Roberto Farias mostra como caminhar entre o autoral e o artesanal em época de tensões

Os irmãos Reginaldo Faria e Roberto Farias (o único com o “s”, por erro no registro) estão entre as figuras subestimadas no cenário do cinema brasileiro, principalmente, por seguirem caminhos particulares, nem sempre dos mais engajados – ao menos no sentido clamado pelos integrantes do Cinema Novo, movimento cinematográfico chave na década de 1960. O mais novo, Reginaldo, além de autor de uma das performances mais memoráveis de nosso cinema em “Lúcio Flávio, Passageiro da Agonia” (1977), estrelou vários clássicos do irmão e continua na ativa na televisão. Roberto, o mais velho, acaba de falecer aos 86 anos, deixando para a história uma passagem notável na Embrafilme, na qual buscou conciliar arte e indústria.

Como diretor, o cineasta uma filmografia razoável (cerca de 14 longas) que merece ser revisitada com muita atenção. Tempos de polarização, assim como eram há 50 anos, precisam de autores-artesãos como Roberto Farias.

Começou na produtora Atlântida como assistente de direção de nomes como Watson Macedo, J.B. Tanko e José Carlos Burle. Depois dirigiu seus próprios longas, “Rico Ri à Toa” (1957) e “No Mundo da Lua” (1958), chanchadas cuja bilheteria possibilitou a produção de “Cidade Ameaçada” (1960), que garantiu respeito da crítica – mas sem o mesmo retorno do público. “Um Candango na Belacap” (1961), em seguida, foi ao contrário: sucesso de bilheteria, sem prestígio dos críticos de cinema.

Luiza Maranhão e Eliezer Gomes contracenam em “Assalto ao Trem Pagador” (1962).
Divulgação

Mas o primeiro destaque veio apenas em 1962. “Assalto ao Trem Pagador”, assim como “O Pagador de Promessas”, do mesmo ano, foi rejeitado pelos novos cineastas que emergiam com as temáticas sociais e rupturas estéticas das mais pulsantes. Era a mesma época de filmes como “Porto de Caixas”, “Vidas Secas”, “Barravento”, “Cinco Vezes Favela”, “Os Cafajestes” e tantos outros.

“Assalto” seguia a forma clássica. Filme policial, bem construído, sem excluir a temática social (a favela é muito presente). Entretanto, ao focar em uma construção afetiva, cativante ao público, a perspectiva engajada não viu o longa com os melhores olhos.

O companheiro de trabalho Glauber Rocha, pelo menos, elogiaria Roberto como “grande artesão”, capaz de construir bons efeitos com domínio técnico. Para o diretor de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, o amigo só seria “autor” para valer no filme seguinte, “Selva Trágica” (1963). Tal reconhecimento nas telonas viria apenas muitos anos depois, com “Pra Frente, Brasil” (1982), altamente crítico à ditadura no País, que conquistou prêmios nos festivais de cinema de Gramado e Berlim.

Rejane Medeiros, Reinaldo Faria e Joffre Soares em “Selva Trágica” (1963).
Divulgação

Porém, não me parece justo esquecer os filmes mais comerciais que Roberto dirigiu no intervalo entre esses dois sucessos de crítica. Em especial um, o primeiro da trilogia protagonizada pelo Rei da Jovem Guarda: “Roberto Carlos em ritmo de aventura” (1968). O filme que tive o prazer de assistir pela primeira vez ocasionalmente no Canal Brasil, em revisão, mostra-se uma produção bem diferente do que se tinha à época – e um de seus longas mais pulsantes.

Isso porque, apesar de ser Roberto Carlos o grande chamariz, característica que deu ao filme um público de mais de 2,5 milhões de espectadores nacionalmente, “Em ritmo de aventura” era mais do que uma cópia de sucessos dos Beatles, como “Os reis do iê, iê, iê” (1964) e “Help!” (1965).

Roberto Farias fez o primeiro grande filme brasileiro com uma estética pop. Conciliou o gênero musical (a trilha é toda do repertório de Roberto Carlos) e aventura com cenas altamente arriscadas, enérgicas. Dentre elas, as perseguições na escadaria do Cristo Redentor, o voo de helicóptero por Copacabana e a incrível passagem por dentro do Túnel do Pasmado; os shows da Esquadrilha da Fumaça, a carona que Roberto pega em um foguete para ir de Nova York ao Brasil e a climática perseguição com tanques de guerra.

Still do filme “Roberto Carlos em Ritmo de Aventura” (1968).
Divulgação

Todo esse tom escrachado, hilário, legitimamente nonsense, é embalado por frequentes interferências metalinguísticas, em que se para a narrativa principal para mostrar a produção do longa. Com a personagem do diretor, interpretada pelo irmão Reginaldo Faria, o cineasta faz uma brincadeira direta aos cinemanovistas. Mais que uma brincadeira, Farias parece querer exibir o espírito de seu filme.

Logo no começo, Roberto Carlos reclama da perseguição agitada e o diretor, do alto da cabeça do Cristo Redentor, gesticula e lança o roteiro aos ventos. Esse alter ego mistura o típico diretor do Cinema Novo/Nouvelle Vague (sempre em crise, que acha o improviso genial, que rodopia como o Corisco de Othon Bastos) e o do comercial, submisso aos interesses do ator – que dita os rumos de acordo com o que acha melhor para sua imagem.

Na chave da autorreferência crítica e cômica em sua narrativa, Roberto Farias fez “Em ritmo de aventura” uma obra engajada, mas com tendências conciliatórias, sem esquecer as qualidades estéticas em detrimento do sucesso. Uma obra única de um diretor que merece ser revisitado.