Última dança? Copa do Catar é rodeada por expectativa e apreensão quanto ao legado de lendas como CR7, Messi e Neymar
Na vitória ou na derrota, a Copa do Mundo sempre foi palco de grandes emoções para fãs do mundo todo. Em 1970, Pelé terminou sua carreira em mundiais no auge, vencendo o título com o ‘Esquadrão’. Para Maradona, a história foi diferente: capitão em 1994, a Seleção argentina sequer passou da fase de grupos. Por sua parte, em sua única Copa, Eusébio levou Portugal a um lugar nunca antes visto, alcançando a terceira colocação. Neste ano, outros craques se preparam para representar seus países pela última vez, ou enquanto a idade permitir.
Conhecidos pela torcida e amados (ou não) por ela, o argentino Lionel Messi, o português Cristiano Ronaldo, e o brasileiro Neymar Júnior, são três trintões de, respectivamente, 35, 37 e 30 anos em busca da sonhada – e nunca antes conquistada por nenhum deles – Copa do Mundo. Com o avanço da idade, no entanto, colocar as mãos no troféu torna-se um feito que se distancia cada vez mais.
Em contrapartida, a ideia de aposentadoria se aproxima da mente dessas estrelas. Messi não descarta a possibilidade e já afirmou que após a Copa deste ano vai repensar os próximos passos da carreira. O português Cristiano revelou recentemente que pretende defender seu país até a Eurocopa 2024. O atleta deve disputar sua última Copa agora em 2022 no Catar. Já Neymar não tem longe de seus pensamentos a aposentadoria, mas diz estar mais preocupado com a saúde mental do que com a física quando se trata de pendurar as chuteiras, como revelou em entrevista ao “Fenômenos Podcast”.
Técnico do penta, Luiz Felipe Scolari – o Felipão – costumava dizer na época do título para os seus liderados que “separados somos fortes, juntos imbatíveis”. Se dentro de campo a união faz a força, e fora dele a idade avança no placar, qual é o peso de um craque para uma seleção?
ÚLTIMA DANÇA
No caso de Lionel Messi, isso pode se resumir à nomeação como o melhor jogador do mundo por sete vezes e aos 41 títulos conquistados ao longo da sua carreira. Mas muito além disso, o carinho que os argentinos têm pelo craque mostra toda a sua força, principalmente depois de conquistar a vitória na Copa América de 2021.
Para o fã de futebol Ignacio Herrera, isso é um grande indicativo de vitória neste ano: “Principalmente pelo título que a Argentina ganhou na Copa América.” diz ele. “Pessoalmente, eu noto que a equipe está muito consolidada, muito unida, diferente das anteriores. De verdade me dá uma fé enorme dizer que essa tem que ser a Copa do Messi, todo mundo está esperando isso”, completa Herrera.
O mundial deste ano será mais impactante para os torcedores argentinos do que para os de outras nacionalidades Isso porque não terão sua grande estrela no torneio de 2026, como o próprio jogador já disse anteriormente, fazendo com que a Copa deste ano seja uma despedida.
No entanto, pode ser que Messi se despeça em grande estilo. O craque argentino de 35 anos, que atualmente joga pelo Paris Saint-Germain (PSG), teve um bom início de temporada, com oito gols e oito assistências em treze partidas. Ressaltou em uma entrevista para o especial do canal Star Plus que se sente em boas condições para o mundial e, apesar de cauteloso ao comentar uma possível vitória, mostrou esperanças.
“Não sei se somos os grandes candidatos, mas a Argentina é candidata sempre pela história, pelo que significa e mais ainda pelo momento que chegamos. Mas não somos os maiores favoritos. Creio que há outras seleções que estão por cima de nós hoje, mas estamos ‘pertinho’”.
As expectativas de Ignacio e a análise de Messi não estão tão distantes da realidade, como explica o jornalista e comentarista da ESPN Celso Unzelte. “Eu vejo um Messi mais maduro, mais sereno e com menos cobrança. Ele também está mais próximo de levar a taça pelo time acertado que ele tem. Foi sempre o que faltou para ele, ele tinha que carregar nas costas, pela primeira vez ele tem um time com chances de ganhar”, explica.
Apesar da notícia positiva, o mais provável é que o argentino pendure as chuteiras após a Copa de 2022, fazendo desta sua última oportunidade para levar o título para casa. “Acho que todo mundo vai ficar com muita saudade dele. O Messi é a base de todos da equipe. Pessoalmente, eu não imagino uma Seleção sem o Messi. Eventualmente isso vai acontecer, mas enquanto a gente tem ele, temos que aproveitar”, declara Ignacio.
A IDADE É UM PROBLEMA?
Assim como Messi, Cristiano Ronaldo está entre os jogadores da Copa mais esperados pelo público. Seus mais de 800 gols, cinco Bolas de Ouro e quatro vitórias na Liga dos Campeões explicam a grandiosidade de sua carreira. Mesmo com a sua figura polêmica e vaidosa, Ronaldo não deixa de receber confiança e carinho do público de seu país, como afirma Henrique Flório, português adorador de Futebol.
“Para muita gente ele é um ídolo e faz muitas boas ações. Então, penso que ele é muito bem visto aqui em Portugal, porque pronto é o Cristiano Ronaldo e toda a gente quer ser como ele, né?”, explica Flório.
Este ano Cristiano Ronaldo participará da Copa do Mundo. Com início em 2006 e sete gols acumulados nesse campeonato, o português entrará para a lista dos poucos jogadores que estiveram cinco vezes no mundial, podendo, inclusive, bater o recorde do Pelé em quantidade de gols feitos ao longo de todas as Copas.
O jogador não descarta a possibilidade de participar da disputa mundial em 2026, na qual terá completado 41 anos. Em uma conferência em março, ele falou que a decisão de aposentadoria só depende dele. Henrique Flório acredita que há mais grandes jogos por vir.
“Sim, ele ainda vai jogar, porque ele não é novo, mas também não é velho para se aposentar. Acho que pelo menos mais um ‘Mundialzito’ e mais uma Copa”, afirma Flório.
Unzelte compartilha da mesma opinião: “Portugal certamente não prescindirá do Cristiano Ronaldo, pelo menos enquanto ele jogar futebol”. O jornalista ainda atribui este fato à falta de grandes ídolos na história do futebol do país, como há no Brasil e na Argentina. Com a futura aposentadoria de Cristiano, a seleção pode demorar para conseguir outro grande jogador. “Em Portugal o raio demora para cair no mesmo lugar, né? Caiu com Eusébio lá nos anos 1960 e agora com o Cristiano Ronaldo”, afirma.
POLÊMICO OU INJUSTIÇADO?
Já no Brasil, outro jogador se destaca. Assim como Cristiano, Neymar é uma figura enorme no país. Envolvido em julgamento de fraudes fiscais e polêmicas políticas depois de apoiar o governo Bolsonaro, o jogador ainda consegue atrair admiração, dividindo opiniões. O camisa 10 da seleção, que em 2018 virou meme por cair em campo em diversos jogos da Copa, participará este ano do campeonato, podendo ser seu último.
De acordo com o fã de futebol brasileiro Matheus Correia, que acompanha Neymar desde 2009, o jogador é um dos melhores que já vestiu a camisa da seleção. O fato dele ter ganho o Ouro Olímpico inédito em 2016 e estar a três gols de bater o recorde de Pelé usando a camisa do Brasil são argumentos que sustentam sua tese.
No entanto, a Copa de 2022 pode ser a última de Neymar e isso chateia os fãs do craque. Junto com a frustração também bate o medo de ser o fim da carreira e ele finalmente pendurar a chuteira.
“Com esses rumores de que essa pode ser a última Copa dele, primeiro eu fiquei surpreso, depois eu fiquei bem chateado. Eu fiquei surpreso, porque na minha opinião ele tem um ótimo condicionamento físico. E também fiquei chateado porque ele é meu jogador favorito”, conta Matheus.
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Assim como os fãs, outra pessoa que não quer que o Neymar se aposente agora é Tite, técnico da seleção. “Não é a última Copa dele. Absolutamente, não. Pode escrever o que eu estou falando. Um jogador com as características técnicas e físicas que tem o Neymar vai jogar para lá dos 35 anos. Ele é um jogador leve, ágil, móvel. Ele vai manter, ele vai para outras Copas”, disse Tite para uma entrevista exclusiva ao LANCE!.
Matheus acredita que, mesmo que o Brasil perca a Copa, é injusto cobrar de um único jogador. De acordo com ele, caso o camisa 10 saia da seleção em 2026 seguida de uma derrota este ano, as opiniões iriam ficar divididas, já que a própria performance do Neymar tem este efeito.
“Ia ter gente que ia ficar feliz, porque tem parte da torcida que fala que a Seleção não precisa do Neymar, que joga melhor sem ele. E ia ter outra parte, tipo eu, que ia ficar bem triste com essa situação. Acho que nessa ocasião, as polêmicas dele de 2018/2019 poderiam vir à tona para cobrar ele, tipo, ‘se você tivesse focado mais no seu futebol poderia ter ganhado’. Eu acho que essa é uma acusação meio injusta porque ninguém ganha Copa do Mundo sozinho”, declara ele.
O PESO DA SELEÇÃO
Como visto, a representação do craque para um país não são apenas flores. Na maioria das vezes, a torcida deposita nas costas de um único jogador toda a esperança da vitória e o peso de honrar a nação. Por outro lado, as arquibancadas e os fã clubes muitas vezes esquecem que os ídolos também são seres humanos, afetados direta e indiretamente pelo tamanho do próprio nome.
Quando se fala em Neymar, Messi e CR7 na Copa deste ano, três fatores principais devem ser levados em conta ao discutir suas psicologias e como eles são afetados pela pressão: a opinião pública, a comparação geracional e a idade. Falando exclusivamente do astro da seleção de Tite, a psicóloga Giulia Masini explica que, para um jogador de futebol como ele, lidar com a expectativa do público pode ser seu maior desafio fora de campo.
“As pessoas lidam de formas diferentes com a pressão. Tem gente que reage de um jeito positivo, que faz melhores decisões e executa melhor suas atividades, mas há quem reaja de maneira bem menos eficiente e tranquila. Eu acredito, particularmente, que o Neymar é muito afetado quando está sob pressão; é algo muito visível nos jogos, na vida pessoal e por tudo o que acompanhamos dele nas notícias”, aponta a especialista.
Apesar dessa reação à pressão ser muito individual, Masini também acredita que há uma relação indissociável entre a própria visão de mundo do jogador com a cultura em que ele está inserido. Não é novidade para ninguém que dentro de campo os hormônios estão à flor da pele, tanto que a própria torcida pede por essa postura impulsiva de atletas como Neymar. Assim, é um erro ignorar os aspectos culturais ao analisar a mente de uma pessoa, especialmente um símbolo cultural como um jogador de futebol. última
Em relação à saúde mental de Neymar, por exemplo, Celso Unzelte não acredita que seria o motivo de uma possível aposentadoria. “O Neymar é muito criticado, mas ele não é o tipo de jogador que vai acabar antes do tempo, como aconteceu com o Ronaldinho Gaúcho, Kaká, Adriano… Por uma série de motivos, nós tivemos uma geração de vários jogadores que acabaram antes. Não sei se pressão psicológica vai ser suficiente para afastá-lo da Copa”, afirma.
DEUSES NOVOS OU ANTIGOS?
No futebol brasileiro e no argentino, outro obstáculo que pode atingir os ídolos pela mente é a existência de duas enormes sombras no esporte desses países: Pelé, vencedor de três copas do mundo, e Maradona, que levou uma. Os craques dos anos 1960 e 1980 são, até hoje, considerados os maiores jogadores da história do futebol – e motivos de comparações constantes entre as gerações, que sempre ocorrem no mundo futebolístico. última
Celso Unzelte, ao fazer a comparação entre Neymar e Pelé, chama atenção para o fato que Pelé tinha boa companhia em campo. “O Neymar foi prejudicado por ser o único extraclasse da geração dele, eu acho que ele foi o mais solitário craque da história do Brasil, porque mesmo o Pelé tinha coadjuvantes, não à altura, porque ele era o Pelé, mas gente muito boa jogando com ele. O Neymar nunca teve essa companhia”.
Na psicologia, isso se relaciona com o desenvolvimento de sabotadores internos, que podem começar com essa comparação e se tornar uma luta constante pela auto superação, conforme explica Masini.
“A gente está vendo muito saudosismo com uma série de coisas e com o futebol não seria diferente. Tem esse pensamento de que no passado tudo era melhor, mais bem feito. Mas, para os jogadores, eu acredito que a pressão é mais forte em termos de tentar superar a si mesmo. Eu diria que para eles tem mais essa pressão de superação de limites do que essa sombra da comparação externa”, comenta a psicóloga.
Já no caso de Cristiano Ronaldo, os sabotadores internos não são causados por um fantasma passado, mas por uma assombração futura: a idade. Apesar de não ser confirmado, boatos afirmam que a copa de 2022 pode ser a última disputada pelo ídolo português, que teria 41 anos no próximo campeonato, em 2026. O número pode até impressionar, mas considerar a idade um empecilho no mundo do esporte é muito mais uma construção social do que de saúde. última
“É muito mais uma questão de etarismo e do estigma da velhice, que não se restringe ao esporte. E quando vamos falar sobre velhice, o CR7 vai estar só com 41 anos em 2026, e as pessoas falam como se ele fosse estar com uma bengalinha e não conseguisse mais jogar. No ocidente, a idade pesa no mercado de trabalho, na exclusão da vida social, na vida amorosa, então com certeza pesa no mundo do futebol”, pontua.
FINAL DE UMA ERA PARA UMA PAIXÃO SEM FIM
Se para os fãs de Messi, Cristiano e Neymar a aposentadoria do ídolo pode assustar, revoltar ou gerar saudosismo, para aqueles que gostam de futebol pode ser o fim de uma era. Mesmo com a possibilidade do término da carreira como atleta profissional de um, dois ou dos três, o fim de uma era se aproxima cruzando o campo. Isso porque ver os três jogando junto, seja do mesmo lado em algum time ou de lados opostos ao defenderem suas seleções, pode estar com os dias contados.
Nelson Rodrigues, dramaturgo brasileiro famoso pelas crônicas e pelo seu amor por futebol, exemplificou essa paixão nacional na crônica “A poesia do futebol”.
“O sujeito larga emprego, namorada, larga tudo, para ver seu time jogar. Há, por todo o Brasil, uma sede e uma fome de bola”, disse Nelson.
Para Rodrigues o amor pelo futebol vem da procura, nos clássicos e nas peladas, pela poesia. “As coisas só nos atraem pela sua possibilidade poética”, dizia o dramaturgo. Em “A poesia do futebol”, Rodrigues divide ainda uma memória de um rubro-negro que agonizava na véspera de um Fla-Flu, jogo clássico do futebol carioca: “A morte não o assustava. O que enfurecia era perder o clássico”.
Nesta Copa, alguns estão bem vivos e vidrados naquela que pode ser a última (ou não) chance de Messi, Cristiano e Neymar de levantar a taça. O título, assim, parece ser mais uma feliz consequência perto do “belo horrível” prazer de ser torcedor, e de amar.