Dos gramados à sala de aula: diálogos entre a Copa do Mundo e a Educação - Revista Esquinas

Dos gramados à sala de aula: diálogos entre a Copa do Mundo e a Educação

Por Gabriel Coca, Lorena Oliveira, Luca Nieri, Luiza Lopes, Martim Mendes, Matheus Arroyo e Thiago Ribeiro : janeiro 4, 2023

Ruas enfeitadas para a Copa do Mundo. Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil

A chegada da Copa impactou desde a dinâmica da sala de aula ao projeto pedagógico das escolas públicas e privadas de todo o País

Durante a Copa do Mundo, podemos sentir o clima do País mudar. A empolgação toma conta das ruas e o povo se vê unido em busca de um único objetivo: ver a seleção brasileira levantando a taça. Dos gramados e arquibancadas dos estádios bilionários do Catar aos televisores dos lares brasileiros, os palcos onde o torneio se desenrola são muitos. Entretanto, existe um deles, que, ao mesmo tempo que é muito importante, é pouco destacado: a escola.

A preparação das escolas para a Copa

O período da Copa do Mundo exige planejamento prévio por parte das escolas, tanto na rede particular, quanto na rede pública. Uma das questões que faz parte deste planejamento é a de como fica o calendário letivo. Não há nenhuma lei específica que regulamente essa situação, mas todas as escolas devem seguir a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a qual estipula o número mínimo de 200 dias letivos.

Afinal, os alunos podem ser liberados para assistir aos jogos do Brasil? No caso das escolas particulares, esta decisão cabe à direção da própria instituição. Já para os colégios públicos, quem decide é a prefeitura (no caso das escolas municipais) ou o Governo do Estado (para as escolas estaduais).

Uma semana antes do início da última edição, no dia 11 de novembro, o Governo do Estado de São Paulo publicou um decreto flexibilizando o expediente das repartições públicas: nos dias de jogo do Brasil às 16h o expediente do dia se encerrou às 14h e nos que as partidas eram às 13h, o expediente se encerrou às 11h. A publicação deste decreto indicou portanto a possibilidade de suspensão das aulas na rede estadual nos dias de jogos do Brasil.

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, editou um decreto no mesmo dia seguindo as mesmas diretrizes da decisão do governador. No entanto, a decisão na rede municipal sobre suspensão ou não das aulas nos dias de jogos depende de cada escola, já que a secretaria de educação da cidade decidiu que os colégios tem autonomia para suspender ou não os dias letivos.

Como para as escolas particulares a decisão é individual, liberar ou não os alunos passou a ser uma escolha que varia de colégio em colégio. Além disso, algumas escolas optaram por também transmitir alguns dos jogos para os alunos, como conta Alessandra Cardelli, diretora do colégio Renovatus, em Campinas (SP):  “Quando os jogos vão acontecer às quatro da tarde, por exemplo, a gente vai ter aula normal até às três. Quando eles ocorrem às 13h, as crianças assistem na escola”.  Ela afirma também que é habitual que os pais deixem os filhos em casa nos dias de jogo do Brasil durante a Copa: “Muitas empresas também liberam mais cedo, então os pais acabam optando por deixar as crianças em casa”, conta Alessandra.

A Copa do Mundo de 2022 teve um detalhe particular e inédito: a disputa se deu no mês de novembro. O fato se deve ao calor extremo do Catar nos meses de junho e julho, quando a competição é normalmente disputada.

Isto acabou impactando na forma como as escolas planejaram as atividades: “quando a Copa acontecia no meio do ano, a gente conseguia desenvolver projetos mais longos. Agora como é no final do ano, no nosso caso, a gente desenvolveu projetos mais curtos”, conta a educadora campineira.

Por dentro da sala de aula

É sabido que a Educação no Brasil está em constante mudança – e ataque. A última reforma educacional, promovida pela última gestão do Ministério da Educação, prevê uma menor diversidade dos saberes e um foco maior em conteúdos pragmáticos, quase como um resgate aos primórdios da educação brasileira, de viés positivista.

No entanto, na contramão da maneira com que o Ministério enxerga a Educação, há profissionais que continuam a acreditar na riqueza que projetos interdisciplinares carregam, como o caso da Alessandra. “Apesar da mudança para Dezembro, nós conseguimos criar alguns projetos e dinâmicas, ainda que mais curtos e objetivos. Nas edições anteriores, preparávamos projetos mensais e até semestrais para explorar o tema da Copa do Mundo”, explica.

Alessandra conta, também, a natureza por trás dos conteúdos e projetos trazidos para os alunos. “Nós tentamos criar projetos culturais e esportivos que abrangem uma maior gama de disciplinas e conteúdos. Então tentamos usar, por exemplo, a Geografia e a História ao tratar de assuntos relacionados à origem e espaço do Catar, desde temas mais básicos, como fuso horário e clima, as bandeiras dos países, os hinos, até temas mais complexos, como a história política do país e questões socioemocionais de respeito ao adversário e a dicotomia entre ganhar e perder”.

Os álbuns de figurinhas da Copa do Mundo na sala de aula

Desde 1950, pessoas de todas as idades correm às bancas para comprar figurinhas buscando encontrar seu jogador favorito nos pacotes e, consequentemente, aumentar sua coleção. Os cromos, dividem as seleções participantes do torneio que com muita garra e vontade vão em busca da tão sonhada taça dourada.

Entretanto, no ano de 2022, não foram só a picanha e a cervejinha que tiveram seus preços aumentados. O álbum de figurinhas também sofreu um acréscimo em seu valor, passando a custar o dobro do que custava na última Copa, em 2018. Na época, cada pacote custava R$2,00, enquanto o álbum custava R$7,90. Atualmente, o livro ilustrado tem o preço de R$ 12,00, enquanto os envelopes com os cromos custam R$ 4,00. O impacto do encarecimento também foi sentido nas escolas.

Para a  estudante Roberta Biagini, 11, o reajuste de preços dos pacotes de figurinhas foi abusivo: “tivemos que gastar muito mais dinheiro para completar o álbum. Eu sempre achei muito legal o fato de colecionar o álbum, porém, o principal motivo de eu estar colecionando foi o fato dos meus amigos comprarem. Como não queria ficar de fora, também comprei”, relata a aluna do Centro Educacional Padre Natal Ferloni, de Elói Mendes (MG).

De modo geral, completar um álbum de figurinhas já deixou de ser uma brincadeira de criança quando o assunto é Copa do Mundo. Um dos objetos mais usados e levados às escolas, o Álbum da Copa do Mundo 2022 tem se tornado um importante mecanismo de aprendizado.

Jogos, brincadeiras, quizzes e dinâmicas são algumas das maneiras de estimular interatividade e conhecimento entre estudantes colecionadores do álbum.

No Colégio Marista Arquidiocesano, conforme matéria publicada no site do próprio colégio paulistano,  foi criado um projeto interdisciplinar chamado Álbum de Figurinhas, no qual, no dia do brinquedo, os estudantes levam figurinhas e há um álbum oficial da classe. Por meio dessa atividade, as crianças são estimuladas a aprender o valor da troca e do espírito de coletividade, ao se empenharem juntos em prol do mesmo objetivo: completar o álbum da turma.

Veja mais em ESQUINAS

Primeira vez em uma Copa do Mundo: conheça a história de brasileiros que foram ao Catar

De símbolos nacionais a itens de colecionador, camisas de seleção entram na moda dos jovens

Salgada infância: completar o álbum da Copa de 2022 requer quase 50% do salário mínimo

Um exemplo disso é o do professor Alan Siqueira, que leciona Geografia para turmas de Fundamental II, Ensino Médio e Pré-Vestibular, e possui uma página com mais de 10 mil seguidores no Twitter, chamada Geo na Rua. Em um de seus posts, Alan relata que a introdução do álbum na sala de aula intensificou o interesse dos alunos pela matéria.

Em entrevista, o professor conta um pouco mais sobre como foi transformar a febre do momento de distração à material didático:

Entrevistador: De onde surgiu a ideia de trazer o álbum de figurinhas para a sala de aula?

Alan Siqueira: A ideia veio durante a aula. Os alunos estavam pegando o álbum toda hora, querendo trocar figurinhas no meio da explicação. Aí me toquei que poderia utilizar aquilo como recurso e não precisaria puní-lo.

E: Quais temas você achou mais interessante discutir utilizando o álbum de figurinhas?

Siqueira: Imperialismo, descolonização africana, influência das grandes guerras no continente africano, dentre outros.

E: No tweet, você fala que usou a seleção da França como exemplo, teve outras seleções que vocês abordaram em aula e quais temas relacionados a elas?

Siqueira: Usei a Alemanha, Inglaterra e Bélgica. Países que também foram influentes na lógica imperialista e possuem um elevado número de imigrantes até hoje.

E: Como foi a recepção dos alunos ao uso do álbum de figurinhas como material? Realmente ajudou no aprendizado e na participação em aula?

Siqueira: Eles gostaram da ideia, prestaram mais atenção durante alguns bons minutos. Qualquer minuto ganho, ainda mais nos dias de hoje, é uma dádiva. Quando trazemos para a realidade deles, fica mais interessante e didático.

E: Você sente que os alunos recebem melhor conteúdos interdisciplinares, como o caso que você criou?

Siqueira: Recebem, sim. Porém, tudo é relativo. Cada turma é um universo particular. Tem turmas que recebem muito bem uma ideia e outras que não ligam tanto. Ser professor é essa tentativa constante, é a luta por atenção e interesse pelo conteúdo científico.

O multiverso na sala de aula

Mas não só conteúdos geográficos podem ser adquiridos. A matemática, por exemplo, é uma disciplina extremamente trabalhada no processo de colecionar figurinhas, na medida em que se pensa sobre diferentes maneiras de agrupar, organizar e registrar quantidades de figurinhas, bem como acompanhar a contagem, saber interpretar números, calcular, comparar e estimar quantidades, além de favorecer o processo de desenvolvimento de numeralização.

Outro importante ganho é a promoção de um ambiente agradável, em que o convívio amigável é marcante. De acordo com a estudante Roberta, a troca de figurinha potencializa um ambiente harmônico nas escolas, “porque as pessoas se comunicam e se ajudam mais”.

Editado por Nathalia Jesus

Encontrou algum erro? Avise-nos.