Grupos minoritários são as principais vítimas de assédio moral em seus ambientes de trabalho, uma das heranças da sociedade autoritária brasileira
O mercado de trabalho pode ser muito desafiador. Conviver com outras pessoas, aprender novas tarefas e desenvolver habilidades são atividades normais na vida de qualquer trabalhador. Porém, sofrer qualquer tipo de constrangimento não deve ser. No Brasil, foram ajuizados na Justiça do Trabalho, mais de 52 mil casos de assédio moral no ambiente de trabalho em 2021, de acordo com o TST (Tribunal Superior do Trabalho).
A Cartilha de Prevenção ao Assédio Moral do Tribunal Superior do Trabalho afirma que assédio moral é “a exposição de pessoas a situações humilhantes e constrangedoras no ambiente de trabalho, de forma repetitiva e prolongada no exercício de suas atividades. É uma conduta que traz danos à dignidade e à integridade do indivíduo, colocando a saúde em risco e prejudicando o ambiente de trabalho.”
No Brasil, não há uma lei em vigor que tipifique o assédio moral, assim como o assédio sexual possui. Quando o crime é categorizado, ou seja, quantos certas ações denominam um crime a conduta perante ele é mais específica e justa. Em 2019, foi aprovado pela Câmara dos Deputados o projeto de lei N° 4.742, de 2001, que acrescentaria na Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940, o artigo 146: “Desqualificar reiteradamente, por meio de palavras, gestos ou atitudes, a auto-estima, a segurança ou a imagem do servidor público ou empregado em razão de vínculo hierárquico funcional ou laboral. Pena: Detenção de 3 (três) meses a um ano e multa.”- Diário da Câmara dos Deputados, n° 79, página 74, 2001.
O projeto, apresentado pelo ex-deputado Marcos De Jesus, ainda está aguardando a apreciação pelo Senado Federal, de acordo com a última atualização do portal da Câmara dos Deputados.
Entre as principais vítimas deste crime estão os grupos minoritários: mulheres, negros e pessoas LGBTQIAP+. Além da pouca representatividade de pessoas pretas e homossexuais nos ambientes de trabalho – somando menos que 10% como colaboradores nas empresas de acordo com uma pesquisa da Pulses (plataforma de soluções de clima organizacional), esses grupos, quando inseridos no mercado, também sofrem com constrangimentos por colegas de profissão. As mulheres, mesmo com as constantes conquistas no mundo corporativo, continuam sendo motivos de piadas e demérito. Uma pesquisa de 2023 da Catho, empresa de recrutamento, afirma que 40% das mulheres brasileiras sofrem com assédio moral no ambiente de trabalho.
De acordo com “O Mito Fundador Do Brasil E Sua Sociedade Autoritária”, de Marilena Chauí, a formação do Brasil foi construída através também do autoritarismo. Isto é, desde o período colonial a sociedade brasileira é dividida pela classe trabalhadora serventil e a classe dominante que detém dos meios de produção. Desta forma, aqueles que servem são subordinados ao autoritarismo daqueles que são servidos.
No universo do trabalho contemporâneo, tal relação de serventia ainda é presente e adaptada ao contexto atual. A professora de Cultura Brasileira da Faculdade Cásper Líbero, Renata Albuquerque, reflete sobre a violência com as principais vítimas de assédio moral e o cenário corporativo atual:
“Existem, em linhas gerais, o que as ciências sociais vão reconhecer como o comportamento do poder, diante desse quadro de desigualdades. Quando a gente considera esse quadro, existem nuances um pouco mais subjetivas nesses processos sociopolíticos: machismo, racismo e homofobia, que vão se apresentar também no mundo do trabalho. Então, quando a gente pensa em circunstâncias de assédio moral, por exemplo, são esses mesmos grupos, que no conjunto da sua vida são mais discriminados, que sofrem mais violências, sejam elas mais expressivas, mais sutis ou subjetivas.”
Em sua obra literária, Marilena Chauí desdobra o assunto explicando o fenômeno denominado sociedade autoritária, o qual se relaciona com o mercado de trabalho de forma que estrutura a hierarquização em ambientes corporativos e corrobora para a exploração que ocorre entre os cargos mais altos para com cargos inferiores. Desta forma, grupos mais vulneráveis, são as maiores vítimas da sociedade autoritária, por estarem, na maioria das vezes, em cargos inferiores.
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Em entrevista, a advogada Priscilla Oliveira conta um pouco sobre como identificar o assédio moral no ambiente de trabalho:
“Existem diversos tipos de assédio moral, como o interpessoal e institucional. Gritar, passar tarefas humilhantes, desrespeitar e apelidar são apenas alguns dos comportamentos que configuram assédio moral, e é mais comum do que imaginamos. De acordo com a lei 8.112/1990, faz parte do dever do servidor manter a conduta e a moral compatíveis. Existe uma postura e um código de conduta que deve ser respeitado por funcionários de todos os níveis. Porém, é importante frisar que só se é classificado como assédio moral se o comportamento for feito de maneira prolongada e repetidamente.”
Como mencionado, existem alguns tipos de assédio moral, que mudam sua classificação de acordo com a vítima:
Interpessoal: Quando ocorre de maneira direta, individual e pessoal, cujo único intuito é eliminar ou prejudicar a vítima com a equipe.
Institucional: Quando o próprio ambiente de trabalho é conivente e incentiva o assédio, através de estratégias que possam incentivar competitividade ou horas de trabalho em excesso, por exemplo, que podem acabar instigando competitividade e cobrança entre as equipes.
Vertical Descendente: Quando o chefe abusa de sua autoridade como superior de modo a mandar no subordinado e criar situações desconfortáveis.
Vertical Ascendente: O inverso do descendente, quando o subordinado pratica ações contra o chefe, individualmente ou com a ajuda de outros funcionários da mesma equipe.
Horizontal: Ocorre entre os próprios colegas de trabalho, normalmente na mesma hierarquia. Instigado principalmente por casos de competitividade, em que um quer se mostrar melhor do que o outro a todo custo.
Misto: É quando o assédio vem tanto de colegas de trabalho do mesmo nível hierárquico, quanto os que também estão acima, normalmente impulsionado por uma pessoa, que faz as outras seguirem o ritmo.
Priscilla frisa também que as vítimas não têm o costume de denunciar devido a normalização do assédio dentro da sociedade. Com medo de acharem besteira ou frescura, sofrerem retaliação da empresa e/ou terem o currículo prejudicado caso não consigam levar a denúncia adiante, acabam se silenciando.
Esse silêncio pode ocasionar problemas psicológicos graves, sendo motivo até mesmo para um burnout do colaborador. Dessa forma, é importante mostrar suporte e se colocar se posicionar da maneira correta caso veja algum caso de assédio moral no ambiente de trabalho.
“Caso você seja testemunha de algum colega que esteja sofrendo de assédio moral, é importante se colocar à disposição não somente para dar apoio, mas também para testemunhar a favor dessa pessoa caso seja necessário. Caso você seja a vítima, pode fazer denúncias para o superior da empresa, ouvidoria ou Comissão de Ética, podendo também ir atrás do sindicato profissional caso as outras opções não sejam efetivas”, finaliza.