Elitização, preconceito e monopólio: o que isso tem a ver com a desvalorização do cinema nacional? - Revista Esquinas

Elitização, preconceito e monopólio: o que isso tem a ver com a desvalorização do cinema nacional?

Por Julia Tortoriello : julho 27, 2023

Foto de Tima Miroshnichenko:

Cineastas brasileiros comentam sobre como o cinema nacional é desvalorizado pelo seu próprio povo, se comparado às produções estrangeiras da sétima arte 

O cinema brasileiro, apesar de desvalorizado, vem conquistando maior destaque dentro e fora do país desde a década de 90, com filmes indicados ao Oscar e cineastas ganhando visibilidade ao redor do mundo. Em entrevista a ESQUINAS, os cineastas Sandro Casarini, Paula Braun e Sabrina Fidalgo comentam sobre o cinema brasileiro e sua influência nacional. 

“Injustiça”: comparar o cinema nacional ao internacional

Em 1896 o cinema brasileiro deu seu pontapé inicial, com a exibição de filmes curtos nas grandes telas cariocas, impressionando o público com as imagens que se moviam diante de seus olhos. Entretanto, a continuidade estável do sucesso da sétima arte foi relativamente curta, já que o país sofreu momentos de desequilíbrio dentro do universo cinematográfico, devido à produção de obras puramente capitalistas e às censuras causadas por governos autoritários que comandaram o país. 

Durante a década de 90, os eixos culturais brasileiros encontraram estabilidade. No período, cineastas nacionais começaram a se destacar mundialmente, com obras que refletiam o cotidiano do país. Entretanto, a ascensão de produções brasileiras não fez com que sua desvalorização por parte da população sumisse totalmente. Assim, os telespectadores se dividiram entre: “os que gostam de cinema nacional”e “os que gostam de cinema internacional”. A divisão de opiniões da população fez com que diretores do audiovisual questionassem a “injustiça” em que o cinema brasileiro estava sendo submetido.

Sabrina Fidalgo, cineasta multipremiada e colunista da Vogue, comenta sobre a tal “injustiça” sofrida pela obras nacionais em relação às produções estrangeiras, trazendo seu ponto de vista sobre as políticas públicas de cultura no país:

“Na verdade, o que acontece é que o cinema brasileiro não tem uma estabilidade em termos de sucesso de público, por conta das dificuldades em relação às administrações das políticas públicas, que variam muito. É claro que eu entendo que existem problemas em fazer cinema no Brasil, há décadas, desde sempre na verdade, mas eu acho que a falta de interesse do público está ligada à muitas outras questões. Existe uma disputa injusta com a indústria do cinema americano, que é o monopólio, e as pessoas que não têm acesso à educação e à cultura acabam sempre se virando para àquilo que está sendo mais divulgado, e o cinema brasileiro perde nesse sentido, não só hoje em dia, sempre foi assim.”

Ainda sobre a comparação dos cinemas nacional e internacional, a cineasta e atriz da Globo Paula Braun comenta que a população está acostumada com obras americanizadas, e que, por conta disso, produções diferentes não são aprovadas. “A gente cresce e é acostumado a lidar com uma linguagem de cinema pasteurizada, vinda de fora, feita como uma fórmula para prender o espectador de um jeito que o filme ‘funcione’. Paula ainda ressalta que o crescimento do cinema nacional ao redor do mundo “é lindo”, entretanto, admite que batalhar por visibilidade ainda é uma dificuldade a ser enfrentada, já que poucas salas estão dispostas a exibir distribuidoras pequenas, “como tornar um filme popular, fazer com que o filme caia no gosto do público se o filme não pode ser visto?”, questiona a atriz. 

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Paula Braun durante a gravação de seu documentário “Ioiô e Iaiá”, lançado em 2021.
Foto: Reprodução/Instagram

A falta de valorização afeta o conhecimento cultural?

Após décadas de desvalorização e censura, o questionamento que cerca o universo cinematográfico é: será que, ao longo dos anos, a valorização da sétima arte aumentou ou diminuiu? Sandro Casarini, diretor e escritor, formado pelo Santa Monica College, comenta que os ganhos, ou seja, os fatores financeiros, são importantes para determinar se a valorização aumentou ou diminuiu. “Conforme a qualidade técnica das produções nacionais foi subindo, começamos a ter uma maior aceitação do público. Infelizmente, o investimento, tanto público como privado, no setor, não acompanhou os crescentes orçamentos astronômicos de Hollywood e o crescimento não foi suficiente para consolidar totalmente essa aceitação.”

Já Paula afirma que a valorização é feita de fases, mas não garante se ela aumentou ou diminuiu. “São fases. Tivemos uma fase de ouro lá atrás com “O Pagador de promessas”, por exemplo, vencendo o Festival de Cannes. Depois tivemos um período difícil, da ditadura, e após isso veio a retomada, as leis de incentivo à cultura. Agora estamos voltando devagar de uma crise louca na cultura desse país. Tudo parou no último governo, muito pouco se fez, fomos desmoralizados, humilhados mesmo. Difícil levantar-se dos tombos sequenciais, mas eu acredito que teremos uma onda boa que deve começar em breve. A valorização vai vir junto.”

Além da problemática da valorização (ou desvalorização), também existem questionamentos sobre outro problema no setor: o pouco reconhecimento cinematográfico do país pode afetar o conhecimento da população sobre sua própria cultura? Dentro dessa questão, as opiniões dos cineastas divergem, já que alguns acreditam que a não valorização do cinema é uma perda para a cultura e outros afirmam que a cultura cinematográfica não pode ser comparada com a “física”. “Todos perdem”, afirma Paula, explicando que os espectadores nadam contra a maré não tendo contato com sua própria arte. “Como pode se amar algo que não se vê?”, questiona a atriz.

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Sandro Casarini durante o lançamento de seu livro: “Almanaque Infantojuvenil TV Cultura 50 Anos”
Foto: Luiz Lentini/Linkedin

Sandro também concorda que os brasileiros perdem conhecimento de sua própria nação ao não valorizarem suas obras. “O cinema é uma espécie de espelho mágico em podemos nos encarar e encarar a nossa realidade. Se ele não é valorizado, perdemos uma ótima oportunidade de olhar algumas questões profundas de nossa sociedade.”

Entretanto, Sabrina contrasta afirmando que as duas coisas são incomparáveis: “Eu não acho que o cinema brasileiro supere o povo brasileiro”.

A elitização do cinema 

A elitização de meios culturais sempre foi um assunto discutido no Brasil, já que, uma vez que a cultura não é acessível para todos, não se tornará ela só um meio capitalista de produção para a elite? Os cineastas comentam sobre a existência de barreiras para certos meios culturais no país, como o cinema. 

Paula afirma que muitas famílias brasileiras ficam com o orçamento “remexido” após uma ida ao cinema ou ao teatro, já que são diversas etapas (caras) até o acesso final. “Cinema e teatro são caros para a grande maioria da população deste país. Passagem, entrada, pipoca, uma família com quatro pessoas, balança o orçamento.” Além disso, Sabrina questiona a linguagem rebuscada utilizada em certas produções. “Para entender o filme, você tem que ter lido 25 livros e assistido 75 filmes de um cineasta sueco, aí não dá né”. Ela explica também que esse tipo de obra afasta o público, “esse tipo de cinema, que trabalha com determinados tipos de linguagem e tem referências muito eurocêntricas, acaba se afastando do povo”.

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Sabrina Fidalgo, terceira da esquerda para a direita, durante a premiação do Festival Internacional de Mulheres no Cinema, em 2018.
Foto: Divulgação

Com a elitização das diversas faces da cultura, o capitalismo também é marcante dentro da indústria cinematográfica, já que ele constrói diretores preocupados somente com o dinheiro. Entretanto, como afirma Sabrina, sem dinheiro não há cinema. “O cinema também é parte desta engrenagem capitalista. Sem o capitalismo nós também não conseguimos fazer filme, como se faz um filme sem dinheiro?”. Porém, a cineasta destaca que esse sistema pode afetar a indústria, “claro que, esse sistema tem uma produção muito grande sim, de filmes altamente vendáveis filmes sem conteúdo, comédias bobas”.

Outros cineastas brasileiros também concordam que certos gêneros foram criados puramente por dinheiro. “Acho que sempre vão existir os filmes mais voltados para a bilheteria. No caso do Brasil, as comédias costumam ser o gênero mais assistido e, portanto, o que gera mais investimento” afirma Sandro Casarini. Já Paula comenta que sempre há a escolha sobre o quê produzir, mas ainda assim o mercado que manda, “com certeza tem uma parte que preza por isso, sempre teve, mas nem sempre é uma escolha. O mercado que manda.”

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Aos brasileiros 

Questionados sobre o que diriam às pessoas que não valorizam o cinema nacional, cada cineasta se expressou de maneira diversa, deixando um conselho para o povo que ignora sua própria arte.

“Para os que não valorizam, eu não daria conselho. Falaria aos que estão conosco, aos fazedores dessas histórias lindas retratadas nas telas, falaria aos que nos acompanham e torcem pela nova retomada, falaria as minorias que têm tanto e muito mais a dizer do que os ‘de sempre’, falaria ao público (que somos todos), falaria a estes e a outros com interesse em se juntar. Falaria: vamos lá, vamos brigar, vamos tentar pela milésima vez por conta dessa ânsia por dizer, por conta dessas histórias que não nos deixam dormir porque precisam ser contadas, precisam viver. Vamos mesmo sem saber direito para onde ir. Porque é assim que a gente faz. É uma luta fazer um filme que diga quem somos. Só vamos. Sem desistir”, declara Paula Braun. 

Já Sandro compara assistir cinema nacional como uma terapia, para que assim possamos nos conhecer como povo. “Eu diria para eles assistirem mais filmes nacionais, para que assim se conheçam melhor. Da mesma forma que uma terapia nos ajuda a nos conhecermos melhor, o cinema pode ser, além de muitas outras coisas, uma forma de terapia coletiva. Uma sociedade que se olha e não tem medo de analisar suas questões mais profundas é com certeza uma sociedade mais saudável.”

Sabrina também incentiva a apreciação da arte nacional. “Meu conselho é que eles deixem seus preconceitos de lado e deem um abraço no cinema brasileiro, porque o cinema brasileiro merece esse abraço. O cinema brasileiro é cheio de pérolas, obras primas e obras maravilhosas. Para  quem está perdendo seu tempo sem conhecer o cinema brasileiro por puro preconceito, eu diria: deixar de besteira e veja.”

Editado por Mariana Ribeiro

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