Cruzando fronteiras: os desafios de brasileiros em intercâmbios internacionais - Revista Esquinas

Cruzando fronteiras: os desafios de brasileiros em intercâmbios internacionais

Por Enzo Cipriano da Costa : setembro 5, 2023

Dentre os países mais procurados pelos brasileiros para estudos no exterior, destacam-se o Canadá, Estados Unidos e Reino Unido, sendo que os cursos de idiomas, principalmente de língua inglesa, são os mais buscados/Foto: Pexels, Andrew Neel

Conheça as histórias de jovens que tiveram suas visões de mundo transformadas por meio de um intercâmbio internacional

O intercâmbio educacional é uma experiência bastante valorizada e desejada por brasileiros em busca de ampliação de horizontes tanto no campo pessoal e quanto no profissional. Segundo levantamento feito pela Associação Brasileira de Agências de Intercâmbio (Belta), o número de brasileiros que realizaram intercâmbio em 2022 chegou à marca de 455 mil, representando um aumento significativo de 18% em relação ao período anterior à pandemia.

Além disso, o Brasil se destaca internacionalmente nesse quesito. De acordo com o relatório “Diversify with Data: Insights for Higher Ed Institutions”, embasado em dados da Unesco e elaborado pelo Studyportals, divulgado em fevereiro de 2023, existem mais de 5 milhões de pessoas estudando em outros países ao redor do mundo, dos quais 88 mil são brasileiros.

Dentre os países mais procurados pelos brasileiros para estudos no exterior, destacam-se o Canadá, os Estados Unidos e o Reino Unido. E os cursos de idiomas, principalmente de língua inglesa, são os mais buscados.

Programas que oferecem trabalho temporário durante o período de estudos e cursos de férias para adolescentes nos meses de julho e janeiro também são populares. Os cursos de graduação aparecem em quarto lugar dessa lista de preferências, seguidos pelo High School (equivalente ao Ensino Médio brasileiro).

A vida real de um estudante estrangeiro muitas vezes contrasta com a representação romântica do famoso High School retratada em filmes e séries como “A Barraca do Beijo”, “Elite” ou “Sex Education”. Enfrentar uma cultura e língua diferentes pode ser desafiador e até mesmo solitário, especialmente no início da estada em outro país.

A saudade da família e dos amigos pesa bastante, e a adaptação ao novo ambiente pode levar tempo. No entanto, é justamente nesses momentos de desafio que os verdadeiros aprendizados acontecem.

Intercâmbio em terras alemãs

Em busca de novos horizontes e oportunidades, Bruna Scapim (17), realizou um intercâmbio de cinco meses na pequena cidade de Cuxhaven, na Alemanha. O interesse pela experiência surgiu em 2019, mas com a pandemia o desejo foi adiado. Foi no final de 2022 que ela conseguiu realizar o seu projeto, por meio do intercâmbio do Rotary International.

O programa realizado por Bruna conta com alguns países cadastrados e vagas limitadas. O candidato passa por um processo seletivo, no qual preenchem um questionário e, posteriormente, realizam uma prova sobre assuntos diversos.

Depois, há uma etapa de entrevista, tanto com o candidato quanto com sua família. Após a aprovação, a seleção do país é feita com prioridade de escolha para os candidatos com melhores resultados, preenchendo assim as vagas de cada país. No caso de Bruna, a estudante pôde escolher entre três países, Dinamarca, Índia e Alemanha. Ela acabou optando pelas terras germânicas.

intercâmbio

Cuxhaven, Alemanha.
Foto: Bruna Scapim

Desde o início, porém, a jovem enfrentou contratempos. A viagem de ida foi marcada por voos cancelados. “Tive que pegar um trem sozinha e sem bateria no celular até outro estado, mesmo nunca tendo estado naquele país. Fiquei sem minha mala por 11 dias e precisei comprar roupas, o que levou minha mãe a processar a companhia aérea.”

A adaptação à cultura alemã também não foi uma tarefa simples. “As pessoas locais eram mais frias e reservadas, o que dificultava a aproximação.”

Os hábitos alimentares distintos foi outro fator desafiador. “Muitas vezes comi apenas arroz doce no almoço, sem outros acompanhamentos.” Outra particularidade foi a típica combinação de salsicha com batata frita e ketchup, algo que a surpreendeu pela simplicidade e frequência com que era servida.

A barreira do idioma também a deixou em situações adversas. Apesar de parte da população local falar inglês, quando optavam pelo alemão, Bruna se sentia excluída e não conseguia participar da conversa.

Algo que a surpreendeu foi o fato de que a maioria dos adolescentes dirigia, o que tornava comum a existência de  estacionamentos nas escolas. E, como estava em uma cidade pequena, esses estabelecimentos se concentravam em apenas um quarteirão, e cada uma possuía um sistema de ensino diferente.

Mesmo estando longe de sua família e amigos do Brasil, a saudade não foi intensa para Bruna, porque manteve contato constante com eles. A ótima relação com sua hostfamily (família que hospeda um estudante ou intercambista do exterior em sua casa), especialmente por já conhecer uma das suas hostsisters no Brasil, contribuiu para amenizar a distância e tornar a experiência mais acolhedora.

Apesar dos desafios, muitos momentos marcaram a trajetória da intercambista.

“O período natalino foi algo muito significativo. O advent calendar (uma espécie de contagem regressiva para o Natal), enfeitar a casa e fazer os tradicionais biscoitos foram realmente algo que eu nunca tinha sentido no Brasil.” 

Quando questionada sobre os conselhos para futuros intercambistas, Bruna destaca: “É importante ter claro o motivo do intercâmbio, seja por estudo, voluntariado ou razões culturais, e pesquisar bem as opções disponíveis. Além disso, é crucial considerar até que ponto você está disposto a aceitar as diferenças culturais do país de destino.”

Para ela, a experiência do intercâmbio no mundo alemão proporcionou lições valiosas sobre aprendizado e a capacidade de superar obstáculos. Além disso, mostrou que até mesmo países desenvolvidos podem apresentar problemas comuns também presentes no Brasil.

Um sonho americano

A estudante Luana Harumi (17) optou por um dos destinos mais buscados pelos brasileiros quando o assunto é intercâmbio. A jovem embarcou em uma experiência nos Estados Unidos com o objetivo de melhorar seu inglês e alavancar sua carreira profissional futuramente. Com a agência escolhida e local escolhidos, Luana se viu diante de uma jornada repleta de desafios, mas também cheia de ortunidades de crescimento e aprendizado.

Uma das maiores dificuldades surgiu logo no início, quando Luana foi recebida por uma família bem rígida. “Eu precisava acordar às cinco da manhã todos os dias para ir à igreja. Além disso, como eram extremamente religiosos, não me deixavam usar calças, apenas saias, e também não permitiam o uso do celular. Eu só podia usá-lo aos domingos e por um tempo limitado.”

intercâmbio

Seattle, Estados Unidos.
Foto: Luana Harumi

Um momento crítico ocorreu quando Luana precisou dividir o quarto com outra intercambista, e a convivência não foi das melhores. A falta de privacidade e o incômodo causado pela colega a fizeram cogitar desistir do intercâmbio. No entanto, o suporte providenciado pela agência foi fundamental para encorajá-la a continuar.

Após os problemas iniciais, Luana passou pelo processo de troca de família, e sua situação no exterior se adequou com o tempo. Outros pontos, como a saudade de casa e da família, não foram um grande desafio para a estudante.

“Para ser honesta, não senti muita saudada. Fazia chamada de vídeo e outras coisas. Acho qu,e apenas nas festas de fim de ano, foi um pouco mais complicado, já que passava sempre com minha família.”

No âmbito educacional, Luana percebeu diferenças significativas entre o sistema dos Estados Unidos e o brasileiro. A escola americana oferecia recursos mais avançados, como empréstimo de notebooks e acesso a Wi-Fi para pesquisas em sala de aula. Os professores também estimulavam os alunos a pesquisarem mais sobre as matérias, em vez de simplesmente explicar tudo de forma didática. Essa abordagem incentivou a jovem a desenvolver uma postura mais ativa em relação aos seus estudos.

Ao término de seu intercâmbio, Luana retornou ao Brasil com uma bagagem de aprendizados e uma visão mais ampla do mundo. A vivência nos Estados Unidos a impulsionou a adquirir habilidades linguísticas, desenvolver maior independência e aprender a se adaptar a novos ambientes e culturas.

VEJA MAIS EM ESQUINAS

“Venha preparada para a realidade, é vida real”: entenda como é ser au pair nos EUA

“Foi um desafio, mas foi libertador vencê-lo”: mulheres relatam experiências de viagem solo

Verde e amarelo para todas as cores

Vida real: dificuldades e imprevistos

Eduardo Ribeiro, também pelo programa Rotary International, embarcou em uma jornada de intercâmbio no Zimbabwe, que durou dez meses. Essa experiência foi marcada por altos e baixos, mas o desejo de aproveitá-la ao máximo o levou a seguir em frente.

As maiores dificuldades de Eduardo surgiu logo no início, quando ele foi acolhido por uma hostfamily que não lhe proporcionava as condições adequadas. Alimentação restrita e tratamento definido como injusto por ele o levaram a perder mais de dez quilos em pouco tempo.

Em meio aos desafios, Eduardo enfrentou momentos de desânimo e também pensou em desistir. “O que sempre me motiva é imaginar que minha família e amigos estão torcendo por mim e me apoiando mesmo a 9000 quilômetros de distância.” Outra coisa que o motiva é a participação nos eventos de intercâmbio, como viagens e eventos na escola.

intercâmbio

Harare, Zimbabwe.
Foto: Erik Törner/Flickr

Os momentos mais marcantes do intercâmbio ocorreram quando Eduardo e outros intercambistas viajaram para Moçambique para um evento do Rotary. A aventura se tornou inusitada quando o freio do ônibus em que viajavam quebrou, obrigando-os a parar em diversos pontos da cidade para coletar mais passageiros, mesmo sem espaço suficiente. Apesar do imprevisto, o espírito aventureiro e o senso de humor prevaleceram, e a experiência tornou-se memorável e divertida, lembra.

Eduardo destaca o modelo educacional do país, que utiliza o sistema Cambridge. O ano letivo se inicia em 10 de janeiro, e é dividido em termos:

“São três termos em cada ano, e em cada intervalo nós temos um mês de férias. Elas ocorrem em abril, agosto e dezembro. Além disso, os alunos têm a flexibilidade de escolher as matérias que desejam estudar, podendo optar por assuntos como Matemática, Negócios e Economia, entre outros.”

Ele acrescenta que o lado esportivo é enfatizado nas escolas do Zimbabwe, sendo obrigatório que os alunos escolham um esporte a cada termo para participar. As provas ocorrem duas vezes ao ano, com uma duração considerável, e durante esse período, os alunos comparecem à escola apenas nos dias de realização das provas. No entanto, os intercambistas não são autorizados a participar dessas avaliações e permanecem em casa durante esse período.

A experiência de Eduardo mostra que muitas vezes o sonho do intercâmbio perfeito está longe de acontecer. Dificuldades de adaptação surgirão, seja por questões culturais, pelo idioma, pela família hospedeira ou pela fragilidade do país.

O relato de Eduardo sobre a má alimentação e perda de peso é um caso forte, que mostra como situações mais inimagináveis podem ocorrer. Apesar disso, quando questionado sobre a importância do intercâmbio e os conselhos para brasileiros que pensam em viajar para o exterior, ele diz que todos devem seguir seus sonhos e enfrentar as dificuldades e os momentos mais difíceis.

“Faça muitos amigos, se envolva com a escola e com diversos projetos. Haverá dias difíceis sim, mas lembre-se que você nunca estará sozinho. Você terá amigos e familiares torcendo por você no Brasil, querendo tudo de bom e melhor para ti”, finaliza.

Editado por Mariana Ribeiro

Encontrou algum erro? Avise-nos.