“Venha preparada para a realidade, é vida real”: entenda como é ser au pair nos EUA - Revista Esquinas

“Venha preparada para a realidade, é vida real”: entenda como é ser au pair nos EUA

Por Camila Alexandrino : julho 15, 2022

Robert Gomez / Unsplash

Programas de intercâmbio oferecem oportunidades de conhecer novas culturas em troca de trabalho, mas te dizem o que um au pair encontra lá?

Sair do país, ganhar em dólar e ter a oportunidade de viajar pelos Estados Unidos. Muitas garotas saem de seu país de origem para ganhar a vida como au pair — nome dado para quem exerce a profissão de babá enquanto faz intercâmbio cultural —  com esses mesmos sonhos. As agências oferecem todo o suporte, mas nem sempre as experiências são como nos contos de fadas da Disney.

Basicamente, as au pairs vão morar com uma família anfitriã com as despesas de alimentação e moradia custeados por essa família e em troca, elas ajudam com tudo que é relacionado às crianças. Cada família pode definir as regras de trabalho do jovem au pair, mas geralmente, as tarefas são: levar para a escola, dar almoço, banho, lavar roupas, brincar e tudo mais ligado a esse universo.

As agências levam jovens de diferentes nacionalidades, geralmente para morar nos Estados Unidos, porém, podem surgir oportunidades de intercâmbios em países da Europa, África, Oceania etc. Há alguns requisitos além de falar inglês, como a faixa etária. Quem deseja ingressar no programa precisa ter entre 18 e 26 anos. É possível embarcar até três meses antes de completar 27, mas pode ser mais difícil, então, para quem deseja viver esse tipo de experiência é preciso se preparar antes para não correr riscos.

Foi o caso de Karina Abrante da Silva, que hoje tem 28 anos e mora na cidade de Stamford, Connecticut. Ela saiu de São Paulo dois meses antes de completar 27 anos, mas já estava se preparando meses antes de embarcar.

Quando descobriu o programa de au pairs, ela estava trabalhando em um escritório de advocacia enquanto cursava Gestão Comercial no Brasil. Uma colega de trabalho, que estava se desligando do escritório por ter sido aprovada no programa de intercâmbio, contou para ela um pouco de como funcionava, porém, ao visitar uma das agências, logo se deparou com alguns impedimentos: ela não tinha inglês intermediário, que é um requisito básico para viajar, além de não ter habilitação para dirigir, outra exigência.

au pair

Karina Abrante em Stamford. Foto: Reprodução / Instagram
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A sorte esteve ao seu favor, pois um colega da igreja que frequentava se ofereceu para pagar suas aulas de direção e ela passou a ter aulas particulares de inglês nesse período também. Conseguiu o dinheiro para o pagamento do intercâmbio e assim, em fevereiro de 2021, embarcou com passagem para os Estados Unidos, onde mora atualmente.

Rafaela Cristina da Silva, de 26 anos, também nasceu em São Paulo e descobriu o programa de intercâmbio durante a pandemia. Com formação em História, ela trabalhava no Brasil como historiadora documentalista, mas, com a chegada das restrições devido a pandemia da covid-19, ela viu o número de contratos de trabalho reduzir cada vez mais.

Como já seguia algumas páginas e canais no Youtube de blogueiros de viagem e intercambistas, acabou pesquisando melhor sobre o programa de au pairs e resolveu se preparar para embarcar para os Estados Unidos. Diferente de Karina, Rafaela foi autodidata no aprendizado do novo idioma. Depois de algum tempo vendo filmes em plataformas de streaming, como a Netflix e videoaulas no Youtube, ela fez o teste de fluência na agência. “Meu inglês já veio considerado como avançado. Então, não sei que milagre eu fiz, mas funcionou”, relata.

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Rafaela da Silva em Washinton DC. Foto: Reprodução / Instagram
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Um pouco mais jovem e também cheia de sonhos, Larissa da Silva Monteiro, de 20 anos e também de São Paulo, estava se preparando para o intercâmbio cultural muito antes de poder, de fato, participar. “Quando eu decidi fazer o intercâmbio de au pair eu não tinha nada, não tinha CNH e não tinha idade. Eu fechei com a agência quando tinha 17 anos. Só tinha um pouquinho do inglês e horas de trabalho com crianças que eram, querendo ou não, uma das coisas importantes. Então eu fui atrás dessa parte mais burocrática”, ela relata.

As três embarcaram para o Estados Unidos durante a pandemia, mas cada uma enfrentou processos diferentes para conseguir a entrada no país norte-americano. Rafaela, precisou recorrer ao consulado chileno para conseguir tirar o visto. “Eu tive que ir pro Chile tirar o meu visto, que era um dos únicos países que estavam aceitando emitir visto para não-residentes, então eu fui emitir o meu J1 no Chile e eu tive todo o apoio da família aqui em cima.”, ela conta que a família aceitou o combinado porque queriam uma au pair o quanto antes.

au pair Larissa

Larissa Monteiro em Atlanta. Foto: Reprodução / Instagram
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Relação com as hosts families

Rafaela se acomodou de cara com a nova casa e família. “A minha menina tem seis anos e o meu menino tem oito. E eles me receberam muito bem. Eu nunca achei que eu fosse amar tanto duas criaturinhas que não são da minha família”. Curiosamente, o match com a família — como as au pairs chamam o momento em que família e intercambista decidem que gostaram um do outro — foi bastante preciso. “A gente monta um perfil que é como um perfil do Tinder, na plataforma da agência. Você coloca os seus gostos de alimentação, se você sabe dirigir, você pode escrever uma carta, pode fazer vídeo, coloca as suas fotos lá, conta as suas experiências com crianças”, ela relata de forma bem humorada.

A host mom, matriarca da família, também é historiadora, e ao visitar o perfil de Rafaela identificou isso como um ponto positivo. “Ela me escreveu: ‘Oi, eu vi que você é historiadora e eu também sou, o que você acha de vir morar em Washington D.C.?’, então eu acabei vindo para a casa de uma historiadora também. assunto que não acaba mais.”.

A intercambista e a família se deram tão bem no primeiro ano de programa, que, em conjunto, decidiram estender a experiência por mais um ano, que é o tempo máximo que um au pair pode ficar com esse tipo de visto.

Larissa também acabou indo morar na casa da primeira família com quem deu match. Ela reside em Nashville, no estado do Tennessee, desde julho de 2021. Larissa completa um ano no programa em alguns dias, porém, diferente de Rafaela, ela não irá prolongar a estadia na casa atual por mais tempo. “Eles queriam que eu trabalhasse mais, me pagassem menos e aí eu falei não. Foi basicamente isso. Eu falei não porque eu mereço mais”.

Ela conta também que ainda em julho de 2022 irá morar com outra família na mesma cidade. “Eu encontrei uma família que mora aqui em Nashville, eles moram a 20 minutos do centro e eu atualmente moro a 40 minutos. E eles têm uma vaca!”.

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Larissa Monteiro na sua festa de 20 anos com tema de vacas. Foto: Instagram / Reprodução
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Por outro lado, o programa de au pairs não é só flores. Alguns intercambistas passam por vários problemas até encontrar uma família que lhes seja adequada. Karina sabe bem como é isso, pois até chegar na sua host family atual, em Stamford, ela teve outras três. Em todas teve algum transtorno que lhe obrigou a fazer um rematch — uma nova combinação entre família e a au pair. Com a primeira, um casal de indianos com gêmeas de um ano e uma menina de seis, moradores de Long Island, Nova York, a família extrapolava com frequência o limite máximo de 45 horas semanais da au pair e pagavam menos do que o programa exigia, $ 195,75 semanais. Uma outra adversidade que ela enfrentou foi o fato do host dad beber com frequência e ficar agressivo com a esposa. Um dia, ela estava trabalhando por mais horas do que o combinado, tentou conversar com a host mom, que estava no trabalho e ela, ao ligar para o marido e cobrá-lo, deixou o homem nervoso, que quis descontar em Karina. Os dois tiveram uma discussão onde ele ofendeu a au pair.

Depois disso, ela não se sentiu mais segura, ligou para a LCC mais próxima — Local Childcare Consultant, uma espécie de coordenadora que está sempre disponível na região onde a au pair mora para ajudar em casos de urgências, emergências e outros assuntos. Essa primeira família acabou sendo expulsa do programa e Karina foi encaminhada para outra. O segundo e o terceiro rematches não foram tão graves quanto o primeiro, mas as famílias não foram legais, de acordo com Karina.

Agora ela está há oito meses com a quarta host family. “É a melhor, graças a Deus. Eles são muito bons comigo”, conta ela, que agora cuida de gêmeos de quatro anos e um menino de seis.

Além do trabalho, as férias do au pair

A rotina das três envolve levar as crianças para a escola, preparar lanches e outras refeições como o almoço, ajudar nas tarefas escolares, levá-los para brincar, lavar as roupas dos pequenos, manter os quartos organizados e outras coisas relativas ao trabalho de au pair.

Agora nos Estados Unidos, todos estão vivendo as férias de verão, então, as crianças passam mais tempo em casa e cabe às intercambistas pensarem em maneiras de entretê-las durante o expediente. Zoológicos, parques, clubes aquáticos estão entre algumas das recreações feitas por elas. Como todas cuidam de mais de uma criança, é preciso ter um certo jogo de cintura para estimular a criatividade e ainda evitar brigas. Rafaela fez um “potinho de atividades”, que foi um sucesso com os pequenos de quem cuida. “É um potinho com atividades pra gente fazer no verão e todo dia a gente sorteia uma. É ótimo, porque aí eles não brigam, foi o potinho que decidiu, não foi a gente, então não vão brigar”, conta de forma bem humorada sobre a ideia.

Todas as au pairs contam com duas semanas de férias remuneradas, então, elas podem viajar para onde quiserem nesse período. A host family de Rafaela lhe concedeu quatro semanas de descanso em períodos separados. Ela aproveitou. Além de conhecer a cidade onde mora, em Maryland, próximo a Washington D.C., ela esteve em Pittsburgh, na Pensilvânia; Nova York; Chicago, em Illinois; Boston e Salem, estes dois últimos em Massachusetts.

Karina também viajou bastante desde que foi morar nos EUA. Ela já esteve em Oklahoma, Texas, Dallas, Nova Jersey, Nova York, Flórida e também na Carolina do Sul.

Já Larissa, que não costumava viajar antes, aproveitou bem o período que está morando em outro país. “Eu nunca fui uma pessoa de viajar, nunca imaginei que eu viajaria muito, tanto que nem era um objetivo meu. E aí com três meses eu já tinha visitado seis estados”, ela relata. “Eu já fui pra Califórnia, já fui pro Alabama, pro Texas, já fui três vezes pra Nova York. Em Atlanta, na Geórgia, eu já fui 5 vezes. Já fui pra Chicago. Onde mais? Meu Deus, onde mais eu fui? Ah, Oklahoma, Indiana e Kentucky, que são estados perto daqui”, ela completa a lista.

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Saudade, falta de privacidade e solidão

As garotas contam que a saudade e a solidão são um dos maiores pontos negativos da experiência. “É você ficar longe, estar sozinha aqui. Você chega e não tem ninguém.. Aqui eu conquisto as minhas coisas, mas nem sempre paga essa saudade, essa falta de casa, da minha irmãzinha. Nem sempre um iPhone, um AirPods, um Apple Watch paga isso, sabe?”, afirma Larissa.

Karina conseguiu lidar melhor com a distância da família, até mesmo lidar com o namoro de nove anos que se tornou um relacionamento à distância e estava dando certo, até a intercambista contar ao ex-namorado que iria estender o período da experiência, que inicialmente seria de apenas um ano. “Quando você chega aqui vê oportunidades, você vê que você pode crescer um pouquinho mais. Eu falei pra ele: ‘Olha, eu vou ficar um pouquinho mais, vem para cá, você fica mais uns seis meses comigo e depois a gente volta para o Brasil’ e ele não quis. E aí a gente terminou”, ela explica a decisão.

Morar com os “chefes”, como diz Larissa, é um dos outros pontos negativos. As garotas afirmam que a falta de privacidade é um ponto importante. “Por mais que eu me sinta em casa aqui, só aqui no meu quarto que eu consigo relaxar, ficar tranquila. Morar com os chefes não é fácil”, ela conta. “A família pode ser maravilhosa, mas é insuportável viver na casa dos outros. Você está em um ambiente que não é seu, você dirige um carro que não é seu. Seria muito melhor se existisse uma agência que te colocasse para dormir numa casa separada”, relata Karina.

Todas fizeram amizades fora do país, inclusive com outros brasileiros que fazem o programa de au pair, além de nativos e intercambistas de outros países. Larissa, por exemplo, quis explorar amizades de diversas nacionalidades, homens e mulheres. “Eu tenho amizade de tudo quanto é lugar. Tenho bastante amizades brasileiras aqui, por conta do círculo social e de grupos, mas também tenho muito amigo gringo, americano, mexicano, colombiano, inglês, jamaicano. Literalmente, eu tô na fila da padaria, aí a gente começa a puxar assunto, faz amizade”.

Vale a pena ser au pair?

Para concluir, todas falaram que vale a pena, sim, ser au pair. Nenhuma acredita que voltará ao Brasil da mesma forma que saiu. “Quando eu cheguei aqui eu descobri que eu consigo ser muito mais independente do que eu achei que eu poderia ser, então isso também foi uma grande surpresa pra mim. Poder manejar algumas situações com as crianças que eu achei que talvez eu não daria conta. Eu cresci muito nesse um ano e três meses que eu tô aqui, além do benefício de ter um inglês mais afinado, de poder conviver com várias pessoas, de conhecer vários lugares, várias situações, mas eu me surpreendi mesmo foi com o crescimento pessoal. Eu vou voltar pro Brasil outra pessoa”, pontua Rafaela.

Já para Karina vale a pena pela mudança pessoal. “Vale muito simplesmente pela mudança que esse programa te proporciona e não tem a ver com dinheiro, com coisas materiais, eu tô falando de mudanças internas. Você aprende muito mais sobre você, você aprende muito mais sobre suas limitações, onde você precisa mudar. É uma jornada de autoconhecimento”, ela completa.

Larissa acredita que com toda certeza vale a pena. “Eu faria o au pair uma segunda vez, inclusive. Eu recomendo muito, não é um intercâmbio perfeito, mas vale muito a pena. Aqui você se descobre, se reencontra. Tenho certeza que se eu voltasse pro Brasil amanhã eu não ia voltar a mesma menina que saiu de lá”, ela finaliza.

Editado por Nathalia Jesus

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