Manifestação que ocorre desde 1995 foi realizada em duas regiões da cidade de São Paulo e foi marcada por sensação de maior segurança para protestos de rua após fim de governo Bolsonaro, destacam participantes
“Precisamos lutar, sair na frente de secretarias, prefeituras, tribunais e clamar por justiça”, diz Kric em seu discurso na Praça da Sé. O músico e poeta, que atua na liderança do Sefras (Serviço Franciscano de Solidariedade), falou no Grito dos Excluídos e Excluídas em São Paulo neste 7 de setembro. “A gente pede socorro pra que o Estado possa ver a gente como pessoas.”
Essa manifestação acontece na semana da pátria desde 1995 e, nesta 29ª edição, carregou como lema “Você tem fome e sede de quê?”
Para Paulo Pedrini, coordenador da pastoral operária metropolitana de São Paulo e membro da coordenação do Grito, essa fome e sede é de uma sociedade justa e igualitária. “Todos têm o direito à saúde, educação e moradia. O grito dos excluídos é sempre uma data onde reforçamos o nosso compromisso de uma busca incessante por uma sociedade, de fato, onde todos tenham uma vida digna”, afirma.
Elder Roberto, em situação de rua desde os 17 anos, acredita que o protesto é algo meramente simbólico, e que não trouxe ainda mudanças reais na sua realidade. “É um grito. Mas é só hoje. É uma data, igual ao ano passado. Eu fui, eu frequentei. Mas isso você sabe que não dá em nada, né? Só fotos, Ibope, mas, na prática, nada muda, vai continuar tudo normal”, diz.
Também em situação de rua, Edgar William, destaca a importância de fazer parte da manifestação para que a sociedade seja menos segmentada. “A gente se sente muito excluído da sociedade. As pessoas olham para as pessoas que estão na rua de forma diferente”, relata. Ele destaca a intenção do Grito: “Esse protesto é para ver se as pessoas abrem um pouco a cabeça, que nem todo mundo é bandido, nem todo mundo é ladrão”.
O NOVO GOVERNO
Para Ian Neves, professor de história, criador de conteúdo e militante fundador da Soberana, coletivo marxista-leninista, a situação mudou com o novo governo, mas a luta continua. “O que a gente não pode deixar é a ilusão de um governo social democrata agora estar empoderado, criar um sentimento de que as coisas estão resolvidas”, afirma.
Ele acredita na necessidade de criar uma alternativa para que a esquerda não dependa completamente do Partido dos Trabalhadores (PT) e que o movimento não perca força. Isso é preciso, diz, “para conseguir manifestar esse sentimento de que o 7 de Setembro não trouxe nada pra classe trabalhadora, não trouxe cidadania e não trouxe nada, principalmente para a população negra, ribeirinha, cabocla e indígena deste país”.
A coordenadora da pastoral Fé e Política da Região Episcopal da Lapa,Tatiana Vieira, destaca a existência de um cenário mais tranquilo para a realização do ato em relação a 2022, ainda no governo Bolsonaro, quando discursos de ódio e fake news eram disseminados. “Era uma avaliação realmente de preservação, de instinto de sobrevivência, de ‘vamos cuidar dos nossos, não se exponham demasiadamente, avaliem os riscos’.”
Com a eleição do Lula e o afastamento da disputa eleitoral, Gustavo Gaiofato, professor e historiador, acredita, por outro lado, que houve uma desmobilização da esquerda. Ele diz perceber um “endireitamento” dos movimentos originalmente de esquerda, uma vez que já teriam, em suas palavras, combatido o “mal maior”, se referindo a uma “retirada” do poder do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Como consequência,“a gente se torna mais frágil, menos mobilizado, e portanto, um alvo mais tranquilo para poder ser vítima de qualquer tipo de opressão por parte das forças mais reacionárias da sociedade”.
A necessidade de continuar a luta é destacada pelo presidente nacional da Unidade Popular (UP), Leo Péricles. Ele destaca que as eleições são insuficientes para derrotar ameaças como o fascismo de forma concreta. “É fundamental o movimento popular estar articulado, porque é assim que consegue, junto com as greves, com as ocupações e com os movimentos populares, ter força para colocar uma pá de cal no fascismo”, diz.
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AS CONCENTRAÇÕES
Pela primeira vez, o Grito dos Excluídos se dividiu em duas concentrações, uma na praça da Sé e outra na Oswaldo Cruz, no início da avenida Paulista. A manifestação nessa região contou com movimentos de base ligados ao PT, como a Central dos Movimentos Populares (CMP), responsável pela organização do ato.
Caminhando em direção ao Ibirapuera, os manifestantes apoiaram causas identitárias, como feminismo e a questão de gênero, além de promoverem discursos voltados à política do governo atual e à possível prisão de Bolsonaro. Os cantos e reivindicações eram mais moderados em relação ao que ocorria no centro da cidade.
Na praça da Sé, onde o Grito tradicionalmente ocorre, os discursos tratavam de temas como desigualdade social, violência policial e luta de classes. A manifestação na região reuniu um público que “gritava” pela 29° vez: “Independência para quem?”. Por outro lado, a edição deste ano contou com um público menor do que o presente na mesma ocasião de 2022.
Moradores de rua e pessoas em situação de vulnerabilidade protestavam em nome de uma vida digna. Ao mesmo tempo, contou com posicionamentos contrários a medidas do governo Lula, como a não revogação da reforma trabalhista, da previdência e do ensino médio.
“Estamos diante de um governo que a gente ajudou a eleger, mas que vem vacilando, principalmente nas políticas de aliança que vem estabelecendo. Essa política de conciliação de classe, manifestada na aliança com o “centrão”, está só trazendo problemas de médio e longo prazo”, comenta Péricles, da UP. “A governabilidade que precisa ser construída no Brasil é com o povo.”
Editado por Redação
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