Jovem promessa do tênis, João Fonseca, pode se tornar mais um atleta brasileiro a atuar por uma universidade nos Estados Unidos
O sonho de se tornar atleta profissional pode ser realizado através de vários caminhos. Cada esporte possui um contexto distinto, e o praticante precisa se adequar conforme suas particularidades. No entanto, com o passar dos anos, o ingresso em universidades estadunidenses por meio de bolsas tem sido visto de forma cada vez mais atrativa por jovens atletas brasileiros.
Atualmente, muitos destaques do esporte nacional optam por esses rumos, e a assinatura de uma carta de intenção de João Fonseca com a Universidade de Virgínia reacendeu as discussões a respeito do assunto.
Um break point para o atleta João Fonseca?
O tênis brasileiro tem João Fonseca como uma de suas grandes promessas. Dono de grandes resultados nos torneios de base, o carioca de 17 anos recebeu nesta terça-feira (12) o prêmio de campeão mundial juvenil de 2023, após terminar o ano como líder do ranking de juniores.
Em setembro, o tenista conquistou o U.S. Open juvenil, o que lhe rendeu muitos pontos. Em entrevista à ESQUINAS, Alexandre Cossenza, dono da coluna Saque e Voleio, no UOL, explica quais são os indicadores que fazem de João um atleta tão promissor:
“Acho que se pegar e olhar nos últimos 10 anos de formação de tenistas dos jovens brasileiros, o João talvez seja o único que tenha chegado aos 17, 18 anos com um jogo pensado em jogar profissional. Não que ele esteja pronto para o profissional, mas tem um tênis com os golpes moldados para ele ter sucesso no profissional. É um cara que tem um saque muito grande, que tem uma direita que anda muito, uma esquerda que também anda e que gosta de jogar perto da linha, gosta de jogar atacando.”
No entanto, em meio à sua ascensão, foi reportado que o tenista pode decidir por um rumo um pouco diferente do habitual: João Fonseca assinou uma carta de intenção com a Universidade de Virgínia (UVA). Isto é: caso ele opte por disputar o circuito de tênis universitário dos EUA, ele obrigatoriamente vestirá as cores de UVA. A entrada ocasionaria a saída – mesmo que temporária – do brasileiro do circuito profissional.
“No Brasil os melhores juvenis quase todos vão para o circuito mundial direto. Muitos treinadores e muitas academias ainda têm uma visão, que eu acho ultrapassada, de que o circuito universitário freia e retarda a evolução dos tenistas. Mas isso também existe porque o Brasil nunca teve um tenista que foi para o circuito universitário, fez sucesso, e voltou para O profissional. O dia que aparecer um tenista brasileiro que faça isso – e é perfeitamente possível que isso aconteça – eu acho que quebra esse preconceito”, opina Cossenza.
O jornalista também relembra do caso de Luísa Stefani, que seguiu esse caminho e hoje é muito bem-sucedida no tênis profissional, porém como duplista: “O Brasil não tem um simplista que ajuda a quebrar esse mito. Nos Estados Unidos é bem comum, tem vários tenistas hoje no circuito que fizeram circuito universitário e voltaram para o circuito profissional e são Top-100, Top-50 alguns”.
A opção também tem parcela da família, conforme apuração do “Saque e Voleio”: há um desejo do pai de João de que o filho aprenda a lidar com negócios. Ainda que esse aprendizado não precise acontecer necessariamente com o ingresso na faculdade no ano que vem, a assinatura da carta de intenção contém esses traços. A ideia, caso João de fato entre, é de ficar um ou dois anos.
Por fim, a respeito de possíveis prejuízos que a entrada no circuito universitário, Cossenza rebate: “Não consigo imaginar ele entrando na faculdade saindo um tenista pior. Vai atrasar a evolução dele no ranking? Vai. Agora, assim: ele tá com pressa de subir no ranking? Tem muita gente entrando no circuito com 22, 23, que é justamente o pessoal que tá saindo de faculdade, e entram bem. Não acho que entrar mais tarde hoje seja um grande prejuízo.”
O futebol na terra do soccer
A ideia de adquirir conhecimentos empresariais enquanto atleta não é exclusiva de João. O caso de Carlos Eduardo Almeida, conhecido como Cadu, é prova disso. O rapaz de 23 anos atua pelo time de futebol de Notre Dame College, em Cleveland, recebendo bolsa de 100% para cursar um major, diploma que exige maior número de créditos acadêmicos, em Business (equivalente ao curso de Administração) e um minor, diploma secundário, em Management Information Systems (equivalente ao curso de Tecnologia da Informação).
Com previsão para se formar em maio de 2024, Cadu chegou aos EUA em janeiro de 2021, com a ajuda da empresa 2SV Sports & Education. Ele conta que tudo começou ao expressar sua frustração com os preços das faculdades estadunidenses, que impediam seu desejo de se matricular em uma delas, para um amigo, que já havia se mudado para os EUA.
Isso fez com que seu contato o indicasse para a 2SV, repassando um vídeo com um compilado das ações de Cadu durante jogos disputados no Brasil. O jovem, então, foi chamado para um treino, em que um dos sócios da empresa o viu jogar e se impressionou, fazendo uma boa “propaganda” do atleta para as universidades estadunidenses, o que viabilizou a bolsa integral para Cadu.
Esse sistema de avaliação por vídeos, no entanto, possui suas falhas. Um rapaz foi aceito em Notre Dame College depois de ter enviado um e-mail ao técnico com um vídeo de jogadas encantador: “Era o Messi!”, brinca Cadu.
“O cara falou que era o camisa 10 do Coritiba na base. Só que a gente ‘tava’ meio duvidoso, ‘tava’ muito bom para ser verdade. E aí quando ele chegou aqui não era nada. Ele tinha dado um ‘migué’, feito um vídeo fake. Não rendeu. E quando você vem para a faculdade, você assina um contrato com a faculdade de um ano. Então eles meio que não podiam cortar a bolsa do menino por um ano. E ele ficou um ano aqui”, complementa o atleta.
O suposto craque foi cortado, mas não sem deixar ressentimentos:
“Querendo ou não, vai deixando os meninos aqui meio bravos. Um menino que joga, que é importante pro time, às vezes paga 10.000 dólares. E aí chega um moleque que nem joga, meio que tá de graça aqui, com 100% de bolsa, morando de graça, comendo de graça, treinando de graça”, explica Cadu.
Continuar com a bolsa, no entanto, não é tão simples. Há uma média de notas que o atleta precisa atingir para seguir recebendo o benefício e que, caso ele não bata, impedirá que ele siga jogando. Isso se torna particularmente mais difícil no período de agosto a dezembro, quando ocorre a temporada dos esportes de campo, como o futebol.
Como no primeiro semestre a neve costuma impedir a prática desportiva, os jogos são apertados na segunda metade do ano. Assim, a rotina de treinos, somente, entre janeiro e maio, transforma-se em uma maratona de jogos e treinos praticamente ininterruptos, o que inclui também viagens interestaduais.
O atleta conta que, mesmo em idas para West Virginia, estado vizinho a Ohio, o tempo de deslocamento bate quatro ou cinco horas. Além disso, as voltas para a faculdade acontecem de madrugada muitas vezes. Para quem tem aula às oito ou nove da manhã, o cansaço é grande.
Ainda há a questão dos trabalhos e lições, como ressalta o jovem: “Quando a gente tem jogo fora de casa durante a semana, a gente manda e-mail para os professores e eles são super compreensivos, mas não dá para deixar de fazer os trabalhos, as lições de casa e de comparecer à aula. Então é difícil, porque às vezes a gente está num hotel, no outro dia tem jogo. A gente fica até 11 horas da noite no computador fazendo trabalho para mandar pro professor. Sempre minhas melhores médias foram de janeiro até maio. Quando pega o semestre de agosto até dezembro dá uma caída, porque é muito puxado: treino, jogo, aula e trabalho é difícil de conciliar.”
O brasileiro também conta que, por mais que ainda tenha o sonho de se tornar jogador de futebol, desde sua ida já tinha em mente que a carreira fora dos campos seria um plano B bastante sólido. Dessa forma, conseguiu um estágio na Cleveland Clinic, rede hospitalar com mais de 300 unidades espalhadas pelo mundo:
“Eu queria ser um dos melhores. Sendo realista, com 23 anos eu posso até chegar, mas para eu estar na elite do futebol mundial assim é muito difícil. Então eu já me adiantei um pouco aqui.”
Motivações não necessariamente esportivas partem também da própria faculdade. A diversidade é algo muito valorizado, como diz Nick Felician, 23, assistente técnico do time de futebol de Notre Dame:
“Há talentos em todo o mundo e adoramos trazer os jovens para cá para lhes dar a oportunidade de chegar ao nível mais alto. Durante o meu tempo aqui, como jogador e treinador, tivemos jogadores da Europa, África e América do Sul. Nosso time é muito diversificado e gostamos de aumentar isso para vencermos como programa e para que nossos jogadores façam amigos para a vida toda.”
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Alguns dos atletas de elite do Brasil na atualidade estudam ou estudaram em universidades estadunidenses. Duas das grandes promessas da natação brasileira, Guilherme Caribé, 20, e Stephanie Balduccini, 19, que combinaram para nove medalhas nos Jogos Pan-Americanos de Santiago-2023, estudam nas Universidades de Tennessee e Michigan, respectivamente.
No basquete, a atleta Stephanie Soares, 23, saiu de Iowa State para ser escolhida na quarta posição do draft da WNBA de 2023, e deve ser seguida pela também promissora Kamilla Cardoso, 22, que sairá da Universidade da Carolina do Sul em 2024. Já Júlia Bergmann, presença constante da seleção brasileira de vôlei mesmo com só 22 anos, atua pela universidade de Georgia Tech.
Até mesmo no futebol americano o Brasil tem representantes, com Davi Belfort, filho de Vitor Belfort, atuando como quarterback por Virginia Tech e sonhando em repetir os passos de Cairo Santos, kicker do Chicago Bears que se formou na Universidade de Tulane, e entrar na NFL.
Como atletas notáveis do passado, é possível citar César Cielo, nadador medalhista de ouro nos 50m livre nas Olimpíadas de Pequim, em 2008, e que se formou na Universidade de Auburn, além de Joaquim Cruz, corredor campeão olímpico dos 800m rasos em Los Angeles-1984 e que estudou na Universidade de Oregon.
A propósito, o meio-fundista, que hoje mora em San Diego, ajuda universidades estadunidenses a recrutar atletas brasileiros. Em entrevista ao site “Olimpíada Todo Dia”, Cruz ressaltou como a experiência ajuda os bolsistas independentemente de seu futuro. “O atleta não recebe dinheiro, mas recebe sim, em forma de educação e cultura. Se um adolescente vem pra cá e fica quatro, cinco anos tendo essa experiência adquire uma base para o resto de sua vida”, diz.