“A gente sabe tudo sobre Luther King, mas nada sobre Luiz Gama”, diz Jeferson De, diretor de Doutor Gama e M8 - Revista Esquinas

“A gente sabe tudo sobre Luther King, mas nada sobre Luiz Gama”, diz Jeferson De, diretor de Doutor Gama e M8

Por Marcos Ramos : agosto 31, 2021

Cineasta Jeferson De fala sobre sua trajetória e o processo de desenvolvimento de filmes como M8 – Quando a morte socorre a vida, disponível na Netflix e Doutor Gama, no Globoplay

Maurício é um garoto da periferia do Rio de Janeiro que começa a estudar medicina numa universidade renomada. Na primeira aula de anatomia, ele se depara com M8, o cadáver que será estudado por ele e sua turma e cuja identidade eles tentarão desvendar. Essa é a trama de M8 – Quando a morte socorre a vida (2019), filme dirigido por Jeferson De e disponível na Netflix, baseado no livro homônimo de Salomão Polakiewicz.

Natural de Taubaté, São Paulo, o cineasta Jeferson De, 53 anos, procura fazer filmes que dialoguem com toda a sociedade. M8, segundo ele, tem a intenção de mostrar, de maneira didática, questões vividas por pessoas negras no dia a dia, na tentativa de nutrir um sentimento de empatia em pessoas brancas.

Em entrevista ao CAVHCAST, do Centro Acadêmico Vladimir Herzog (CAVH), ele explica: “Eu queria mostrar para negros e principalmente para não-negros as situações do cotidiano de um menino que mora numa comunidade, passou em medicina e, ao chegar em sua aula de anatomia, todo mundo ali está estudando três corpos, que são negros, e o Maurício [protagonista vivido por Juan Paiva] é o único aluno negro da turma.”

O contraste de Maurício em relação à turma é evidenciado quando ele mesmo afirma no decorrer do filme que se identifica mais com os cadáveres analisados do que com seus colegas de classe.

 Religiões de matriz africana

Jeferson De também teve a intenção de destacar religiões de matriz africana, especialmente a Umbanda, como parte da identificação racial presente em M8 nas cenas em que Maurício vai ao terreiro com sua mãe. “Eu tento colocar o branco dentro de um terreiro de Umbanda. Se eu mostrar esse martelo [do deus Thor], qualquer criança vai saber de qual deus é e quais são as suas características. Aí quando eu pergunto de onde é esse arco e flecha [do orixá Oxóssi] e de qual deus ou orixá se refere, poucos sabem.”

Jeferson De: Doutor Gama

Doutor Gama (2021), seu longa mais recente, é baseado na biografia de Luiz Gama, advogado negro que libertou cerca de 500 escravos num Brasil pré-abolicionista. O filme foi indicado ao American Black Film Festival, o maior evento de cinema negro do mundo, e pode ser encontrado no Globoplay.

“A gente sabe tudo sobre Martin Luther King, sobre Malcolm X, e a gente não sabe nada sobre Luiz Gama. Nada sobre Ferreira de Menezes, que era um brother do Luiz. É um pouco desse lugar que meus filmes tentam transitar”, afirma Jeferson sobre o peso de ter seu filme em terras internacionais.

Para ele, é importante que os brasileiros conheçam histórias de personalidades como Gama: “Óbvio que o mundo precisa saber do Luiz Gama. Mas eu acho que a gente que mora e estuda em São Paulo, que mora no Brasil, que é baiano, que é mineiro, a gente que tem uma luta antirracista, a gente tem que conhecer a história dele”.

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Colorismo e o policial negro

Quando questionado sobre a escalação de Caio Blat como protagonista do filme Bróder (2010), Jeferson De aborda a situação do homem branco periférico e a discussão do colorismo, que classifica e identifica pessoas negras pelo grau de negritude, ou seja, quanto mais escura a cor da pele, mais preconceito a pessoa sofre.

“A ideia era que ele fosse um menino que sofresse uma série de vulnerabilidades por vir da periferia, mas que quando ele saísse da periferia, as possibilidades fossem outras. De certa forma, era uma maneira de discutir o colorismo. Quanto mais próximo da minha cor, mais fodido você vai estar. Quanto mais claro, as possibilidades do mundo vão te ajudar”, explica o diretor.

Similarmente, ele traz uma cena de M8, em que Maurício sofre um enquadro num bairro nobre, para comentar a ironia presente na cena: um policial negro presenciando uma abordagem violenta contra um jovem também negro.

“Eu rodei essa cena com o policial branco tendo uma atitude violenta com o Maurício e o policial negro meio que aconselhando ele ali. Eu queria mostrar esses dois lugares. O policial negro por um momento se esquece de sua farda e tem uma atitude muito fraternal. Ele dá um conselho de irmão mais velho, enquanto isso nem passa pela cabeça do policial branco, que só pensa em imobilizar mais um menino negro”, conta Jeferson De.

Para assistir à entrevista na íntegra, acesse o link.

Editado por Fernanda de Almeida.

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