O balé que transforma as periferias - Revista Esquinas

O balé que transforma as periferias

Por Bárbara Castro, Maria Clara Vaiano, Lucas Cavallini, Marcos Freitas e Vinícius Novais : outubro 24, 2020

Essa reportagem faz parte de uma série de conteúdos da Factual900 sobre a arte revolucionária das periferias.

Quem anda pelos metrôs de Nova York tem grandes chances de ver o rosto de Ingrid Silva, 26 anos, anunciando as apresentações de balé do Dance Theatre of Harlem. O que talvez não seja óbvio é que a famosa bailarina é brasileira, filha de empregada doméstica e nascida na periferia carioca do bairro de Benfica, local onde começou a dançar e estudar balé.

A cultura pulsa nas periferias brasileiras, inclusive por meio de artes consideradas mais eruditas, e que no passado já foram consideradas exclusivas da alta sociedade. O balé é um exemplo. Embora muitas pessoas sigam ignorando as artes periféricas, seja por preconceito ou falta de informação, expressões artísticas ganham força nas comunidades.

A ONG, o balé e o futuro

Esse é o caso do Ballet Paraisópolis. Por trás da iniciativa está uma organização não-governamental (ONG) fundada em 2012. Ela oferece aulas de balé e inglês, além de tratamento de fisioterapia para mais de 200 crianças. De acordo com a diretora da instituição Monica Tarragó, isso só se é possível por conta das doações feitas no site e pelas leis de incentivo à cultura. O Ballet Paraisópolis tem uma parceria com a escola de línguas Cultura Inglesa, que oferece bolsas de estudos para alunos da ONG.

O projeto de Paraisópolis, a famosa comunidade da zona sul de São Paulo que já até virou tema de novela da TV Globo, atende a jovens de 8 a 17 anos. Atualmente, mais de 2 mil pessoas esperam aprovação da banca para que, assim, possam fazer parte da escola. “Temos o método Ballet Paraisópolis. Entendemos que as cinco técnicas de dança que existem no mundo podem ser absorvidas pelos corpos nesses nove anos”, explica Monica Tarragó.

Não são raras as vezes em que alunos do Ballet Paraisópolis recebem convites ilustres. O American Ballet Theatre, de Nova York, já chamou dançarinos para participarem de seus cursos de verão. Algumas crianças já fizeram parte de apresentações da São Paulo Companhia de Ballet, que dança no Theatro Municipal de São Paulo. Tarragó crê que os alunos podem voar ainda mais alto. Em seu futuro, a ONG almeja criar um centro de pesquisa e ter sua própria companhia de dança em uma sede particular. Atualmente, o Ballet Paraisópolis ainda tem de pagar aluguel.

Da diversão à profissão

Na comunidade do Morro do Alemão, no Rio, outro belo exemplo da dança na periferia é o Projeto Vidançar. A academia provê aulas de balé até a profissionalização dos alunos. Alguns deles já foram enviados para grandes companhias do mundo todo: 2 alunos foram para o icônico Balé de Bolshoi, 11 para o Theatro Municipal do Rio, 1 para a Academia Deborah Colker e vários para a Petite Danse ou para o Conservatório Brasileiro de Dança. Foi graças ao balé que esses jovens conseguiram ascender socialmente. Luís Fernando, 19 anos, nasceu no Morro do Alemão e hoje é um dos profissionais da Companhia Jovem de Ballet Bolshoi.

Sem ajuda do Estado, a ONG sobrevive apenas de doações para sustentar as aulas gratuitas. Por conta disso, o projeto corre o risco de acabar neste ano. A partir de dezembro, quando um grupo inglês pagará a última parcela de um patrocínio, a Vidançar estará sem recursos para manter o projeto. “Como estamos sem recurso, não estamos conseguindo fazer as doações para os alunos (de sapatilhas e colãs)”, lamenta Ellen Serra, idealizadora do projeto. Ela ainda não encontrou novos parceiros.

Muito além do balé

A cultura da periferia vai além do balé. Ela é uma forma de representar seus moradores e mostrar que sua realidade não se prende ao estereótipo da criminalidade, como mostra o projeto Favelagrafia. A periferia tem poesia, literatura, arte plástica, danças diversas, música e várias outras formas de se expressar.

Mas sempre que se fala de periferia uma das primeiras lembranças é a da música. Para os mais jovens, ela é traduzida pelo rap e funk, dois gêneros que extrapolaram os limites geográficos das comunidades. A Factual900 produziu um podcast para mostrar a evolução, com ares de revolução, que passou pela música na periferia.