O drive-in se popularizou como uma alternativa de entretenimento durante o isolamento social, mas dificilmente será mantido após o final da pandemia
Um estacionamento de cinco mil metros quadrados. A Ponte Estaiada resplandecia ao fundo. Luzes vermelhas no chão sinalizavam filas verticais. Carros de todos os tipos ocupavam a área a céu aberto. Ao centro, uma grande tela reproduzia cenas icônicas de La La Land – Cantando Estações. Diante do contexto provocado pela pandemia do novo coronavírus e a necessidade de adotar medidas de isolamento, a vida cultural foi gravemente afetada; e os cinemas, que representam um espaço fechado muito suscetível à contaminação, fecharam as portas por tempo indeterminado.
Muito comum nas décadas de 1950 e 1960 nos Estados Unidos, o cinema drive-in se consolidou como uma alternativa segura em 2020. “As pessoas mais velhas têm vontade de ir para relembrar a juventude e as mais novas veem isso nos filmes e séries antigas. Eu acho que o que atrai é a novidade, para um dia poder pensar: ‘Nossa, já fui em um drive-in’”. Isso é o que diz Rafael Bellangero, estudante de Cinema na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP).
O que é possível ver em um drive-in?
Mas não só de filmes ou espetáculos vive essa experiência. A estudante e palmeirense fanática, Gabrielli Simoni, assistiu uma final do campeonato paulista muito diferente daquelas que está acostumada. “Decidi ir em um drive-in, pois vou a todos os jogos do Palmeiras no estádio e estava bem chateada por não poder ir nessa grande final contra o Corinthians. Então comecei a pensar em possibilidades de assistir essa partida de uma forma que eu pudesse sentir o ‘calor da torcida’”, explica.
Ela conta que, naquele dia, o drive-in Tom Brasil se transformou no Allianz Parque lotado de palmeirenses. Dentro dos carros e com o distanciamento social, a torcida cantou e vibrou junta com o gol de pênalti que garantiu o 23° título estadual para a equipe alviverde.
Mesmo sendo fanática por futebol, Gabrielli diz que aprova o sistema e não descartaria a possibilidade de ir a um drive-in por outros motivos. “Sou doida por séries e filmes, e nesse mundo do cinema aparece muito a cultura do drive-in. Ou seja, pra mim que sou cinéfila, me senti dentro das telinhas”, conta lembrando de Riverdale, série do canal CW.
Para ela, além de tirar um pouco do tédio da quarentena, a atração pode permanecer até depois da pandemia. No entanto, no quesito futebol, ela jamais trocaria a experiência de um estádio por um drive-in. “Nem se compara.”
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Como funciona um drive-in?
O drive-in Arena Estaiada, localizado no bairro do Morumbi, em São Paulo, foi um dos primeiros do município a ter o protocolo de segurança aprovado. Para isso, foi necessário adotar medidas que minimizam os riscos de contaminação. Entre elas estão: venda online de ingressos, validação dos bilhetes sem contato físico, fila online do banheiro e higienização constante dos ambientes. “Nossa equipe de alimentos e bebidas usa máscara, face shield, touca e luvas”, comenta Fernando Ximenes, sócio-gestor do Arena Estaiada.
Administrar um drive-in é extremamente complexo. Além do sistema operacional próprio de um cinema padrão, o sócio explica que a experiência cinematográfica dentro de automóveis requer pensar em adaptações específicas. Um dos principais desafios é posicionar os 100 tipos diferentes de carros dentro de um mesmo espaço, para que os espectadores tenham uma visão adequada da tela.
“Os carros grandes precisam ficar no fundo, mas muitas vezes não aceitam, pois são os primeiros a chegar. A equipe precisa ser muito paciente para explicar para o cliente”, diz o gestor. Além disso, há o aspecto da segurança: é preciso viabilizar múltiplas rotas de fuga para que todos os veículos tenham uma saída única.
Ximenes ainda acrescenta que três fatores fizeram do drive-in um sucesso. “É a única opção segura de entretenimento durante a pandemia. Além disso, também é relembrar um comportamento tão famoso e divertido no passado, e viver uma experiência nova e diferente”, afirma.
Nesse cenário, Guilherme Mota, coordenador de mídia na agência de publicidade BETC, também acredita que o drive-in foi a melhor maneira de manter as atividades culturais, uma vez que grandes estreias foram adiadas e os cinemas pararam de funcionar. “Com um mundo onde não se pode ter contato com as pessoas, foi a melhor maneira, sem apresentar grandes riscos à saúde”, relata.
O drive-in veio para ficar?
O sucesso do drive-in, no entanto, é relativo. Por um lado, a experiência mostrou-se como uma resposta viável aos cinemas convencionais no cenário de pandemia. Mas por outro, o sistema não foi capaz de substituir o conforto anterior, dificultando a sua continuidade.
Quando questionado a respeito do modelo, Ximenes defendeu: “Definitivamente não [será tendência]. Ficar sentado em um carro por mais de três horas e estar limitado ao tamanho da janela do seu carro para ver a atração não é melhor do que ver um show em pé ou um filme no cinema.”
Soma-se a essa situação, o fato de não se ser uma alternativa economicamente viável para o grande público. O valor cobrado por cada carro pode chegar até 100 reais. “O drive-in acaba sendo mais desigual no acesso à cultura porque não é todo mundo que tem carro e que tem dinheiro para pagar o preço do ingresso”, relembra Bellangero.
Sem contar com as tecnologias próprias das salas de cinema IMAX e 3D, o drive-in não contempla a alta resolução que as telonas e os televisores atuais entregam. O sócio-gestor do Arena Estaiada enfatiza que, por esse motivo, o modelo não é rentável. “É algo extremamente difícil e caro, caso esteja preocupado em entregar uma experiência 100% perfeita. Para nós deu certo, porque tivemos patrocinadores”, explica.
Na sua grande maioria, os drive-in optaram por exibir sucessos de bilheteria, com clássicos que já foram reproduzidos nos cinemas, DVDs e estão disponíveis em algumas plataformas de streaming, o que faz com que uma parte do público não se interesse por pagar o valor do ingresso.