Enquanto Regina Duarte lava bem as mãos, parlamentares e trabalhadores da cultura mobilizam-se para aprovar auxílio emergencial em São Paulo - Revista Esquinas

Enquanto Regina Duarte lava bem as mãos, parlamentares e trabalhadores da cultura mobilizam-se para aprovar auxílio emergencial em São Paulo

Por Camilla Millan e Seham Furlan : maio 24, 2020

Trabalhadores e parlamentares lutam para conseguir auxílio para a classe artística.

O co-deputado Jesus dos Santos, (Bancada Ativista, PDT/ SP) e o vereador Toninho Vespoli (PSOL/ SP) esclarecem a importância do PL estadual  253 e municipal  227 para o setor, que já tramitam nas casas legislativas

Afinal, quem precisa?

“Acho isso de um absurdo sem tamanho e vou obstruir”, comentou Douglas Garcia (PSL/SP), deputado estadual da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) e vice-presidente do Movimento Conservador Direita São Paulo, em uma enquete postada no perfil oficial da Alesp sobre o Projeto de Lei (PL) 253. O (PL) estadual, assim como o municipal PL 227, prevê um auxílio emergencial para trabalhadores e espaços culturais em São Paulo durante a pandemia. Ainda no Instagram, Garcia fez uma postagem na segunda-feira, 18, com trechos de uma live da atriz Letícia Letrux. Alegou ser contra o repasse de dinheiro público às “lacrolives”, mas sim “para quem realmente precisa”, endereçando o comentário ao PT, PSOL e PCdoB, co-autores do PL 253. Entretanto, a palavra “live” não consta no PL estadual, nem no municipal. Garcia não se pronunciou quanto ao PL estadual, seu assessor disse apenas: “Ele é contra”. O contato com Valéria Bolsonaro (PSL/ SP), integrante efetiva da Comissão de Educação e Cultura da Alesp, para esclarecer sua perspectiva sobre os auxílios aos trabalhadores da cultura também não obteve resposta. 

Trabalhadores da cultura, Jesus dos Santos, membro da Bancada Ativista (PDT/ SP) e Toninho Vespoli (PSOL/ SP), co-deputado e vereador em São Paulo, respectivamente, explicam a construção dos PLs e a mobilização online, cada um em seu âmbito de atuação, para amparar a classe artística durante a crise causada pelo novo coronavírus.

 

O que dizem os PLs e qual o trajeto da renda até o trabalhador

Ambos os PLs preveem a transferência de renda para os trabalhadores culturais. No PL 253, a quantia corresponde a um salário mínimo estadual, ou seja, R$ 1.163,55. No município, o PL 227 prevê  um benefício de R$ 1.045,00 aos trabalhadores, ambos para pessoa física. Os espaços culturais também são abordados nos PLs. No estado, o documento pressupõe uma quantia de R$ 3.500,00 mensais para que espaços culturais paguem suas contas e, no município, prevê o não  pagamento de tributos e contas municipais durante a crise.

Muitos trabalhadores ainda não tiveram acesso à primeira parcela do auxílio emergencial federal de R$ 600,00, como Inti Queiroz, produtora cultural, professora e militante da cultura. “Fiz a inscrição logo no começo. Senti que há uma dificuldade, tenho vários amigos da cultura que não estão conseguindo acessar por diversas questões”, explica a professora. “Por isso, há um desespero para a aprovação dos PLs. Estou há dois meses sem nenhuma renda. Já entrei no meu cheque especial, estou acumulando dívidas e não sei o que fazer”, desabafa.

Uma vez sancionado o PL, o artista que solicitar o acesso ao auxílio deverá comprovar a “efetiva realização de atividades ou prestação de serviços no período compreendido entre 1º de janeiro de 2019 e 29 de fevereiro de 2020”, como explica o projeto estadual. Tal comprovação é realizada por meio de cadastros de transferência de renda, seja municipal, estadual ou federal. De acordo com Jesus dos Santos, o repasse do valor poderá ser realizado, por exemplo, pelos bancos estaduais, como o Banco do Povo ou instrumentos estatais. Quanto ao PL 227, atribui-se ao Executivo a autorização de pagar o benefício ao trabalhador da área cultural com renda mensal familiar de até três salários mínimos, ou com renda per capita de até meio salário mínimo. O documento explica que a comprovação de renda deverá ser feita via autodeclaração, “onde conste a informação de perda de fonte de renda em função da pandemia da covid-19”.

Em locais com pessoas em situação de vulnerabilidade, espaços e coletivos culturais tem sido de suma importância para o amparo de famílias através do fornecimento de recursos básicos. Jaison Lara, gestor do Centro da Criança e do Adolescente (CCA) Auri Verde e arte-educador da Casa Ecoativa, um centro eco-cultural na Ilha do Boreré, bairro do extremo sul da capital paulista, é uma das pessoas que integram as redes de solidariedade atuantes na base. “Os grupos vêm organizando frentes para dar assistência às famílias neste trabalho de base”, comenta Lara.  “Coletivos culturais trabalham nas campanhas de arrecadação de cestas básicas de alimentação voluntariamente, sem seus trabalhos remunerados, fica difícil suportar a situação economicamente”, afirma. O co-deputado Santos também sublinhou a importância da capilaridade alcançada pelos espaços: “Passariam a contribuir com a tarefa que o governo deveria exercer na ponta. Com a manutenção predial, com as contas em dia, as pessoas ficam livres para pensar e agir para o enfrentamento do vírus na sua localidade”.

 

Vulnerabilidade latente escancarada pelo vírus 

O vereador Toninho Vespoli avalia a gestão da Secretaria Municipal de Cultura em São Paulo como “trágica, em todos os aspectos”.  “O ex-secretário de Cultura, Alê Youssef, tocou a Secretaria com pouco diálogo, inúmeros shows espalhados pela cidade – o que é positivo – enquanto programas de políticas públicas foram deixados de lado. Todos os fomentos estão parados, fazendo com que artistas não recebam seus salários e passem por grandes dificuldades financeiras, precisando de auxílio como uma simples cesta básica, por exemplo”, diz Vespoli. Em 2020, tanto no município como no estado de São Paulo, a verba anual destinada à cultura não atinge 1% do orçamento total dos respectivos governos e, agora, com shows, peças de teatro e eventos culturais cessados, a situação é ainda mais preocupante.

Os trabalhadores culturais foram os primeiros a abandonar seus postos de trabalho por uma questão óbvia: aglomerações não são aconselhadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) durante a pandemia. “Não se contingencia orçamentos de secretarias que mantêm o status quo da elite política, que dominam os rumos que nossa cidade e estado têm”, alerta o co-deputado da Bancada Ativista. Ele se refere à Secretaria Estadual de Segurança Pública, cujo orçamento está intacto e soma pouco mais de R$ 24 bilhões de acordo com a Lei Orçamentária Anual (LOA) 2020. De acordo com reportagem publicada pela Folha de São Paulo em 29 de abril, a pasta da cultura estadual terá seus repasses reduzidos em “50% nos meses de maio, junho e julho, o que deve acarretar uma diminuição total de 14% em relação ao total programado até o final do ano”. 

 

A assepsia do Executivo diante dos trabalhadores

Regina Duarte mostrou-se indiferente às mortes em decorrência da covid-19 e também às demandas do setor cultural, muito prejudicado pela pandemia. Na quarta-feira, 20, a atriz abandonou o cargo de Secretária da Cultura por sentir-se “fritada” e por estar com saudades da família. Ela retorna a São Paulo, tornando-se a responsável pela Cinemateca Brasileira. Para ocupar seu lugar, foi indicado o ator Mário Frias, que já integrou o elenco de “Malhação” e é defensor do presidente Bolsonaro nas redes. “Quem topa fazer parte de um governo assim, é a mesma coisa”, aponta Jesus dos Santos. “Devemos tomar o protagonismo das coisas – nós, que estamos na quebrada, nós, população preta e indígena, as mulheres… Precisamos estar no front coordenando os caminhos”. 

“Não é o suficiente”, disse Vespoli sobre as críticas à Regina Duarte nas redes. Para o vereador, “se o Brasil fosse um país sério, uma Secretaria de Cultura que proferisse este tipo de declaração [Como o da ex-secretária], sairia de camburão do Palácio da Alvorada”. “Lidamos com um governo que não respeita a Constituição, e uma das primeiras medidas foi tirar e  diminuir a importância da cultura de Ministério para Secretaria”, completa.

 

Mobilização no âmbito digital

Impossibilitados de acontecer pelas ruas, os movimentos culturais têm sido feitos virtualmente, com a criação de páginas, divulgação de vídeos, panelaços e “tuitaços”. No Facebook e no Twitter, Inti Queiroz é uma das principais coordenadoras dos movimentos, colaborando tanto com o PL estadual, quanto municipal. No Facebook, foi criada a página PL 227 Cultura SP, para que pessoas, artistas ou não, tirem uma foto com um cartaz com a frase: “Eu apoio o PL 227”. No Twitter e Instagram há uma página do PL 253, além da #PL253_cultura

A criação de ferramentas tecnológicas que agilizam a cobrança de parlamentares também foi um recurso importante para o movimento. A ONG Minha Campinas e o Fórum do Litoral, Interior e Grande São Paulo (Fligsp) desenvolveram uma plataforma digital capaz de enviar e-mails para todos os deputados e deputadas estaduais com alguns cliques, facilitando o engajamento das pessoas na causa. “É um cenário complicado, sobretudo quando a gente fala de cultura, educação nas periferias e do trabalhador autônomo”, diz Jaison Lara. Segundo ele, “a gente precisa ter respostas muito mais rápidas do poder público, que está deixando a gente muito mais preocupado nesse período, né? A pressão popular tem que ser grande”.